A nova cônsul-geral de Angola em Macau percebe bem o tema da diversificação económica em Macau, pois também o seu país aposta na fuga à monoindústria, neste caso do petróleo. Numa entrevista por escrito, a propósito dos 40 anos de independência de Angola, Sofia Pegado da Silva descreve um país “maduro”, que encara a atual crise económica como “transitória” e assume o seu papel de “potencia regional”. O investimento chinês é “estratégico” e o papel de Macau como plataforma pode ser importante, desde que se preservem as relações “Estado a Estado”.
Plataforma – Passados 40 anos após a independência, como descreve hoje o país. Diria que é uma nação adulta e madura?
Sofia Pegado da Silva – Na verdade, passados os 40 anos, após a independência, podemos afirmar com clarividência que o balanço é simplesmente positivo, desde do ponto de vista político, económico, social e cultural. Quarenta anos subdivididos por um longo período de guerra, dos quais dez anos dedicados à reconstrução do país, após assinatura do acordo de paz firmado no dia 4 de Abril de 2002.
É uma nação em busca da sua afirmação no contexto das nações desenvolvidas e em vias de desenvolvimento, que ao longo do período em balanço, tem aprendido a afirmar-se com erros e exitos. Do nosso ponto de vista, transcorridos 40 anos, Angola tem se tornado um país maduro, rumo ao progresso.
Hoje estamos a celebrar os 40 anos com orgulho, sob o lema, “Independência, Paz, Unidade Nacional e Desenvolvimento”. Angola é um Estado em processo de democratização, conta com a realização de três eleições livres, justas e democráticas. Infelizmente, esse processo de eleições foi interrompido após as primeiras realizadas em 1992 com a retoma da guerra, mas, após termos alcançado a paz, os angolanos demonstraram mais uma vez a capacidade de por si próprios buscar entendimento e imbuídos do exercício democrático, foram realizadas eleições em 2008, 2012 e as próximas estão marcadas para o ano de 2017.
– No caso dos indivíduos, fala-se muito na crise dos 40. Será que um país pode também viver essas angústias de mudança de idade? Por exemplo, do ponto de vista político ou económico?
S.P.S. – Ora bem, se nos situarmos no tempo e no espaço, denotamos que mudanças substanciais foram operadas no contexto político, nomeadamente a transição do sistema de partido único para o sistema multipartidário, que culminou com a realização das primeiras eleições em 1992, bem como sucessivos avanços no estabelecimento de facto de um estado de Direito.
Do ponto de vista económico no transcurso dos 40 anos de independência, o país viveu momentos de crises de vária ordem; porém, sempre soube transpor com maturidade os desafios que se impuseram.
– A situação económica de Angola é hoje mais difícil, por força da queda do preço do petróleo nos mercados internacionais. Como é possível equilibrar as contas públicas neste contexto?
S.P.S. – A crise sente-se e o nosso Governo apresentou um orçamento suplementar em Março passado para fazer face, primando desde já pela contenção de gastos. É possível equilibrar as contas, tendo presente que as atuais dificuldades são semelhantes às que os angolanos conheceram e souberam ultrapassar ao longo dos 40 anos de independência, sendo esta mais uma batalha a vencer. O Governo tem feito todo o seu melhor, apostando desde há algum tempo na diversificação da economia dos sectores não petrolíferos, com destaque os sectores da indústria, agricultura, hotelaria e Turismo, entre outros sectores.
– Será de prever, nesta situação, atrasos no ritmo de desenvolvimento do país?
S.P.S. – Achamos ser normal que o ritmo de desenvolvimento conheça momentos baixos e altos. Aliás, isso acontece até nos países mais desenvolvidos e ou em desenvolvimento do mundo e estamos convictos de que é uma situação transitória.
– A diversificação económica é hoje uma parte importante do discurso político angolano. Como descreve esse movimento e o que está de facto a ser feito nesse sentido?
S.P.S. – Esta pergunta antecede a anterior, porém, para um país dotado de recursos naturais diversos, não deve submeter-se apenas dos rendimentos provenientes do petróleo e derivados. Deve estar obrigatoriamente empenhado na diversificação da economia para deixar de depender de um único recurso. E é o que se está a fazer.
– Quais são os principais sectores a ter em conta nessa diversificação económica?
