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“SINTO-ME O MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO”

 

No Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, nasce um verdadeiro caso de estudo da diplomacia moderna, que desafia os critérios clássicos das relações internacionais, antes reservadas aos governos centrais. Estados Unidos da América, França e Canadá estão entre os primeiros a assinaram acordos bilaterais de ralações diretas com um Estado que tem uma enorme pujança económica e que aposta na sua autonomia face ao poder federal, sobretudo em áreas da sua competência constitucional, tais como o ambiente, a educação, a saúde, a segurança e as infraestruturas. Curiosamente, é um cidadão português emigrado no Brasil que chefia a Assesoria Especial para as Relações Internacionais do Estado de São Paulo. Rodrigo Tavares assume-se como uma espécie de Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Geraldo Alckmin, estrela no firmamento do Partido da Social Democracia Brasileira, que impôs ao Partido dos Trabalhadores a derrota mais significativa ao nível dos sufrágios estaduais, retirando ao partido da Presidente Dilma Roussef a condução do maior Estado brasileiro. Em entrevista à rádio nacional portuguesa, Antena 1, Rodrigo Tavares explica esta aposta nas relações externas, em complementaridade com a estratégia nacional. Um exemplo elogiado pela revista Foreign Affairs e que sugere reflexão particual na Região Administrativa Especial de Macau, sobretudo no contexto do projeto lusófono chinês.

 

Qual é a real dimensão de um Estado federal, que sente mesmo a necessidade de conduzir a sua própria política externa?

RODRIGO TAVARES – O Estado de São Paulo é a 19ª maior economia do Mundo. Se o G20 aceitasse estados subnacionais, seria um membro legítimo do grupo dos 20 maiores países do mundo. São Paulo é a segunda maior economia da América do Sul, depois do próprio Brasil; com 42 milhões de habitantes é o grande pulmão económico de toda a América Latina. Se fosse um país europeu seria o sétimo país mais rico das Europa. No contexto da América Latina, se juntarmos a Argentina, Chile, Uruguai e Bolívia, o Produto Interno Bruto combinado seria inferior ao do Estado de São Paulo que, sozinho, atinge perto de 800 mil milhões de dólares.

 

Normalmente associamos a política externa ao Estado Nação, ao país. Sendo assim, o que é trabalhar a política externa no Estado de São Paulo?

R.T. – Os desafios da governação são locais, estaduais, nacionais e globais. Depende do assunto, do tema e do desafio. Alguns desafios devem ser abordados pela política externa de um país; outros, que são igualmente transnacionais, globais, precisam de ser abordados pelas cidades e pelos Estados. Exemplo concreto disso: se nós temos problemas nas áreas da segurança, das infraestruturas, ou uma situação pendente na saúde, a solução pode estar ao virar da esquina ou pode estar no outro ponto do planeta. Então as cidades e os estados têm de ter uma política internacional para defender os seus interesses específicos. O Estado de São Paulo é neste momento um dos governos subnacionais com uma política internacional mais ativa, mais reconhecida, e temos recursos de grande porte, quase os de país, para defendermos internacionalmente os interesses do Estado e da população paulista.

 

Neste “Ministério”, digamos assim, trabalham mais de 100 pessoas…

R.T. – O Estado de São Paulo tem entre 120 e 130 operadores internacionais. São pessoas responsáveis pela diplomacia e pela política internacional, pelo comércio externo e pela atração de investimento.

 

A política externa faz-se com países ou com outros estados subnacionais?

R.T. – Faz-se com governos subnacionais, com países e com organizações internacionais. Há dois anos atrás, o Governo do Estado de São Paulo propôs a seis países do mundo o estabelecimento de relações diretas, bilaterais e formais. Nunca tinha sido feito; aparentemente é uma contrariedade da diplomacia internacional, ou do Direito Internacional; mas São Paulo não queria estabelecer relações espontâneas, mas sim formais, bilaterais e diretas com alguns dos países que nós consideramos prioritários. E isso aconteceu. Há um ano e meio, o governo norte-americano anunciou que pela primeira vez queria estabelecer relações diretas com um governo subnacional. E fê-lo com o Estado de São Paulo. Os governos britânico, do Canadá e de outros países estabeleceram relações formais com o Estado de São Paulo. Em termos formais, isso significa estabelecer uma comissão bilateral, desenvolver projetos em comum e ter uma interlocução direta. Relembro que, no ano passado, o presidente Hollande esteve aqui em São Paulo, assinámos um acordo sobre relações formais e ele frisou que, pela primeira vez, o governo francês iria estabelecer relações com um governo subnacional. Na altura comentou: não é culpa nossa que uma das pincipais potências mundiais na área económica seja um Estado subnacional.

 

Isso não acarreta depois problemas com o Governo central, no vosso caso com Brasília?

R.T. – Não. Zero problemas, porque a divisão do trabalaho está circunscrita na Lei. E a Lei é muito clara: os governos nacionais, os Estados e as cidades brasileiras, como acontece um pouco por todo o mundo, têm competências muito específicas. Seja na educação, na saúde, na cultura, no ambiente ou nas infreestruturas, são competências e responsabilidades dos governos locais.

 

O que vocês fazem é trabalhar as relações internacionais em cada uma dessas áreas…

R.T. – Exatamente. Queremos que os 42 milhões de paulistas tenham qualidade de vida e sejam impactados, nas mais diversas áreas, de uma forma positiva.

 

Quais são os grandes desafios de política externa que São Paulo tem pela frente nesta altura? 

R.T. – São extamente os mesmos que temos na política nacional: infraestruturas, segurança pública, saúde e educação são os grandes desafios de quem vive no Estado de São Paulo e no Brasil.

 

O que é preciso melhorar? Em que áreas sente que é necessário dar respostas mais urgentes?

R.T. – Na área da segurança pública, o Estado de São Paulo é o segundo mais seguro no contexto brasileiro; a nossa taxa de homicídeos é cerca de um terço da taxa da América Latina. Isso se deve a fortes investimentos, nomeadamente na área das novas tecnologias. Mesmo assim, precisamos de mais investimento, de continuar a avançar e abraçar novas causas. Nas áreas da saúde e da educação, queremos obviamente o melhor para a população. E o melhor pode estar aqui em São Paulo, ou no Brasil, mas também pode estar em qualquer ponto do Planeta. Aí nós vamos atrás, vamos buscar, compramos; conseguimos essas parcerias para as implementar aqui no Estado de São Paulo.

 

Como é que um português vem parar a funções destas?

R.T – Eu vivo fora de Portugal há 15 anos; vivi em sete países e estava em Bruxelas antes de vir para o Brasil. Estou a dizer que o povo português é verdadeiramente cosmopolita, é sempre um cidadão do mundo. Não sei se sou um cidadão do mundo; sou paulista e sou português; sinto-me totalmente em casa aqui, como me sinto em Portugal.

 

Sente-se como um ministro dos Negócios Estrangeiros?

R.T. – Sinto-me o ministro dos Negócios Estrangeiros do Estado de São Paulo.

 

Ricardo Alexandre/Antena 1

 

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