O terceiro suicídio em Shenzhen de uma alta patente militar, mais uma suspeita de negócios ilícitos em Hong Kong, sinaliza a aproximação às regiões especiais da campanha nacional contra a corrupção. Xi Jinping altera os equilíbrios de poder, conjugando o dramatismo de uma revolução moral maoísta com o poder conservador do partido único; no fundo, gere o compromisso entre a abertura económica e o dogma da eternidade.
O choque tecnológico e a abertura económica de Deng Xiaoping incluíram o direito a enriquecer dado às hierarquias militares e partidárias, exemplos do Homem Novo que exalta o comunismo capitalista. E assim nasce uma teia infinita de interesses e compromissos – guanxi – que cresce e se multiplica ao ritmo alucinante da China moderna. Neste contexto, Xi reinterpreta uma espécie de saga protestante: por um lado, regressa aos fundamentos do livro; por outro, procura legitimar o poder.
Seja qual for a segurança jurídica dos processos, haja ou não manipulação política, certo é que o ataque à geração pós Deng altera substancialmente os equilíbrios internos de poder. Paralelamente, o discurso internacional é mais musculado e o controlo interno é mais apertado. A polícia ideológica e política dá aos senhores do regime garantias de que a abertura económica não desemboca numa perestroika à chinesa. Está tudo sob controlo, diz a liderança. E nada indica o contrário.
Já não é o que era. Serve esta frase batida para indicar a Macau e a Hong Kong que Pequim aperta a malha. Não quer isso dizer, necessariamente, que as regiões administrativas venham no futuro a ser menos autónomas, ou menos especiais. Mas quer claramente dizer que, nesta altura, Pequim gere esse horizonte com o seu lado emocional mais conservador: inflexibilidade política como seguro de vida para a liberdade económica. Faz parte do compromisso ideológico para atacar uma geração que, ainda que sendo corrupta, tornou-se demasiado importante para não ser livre e demasiado livre para não ser importante.
Paulo Rego