S.P.S. – Sendo a agricultura a base e a indústria o factor decisivo, são sectores essenciais que podem contrabalançar a economia, como já foi referido, mas, temos também o sector das pescas, pois o nosso mar é muito rico em recursos, sem descurar outros sectores, como é são os casos dos sectores da extração de minérios e da indústria transformadora. Em toda extensão do país, têm sido criadas várias Zonas Económicas Especiais, que poderão de certa forma ajudar na diversificação da economia do país.
– Em quanto tempo se pode prever que o orçamento angolano possa estar menos dependente do petróleo?
S.P.S. – Não podemos fazer uma previsão porque o processo requer tempo e há critérios técnicos a analisar e ponderar esta definição. Julgamos levar algum tempo; além do mais, o país está engajado em várias frentes e esta acepção não se faz de um dia para outro. Além de requerer certa ponderação, há muito trabalho em simultâneo.
– A comunidade internacional reconhece hoje Angola como uma potência regional incontornável em África. Estará essa capacidade de afirmação também em causa perante a crise económica?
S.P.S. – Não creio que esta afirmação se comprometa, devido à crise económica. A nossa capacidade de afirmação como potência regional não depende tão somente dos aspectos económicos, e temos nos afirmado também no aspecto político, devido à capacidade de intervenção dos atores políticos e respetivos líderes, bem como da acutilância da nossa diplomacia.
– Tem sido consensual no discurso político angolano a importância estratégica das relações com a China. Até que ponto o desenvolvimento de Angola continua hoje ligado ao investimento chinês?
S.P.S. – A China é um parceiro estratégico para o desenvolvimento de Angola, está presente desde os primeiros momentos quando país alcançou a paz.
– Quais são hoje os principais projetos em angola aos quais a China está direta ou indiretamente ligada?
S.P.S. – A China esta ligado a vários projetos, nomeadamente os da construção, habitação e transportes ferroviários.
– Os tetos de endividamento impostos por instituições internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, estão a condicionar o investimento chinês em Angola?
S.P.S. – O FMI e o Banco Mundial estão representados em Angola, e periodicamente tem feito os seus deveres e o investimento chinês decorre dos tramites legítimos.
– Que soluções podem ser encontradas para essas limitações. Pensa que a iniciativa privada chinesa pode em parte substituir as linhas de crédito governamentais?
S.P.S. – Os principais projetos aos quais a China está envolvida directamente são os da construção, habitação e reconstrução nacional. Porém, podemos encontrar também várias empresas ligadas a outros sectores.
– Qual é hoje a importância que Macau representa neste momento para Angola, no âmbito do projeto lusófono chinês?
S.P.S. – Macau representa uma grande importância porque temos vínculos históricos comuns, culturais e linguísticos de longa data. No âmbito do “Fórum Macau”, tem sido igualmente importante devido à participação de várias delegações angolanas a diversos níveis nas suas atividades, quer a nível da Conferência Ministerial do Fórum onde somos representados ao mais alto nível, quer nas atividades de formação e culturais.
– Considera que Macau pode de facto servir de ponte para as relações económicas, comerciais e culturais entre Angola e a China?
S.P.S. – Pensamos que no âmbito do “Fórum Macau” sim, pelo seu papel de plataforma, deve continuar a promover e divulgar a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Mas sem nos esquecermos das relações Estado a Estado.
– Que sugestões deixaria para o desenvolvimento das competências do Fórum Macau?
S.P.S. – Pautar no Plano existente de Ação de Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.
– Como define hoje as relações diplomáticas e políticas de Angola com Portugal?
S.P.S. – Achamos que as relações diplomáticas entre Portugal e Angola são boas, traduzidas no grande volume de transações comerciais entre ambos países. Anormal seria se assim não fosse.
– A recente detenção de um grupo de jovens ativistas e a greve de fome de Luaty Beirão causou grande tensão em Portugal. Pensa que esse facto pode deixar marcas na relação entre os dois países?
S.P.S. – Esta é uma questão que todos nós teremos a oportunidade de conhecer quando os acusados pelo Ministério Público forem submetidos ao julgamento marcado para o dia 16 de Novembro de 2015.
– De que forma esse mesmo caso pode afetar a imagem de Angola a nível internacional?
S.P.S. – Achamos que devemos ponderar o juízo que se faz; porém, devemos pacientemente aguardar até ao julgamento marcado para dia 16 de Novembro, e daí podermos tirar as devidas ilações.
Paulo Rego
13 DE NOVEMBRO 2015