Onze anos depois do primeiro ‘China Meeting’, em Genebra, na Suíça, coube a Cascais (Portugal) acolher, nos passados dias 22 e 23, cerca de 300 convidados que a Horasis. Vieram de 35 países em representação de algumas das mais importantes empresas do mundo, mas também de fundações, federações de indústria e do comércio, para além da presença de diplomatas e de reputados académicos.
Numa altura em que a segunda maior economia do mundo enfrenta uma ligeira desaceleração, fica a ideia de que a China está em processo de transição, da quantidade para a qualidade. Por isso, as empresas estrangeiras que queiram investir, primeiro, têm de fazer uma adaptação cultural; depois terão de apostar na criatividade e na inovação. Só assim o capital estrangeiro terá sucesso na nova China que se anuncia.
Sem conseguir fugir da questão política, foramse ouvindo nos 20 painéis que compuseram o encontro, com algumas tomadas de posição assertivas sobre como o atual regime de Pequim tem proporcionado o crescimento económico e a consequente melhoria de vida das populações, para além de uma lenta mas progressiva abertura ao mundo (caso da Internet). “A China não é comunista; é socialista! A Internet irá ficar cada vez mais acessível; temos culturas diferentes, e os outros países, quando estão no nosso ambiente, têm que adaptar-se aos nossos valores”, defendeu um dos oradores do plenário de abertura: China e a Perspectiva do Mundo Económico.
Até os seus maiores concorrentes (norte americanos) admitem que o desenvolvimento que a China sofreu nos últimos 30 anos é algo sem precedentes e que os resultados estão à vista: “Os chineses trabalham mais do que ninguém e vão governar o mundo”, argumentou Walter Levy, da NCH Corporation/EUA, um empresário que se instalou na China com uma empresa familiar há 35 anos. “Vejo enormes oportunidades e céu azul na China. As empresas chinesas estão abertas a novos fornecedores. Para mim esta é a ocasião para investir! Se não há um concurso público, então exigem pelo menos três fornecedores diferentes. Isto é uma oportunidade excelente, apesar de a concorrência (interna) estar a crescer”, conclui o norte-americano.
Oportunidade crescente
Já para Waine W. Wang, presidente do CDP Group/China – organização fundada por si com base no que aprendeu estudar nos Estados Unidos, desde os 15 anos, e trabalhando depois em Silicon Valley, na Califórnia. A palavrachave é “Globalização”. O russo Sergey Demin, presidente da Rosatom Eastern Asia, assegura que a China tem os planos mais ambiciosos do mundo no que respeita à produção de energia nuclear. Harald Einsmann, da Tesco/ Reino Unido, tem 15 anos de experiência na China, que lhe permitem fazer comparações: “Trabalhamos em sete países, mas ainda vou quatro vezes por ano à China, onde os nossos lucros aumentaram 33% ao ano, desde 2001. Há cada vez mais gente a viver na cidade e, apesar da política do filho único – menos mão de obra – a população continua a comprar cada vez mais e o comércio digital está a explodir. Há um crescimento do e-commerce e do e-business e os competidores nacionais são cada vez mais e mais ferozes”, revela o gestor britânico. Einsmann acredita que o futuro dos empreendedores na China passa pela intensificação de esforços para atingir a classe média, sendo essencial abraçar o mundo digital. Feng Leiming, do Tianjin Institute for Development Studies/ China, elenca as mudanças que o país está viver: “Menos crescimento económico, mas ainda maior do que o da Unão Europeia; 14% de aumento médio dos salários nos últimos anos; investimento ambiental; e um mercado mais maduro, ainda que com capacidade de crescimento, por exemplo, nas áreas dos seguros, saúde e turismo”. Para o investimento estrangeiro, “é ainda um mercado muito atrativo”., desde que “se familiarizem com os nossos métodos e os nossos requisitos e que, no essencial, cumpram a lei”.
