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Príncipe, o frágil equilíbrio económico do ambiente

A ilha do Príncipe quer ser, a partir de 2017, uma referência mundial do turismo sustentável, com um projeto da empresa norte-americana que é a maior proprietária privada de um dos últimos segredos africanos. 

“É uma ilha que o tempo quase esqueceu, com um ar pré-histórico e nuvens espessas sobre a floresta, com a selva junto ao mar. Uma ilha notável no meio do oceano”, afirma Buster Howes, administrador da Here Be Dragons (HBD), do multimilionário sul-africano Mark Shuttleworth, um empreendedor digital que se apaixonou pelo território.

“As pessoas são benignas, genuínas e com sorrisos abertos” e “as crianças são lindas, pequenas pessoas com um sorriso que nos desarma”, diz Buster Howes, um britânico que rapidamente se apaixonou pelas “naturais qualidades da ilha, com praias desertas e um oceano azul”. 

No entanto, apesar dos investimentos locais, com a construção de um novo aeroporto internacional, arranjos de estradas e equipamentos, 65 por cento da população trabalha em agricultura de subsistência”, num quadro económico muito frágil: “quando aterramos, verifica-se o mau estado das infraestruturas”, com “prédios decrépitos” e estradas esburacadas. 

Desde que se instalou no terreno, a HBD começou a contratar pessoas para fazerem trabalhos tão simples como “segurança numa ilha onde não há roubos”, mais para “ajudar à sustentabilidade económica” que outra coisa. 

A “HBD investiu três vezes mais nas duas ilhas [São Tomé e Príncipe] que a ONU em toda a sua história”, num total de 80 milhões de dólares. 

“É um investimento filantrópico”, numa “combinação interessante” entre a aposta no turismo e a preservação do território atrativo para estes turistas de nicho, com muito poder de compra. “É importante que preservemos o aspeto comercial do que fazemos” mas “temos de manter as coisas próximas da pureza natural”, explicou Buster Howes.

“Desde 1975, a ilha foi preservada em suspensão animada. Continua um sítio lindo. E as pessoas reconhecem uma vantagem do ambiente natural em que vivem”, disse o empresário, apontando a força icónica das florestas virgens junto a praias paradisíacas, como um “postal de um filme”.

Um total de “53 por cento da ilha é um parque natural, mas tem de existir retorno económico dessa preservação”, sob pena de começarem as pressões para a degradação ambiental em busca do lucro fácil. “O que fizermos não pode causar danos no ambiente: O turismo tem de ser ambientalmente sustentável”, defende.

O Príncipe, continuou Buster Howes, “tem um potencial de história para ser um destino para o turismo global mas é necessário evoluir para um tipo de destino maduro que não seja, de modo algum, estragado”. Por isso, a HBD aposta na recuperação de quintas antigas, roças do tempo colonial, preservando o ecoturismo sustentável. “Queremos importar menos e estamos a investir na agricultura”, e a transformar este setor numa alavanca económica da ilha.

“Estamos no processo de plantar duas mil árvores ilangue-ilangue e já temos compradores para os óleos de lá, e do coco”. “Vamos produzir vários chocolates”, estando ainda prevista a construção de 25 colmeias, porque “não há mel doméstico nem aqui nem em São Tomé”, exemplificou.

No entanto, o empresário reconhece que falta dinamismo local que ajude o empreendedorismo económico. “Se vamos a uma ilha como Bali, somos surpreendidos pela diversidade e força cultural, mas aqui somos apanhados pela falta de criatividade que aqui existe, pelo que a aposta é tentar também formar os mais novos em artes tradicionais como a tecelagem, trabalhos em vime ou a reciclagem de vidro”, diz. 

Para os artistas locais, a HBD tem programas de formação e procura estimular os habitantes. “Temos uma equipa de biólogos que faz desenhos e fotografias” e “vamos expor os trabalhos em Lisboa mas também aqui no Príncipe” de modo a estimular os locais. “Porque a criatividade está lá, precisamos é de a estimular”. 

Este lado de formação não é apenas filantropia gratuita. “Uma ilha mais dinâmica e com mais caráter é melhor para todos. Não queremos ser percebidos ou considerados como novos colonos”, salienta o administrador, reconhecendo que este equilíbrio constitui “um jogo complicado” com as expetativas dos habitantes. 

“Tentamos ensinar e aumentar a sua própria capacidade para gerirem os seus destinos”, disse, dando o exemplo da formação de guardas de tartarugas protegidas. “Temos 18 guardas para as quatro espécies”, disse, salientando que muitos deles viviam da caça daqueles animais. 

Agora, depois de os guardas terem sido sensibilizados para o problema, “temos ensinado não apenas a monitorizar os bancos de pesca, mas também a terem capacidade para ensinarem os turistas”, disse Buster Howes, salientando que todos os passos têm sido tomados em articulação com as autoridades locais. 

“Não somos um governo-sombra, trabalhamos sempre com o presidente Cassandra [ do governo regional] e contamos com os eleitos desta pequena ilha para garantir a legitimidade das nossas ações”, disse. 

Uma ilha à descoberta 

do capitalismo

Nos últimos anos, a empresa tem comprado milhares de hectares na ilha, “mais para preservar do que para construir”, procurando conter os apetites imobiliários em alguns pontos mais sensíveis. 

No entanto, “essa área está disponível para o uso das pessoas”, explicou o investidor, salientando que a maior parte do território é constituído por floresta autóctone.

“Há o risco de termos rapidamente uma corrida” de promotores turísticos ou o aparecimento de “uma empresa de capital de risco da Nigéria que investe em turismo de massas”, reconhece o administrador da HBD. Por isso, “tentámos comprar os melhores lugares turísticos na costa para impedir a especulação turística”. 

“Nós iremos fazer algo para gerar emprego mas não temos ainda certeza do que iremos fazer. Queremos, para já, comprar para preservar”, disse, temendo o apetite de outros tubarões turísticos. 

“Se há uma corrida ao cimento farão dinheiro por algum tempo, mas não o farão por muito tempo e será uma tragédia”, porque o “Príncipe vai perder aquilo que é o segredo do seu sucesso”. 

A procura dos turistas já começa a ser visível na ilha. “O capitalismo teve aqui um nascimento tardio”, mas “já há alguns restaurantes a fazer algum dinheiro”, explicou o administrador da HBD, dando alguns exemplos de empreendedores, como uma “senhora que vende iogurtes” ou outro empresário “que leva comida aos hotéis”.

“Umas das coisas que queremos fazer aqui é desenvolver uma história. Queremos criar uma marca de destino. Esse é o desafio”, explicou Buster Howes. 

Por isso, a empresa pretende colaborar no projeto de 11 milhões de dólares para eletrificar o Príncipe, através da energia solar, tornando a ilha completamente sustentável. 

“Se queremos que este sítio seja um destino ambiental não podemos queimar biodiesel”, disse, justificando mais uma vez o “casamento necessário” entre a sustentabilidade e o investimento.  

Paulo Jorge Agostinho-Exclusivo Lusa/Plataforma

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