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“A China já não é um mercado de dinheiro fácil”

Nos calcanhares dos EUA, a China é um dos mercados mais dinâmicos para as empresas de tecnologia à procura de investidores. Bessie Lee, da Witihinlink, falou na Web Summit sobre o melhor caminho para lá chegar.

Bessie Lee, diretora executiva da incubadora e investidora chinesa Withinlink, foi uma das oradoras da Web Summit, em Lisboa, numa palestra dedicada às principais dificuldades com que se deparam as ‘startups’ estrangeiras que pretendem entrar na China. Lee admite que há hoje uma “bolha” na inovação chinesa, onde grande parte do investimento é aplicado sem interesse estratégico ou conhecimento da indústria. Ainda assim, o mercado está a mudar e o financiamento parece agora menos disponível. A diferença, alerta, pode ser feita com um sistema de valores sustentável e respostas específicas às necessidades dos diferentes sectores económicos.

– Quais as características procuradas nas startups que a Withinlink acompanha e financia?

Bessie Lee – Na Withinlink, somos uma incubadora e investidora estratégica para um setor específico. O meu contexto profissional, bem como dos meus colegas, é marketing, publicidade e media, e apenas investimos em tecnologias de marketing e publicidade,’big data’ e inteligência artificial com aplicações nestas indústrias. Quando fazemos prospecção de investimento olhamos, claro, para a ideia e modelo de negócio, mas aquilo que é mais importante para nós é o próprio fundador ou equipa fundadora. Queremos olhar para as pessoas, interagir com elas, perceber como lidam umas com as outras. Estamos à procura de um sistema de valores. Portanto, primeiro queremos perceber qual o sistema de valores pessoal dos fundadores, se são pessoas de bom coração ou se estão apenas a correr atrás do dinheiro. Caso se limitem a correr atrás do dinheiro, o mais provável é não investirmos. Primeiro, queremos avaliar a qualidade das pessoas, das equipas, se estas se enquadram no sistema de valores que preferimos. Só depois da equipa vem o modelo de negócio. Em terceiro lugar, as ideias de negócio apresentadas têm de responder a pelo menos um desafio de marketing que conheçamos. Não basta começar uma empresa apenas para começar uma empresa. Esta tem de procurar dar resposta a um desafio de negócios. São estas as áreas que avaliamos.

– Menciona a preocupação em encontrar um determinado sistema de valores. No final, apostando nessas empresas, terão uma parte do negócio. Não é comum que seja essa a primeira preocupação. Porque têm essa abordagem?

B.L. – Na China, há muitas pessoas a iniciar negócios ou a investir apenas com o propósito de fazer mais dinheiro. Na minha equipa, não acreditamos que isso seja sustentável a longo prazo. A China já não é um mercado de dinheiro fácil. Para que um negócio valha efetivamente as valorizações que alcança tem de ter significado. E como é que tem significado? Tem de ser capaz de responder aos desafios da indústria e tem também de ter significado para as pessoas que trabalham nesse negócio. A maneira como os fundadores e cofundadores tratam o pessoal é muito importante. Se a empresa se limita a ir atrás do dinheiro, é garantido que a equipa agirá da mesma maneira. Assim, quando deixar de receber dinheiro, abandona a empresa. É por isso que há uma alta rotatividade. Na minha equipa temos mais de 20 anos de efetivas operações de negócio na China. Já vimos o suficiente para saber. O sistema de valores não está no radar de ninguém quando se recruta ou se faz um investimento, mas nós sabemos quão importante este pode ser – é um aspeto crítico na decisão de investimento.

– Quem observa a China hoje em área como as ‘fintech’ comenta as altas valorizações das empresas e alerta para uma possível bolha. Qual é a sua opinião?

B.L. – A importância do mercado, a concorrência e a grande liquidez, e o facto de a China um novo mercado em um grande número de sectores, são quatro factores que se combinam para empurrar as valorizações para níveis muito mais elevados. Há definitivamente uma bolha. Mas sinto que é uma bolha que rebentará bastante rapidamente. Podemos ficar à espera que a bolha rebente e, depois disso, as empresas que sobreviverem serão aquelas que são boas e competitivas – é essas que devemos procurar.

– Qual o desempenho das empresas que já receberam investimento da Withinlink?