Crescimento moderado
Hou Kun, da Harbin Power Equipment Industrial Base Association/China, defende a sua dama, sublinhando que os chineses são tão diligentes que “até oferecem ajuda aos EUA e à União Europeia face à suas crises económicas”. E acrescenta: “Em 30 anos tivemos um crescimento muito rápido. Por isso, temos ainda muitos problemas; mas agora queremos um crescimento mais moderado. Precisamos de otimizar o consumo, o investimento e as exportações. E no futuro próximo temos que nos preocupar com o desenvolvimento sustentado (ambiente/poluição/energia). Há muitas diferenças geográficas num país com a dimensão do nosso, mas temos conseguido recursos e oportunidades em todas as partes da China e o Governo está tentar eliminar as lacunas”, sustenta o vice-presidente da Harbin Power.
Jacques Gravereau, da HEC Eurasia Institute/ França, contraria a visão de um mercado idílico, pelo menos para ao investimento estrangeiro. “O governo chinês prometeu há alguns anos atuar como regulador, apresentando até uma lista de requisitos para o investimento estrangeiro. Contudo, nos últimos dois anos houve poucos efeitos práticos para as companhias europeias”, lamenta. A China tornou-se um país de serviços e as campanhas anticorrupção prejudicam as empresas europeias, porque resultam em grandes impasses”, esclarece este académico. “Não há muitas luzes verdes; foram finalmente estabelecidos direitos de propriedade intelectual, o que é muito importante, mas ainda há· muita discriminação face aos estrangeiros”, conclui. Há também pouca clareza e imprevisibilidade; “o Governo chinês diz uma coisa e no mercado acontece outra”. Há um ditado chinês que se aplica ao contexto atual, ao qual os ocidentais não se adaptam: “É difícil apanhar peixe em águas claras”. O problema, diz Gravereau, é que “nós não estamos à vontade para negociar em águas turvas”.
Jurgen Kracht, presidente da Fiducial, vive em Honk Kong há· 44 anos. E faz coro com Gravereau: “Além da forte concorrência, muitos empresários chineses vão à Europa e Estados Unidos buscar o know-how para o aplicarem na sua terra, tendo a vantagem competitiva de serem nacionais”. Sintetizando o painel “Multinacionais Estrangeiras na China: Aprender a Adaptar-se a Novas realidades”, Jan Siemons, presidente da SILC Global/Holanda, recorda que “a China é um país gigante e muito diferenciado. Por isso é preciso atender à História, à religião e aos seus valores, além de ser necessário somar valor aos negócios estrangeiros para ter sucesso na China atual”.
Anson Chan, presidente do Bonds Group of Companies/Hong Kong e responsável pelo painel “China, a Superpotência do Século XXI”, deixou no ar a ideia de que “a China está a tentar passar do modelo de produção para o de consumo”. Aludiu ainda à criação de um Banco de Desenvolvimento – como tem o Japão – e sublinhou que “a China quer ter um papel no seio do FMI”.
O tailandês Vachara Phanchet, presidente da Sittipol Holdings, classifica a China como “a fábrica do Mundo”. Com uma economia dinâmica, mesmo em fase de mudanças; consome mais de 35% do ferro e aço mundiais; cresce 6,9/7% anualmente; tem 8 mil milhões de pessoas a transitar para a classe média e está a aumentar o consumo doméstico. “Um dos desafios que enfrenta agora é passar para a produção em qualidade, em detrimento da quantidade”; mas “num contexto de enfraquecimento dos EUA e da UE, as exportações chinesas vão crescer e o yuan vai passar fará parte do cabaz de moedas internacionais”, profetizou.
Se o avanço da China se faz com patriotas, alguns até radicais, Yan Jiehe, presidente da China Pacific Construction Group/ China, espelha bem o pensamento mais tradicional: “Demos um grande salto nos últimos 20 anos; passámos de compradores a vendedores; apesar de a mão de obra barata estar a desviar-se para a Índia. Até 2020 haverá uma grande reestruturação da economia chinesa e até 2035 vamos ultrapassar os EUA, em quantidade e qualidade. Há muitas opiniões diferentes, mas eu acho que o Partido Comunista Chinês é o mais sólido do mundo e a sua economia planificada é uma das vantagens para o futuro”.
Maria Sanches
30 de outubro 2015