B.L. – Estão bastante bem. Nós trabalhamos nas etapas iniciais, ‘angel’ ou ‘Pré-A’. Atualmente, temos 12 empresas no nosso portefólio, das quais cinco já completaram a série A [primeira ronda de acesso a financiamento através da venda de ações preferenciais a investidores], e duas vão para listagem em bolsa no próximo ano. Temos muita sorte, o nosso portefólio está a ter um bom desempenho. Mas o nosso modelo é diferente dos de outros investidores de capital de risco. Não temos um grande portefólio, a nossa abordagem é de portefólio ‘boutique’ com um nível profundo de incubação. Não nos limitamos a pôr dinheiro e a esperar que as coisas aconteçam. Pomos o dinheiro e evolvemo-nos, efetivamente, nas áreas que os fundadores permitem nos envolvamos. Por exemplo, entramos e ajudamos as empresas a estabelecerem as suas operações de ‘backend’, o que significa que os relatórios financeiros têm de estar certos. Não há muitos fundadores com conhecimentos financeiros que consigam ter correta parte financeira. Assim, acertamos os relatórios, treinamos a equipa financeira para que saiba preencher os números e lê-los depois. Permitimos oportunidades para se apresentarem em eventos como este, trazendo as ‘startups’ connosco para os palcos, explicando-lhes como contarem a histórias delas, e contando com elas esta história a um público maior. Além disso, claro, marcamos reuniões com clientes e agências de forma a que encontrem o dinheiro que garanta a continuidade dos seus negócios. Por comparação com outros – capital privado e capital de risco –, somos investidores com muito maior envolvimento. Daí que diga que temos um portefólio boutique’, mas com um modelo de incubação profunda.  

– A maioria dos investidores quererá entrar em fases mais tardias?

B.L. Será mais o capital privado a fazê-lo. A maioria dos investidores de capital de risco entra nas fases iniciais. Mas na China, como em muitos outros mercados, a maior parte dos investidores são investidores financeiros. Não há investidores estratégicos suficientes com efetiva experiência na indústria para estarem no mercado e ajudarem estes jovens a fazer crescer os respetivos negócios. Todos estes investidores financeiros não sabem nada sobre a indústria – ou o que sabem aprenderam-no a ler relatórios, mas sem passarem um único dia a gerir negócios nesses setores. Não fazem ideia de como funciona a indústria na verdade. Investidores a atuar num setor específico, investidores estratégicos tal como nós, têm muito potencial. Interessantemente, na China assistimos a uma tendência na qual cada vez mais executivos deixam a vida empresarial para começarem as próprias firmas, tal como eu fiz, ou para aderirem a um grupo de investimento iniciando investimento setorial. É essa a tendência, e estamos muitos satisfeitos por estarmos no início dessa tendência.

– A Withinlink arrancou muito recentemente com um fundo para atrair empresas para a China. Como funciona?

B.L.No ano passado conseguimos levantar o nosso primeiro fundo denominado em renminbi e estamos agora a lançar o nosso segundo fundo em renminbi, muito maior – ainda aberto –, e também um fundo denominado em dólares americanos. Tal como referi na Web Summit, as empresas que queiram vir até à China – sejam empresas maduras ou startups – não sabem como entrar, em quem confiar, se devem avançar sozinhas ou formar parcerias. As estratégias de entrada no mercado exigem pessoas que estejam no terreno, conheçam o mercado e as ajudem. E nós temos esse ângulo. Quis criar este fundo para ajudar essas empresas, servindo-as como ligação na China.

– Que companhias procura para este fundo?

B.L. – Tudo o que seja tecnologia de marketing, de publicidade, dos media. São essas as companhias nas quais estamos interessados.

– Apenas dos Estados Unidos ou também de outras regiões?

B.L. – Em qualquer lugar que fique fora da China.

– Também na Europa?

B.L. – Em qualquer lado. Também em Hong Kong, Macau, na Europa, Reino Unido, e até Israel, onde há muitas empresas de tecnologia. Em Macau, há muitos indivíduos e grupos familiares super-ricos. Se quiserem que os ajudemos a gerir alguma parte de fundos familiares dentro do nosso sector, gostaria imenso de olhar para essa oportunidade, encontrando empresas de valor para estes grupos investirem e trazendo-os assim para a China. 

Maria Caetano

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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