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LUZ AO FUNDO DO TÚNEL

No difícil caminho para a diversificação económica de Macau, a aposta parece estar no desenvolvimento das indústrias criativas. O Governo abriu este mês as candidaturas para o Fundo para as Indústrias Culturais e a corrida de empresários ao apoio financeiro já começou. Mas, não será este um passo maior que a perna, questionam-se especialistas. E problematizam: há falta de criativos, de formação e de programas de incubação empresarial. Antes de dar apoio financeiro, é necessário uma estratégia.

No terceiro andar da antiga Fábrica de Tecelagem Lun Heng, na Rua Francisco Xavier Pereira, a Macau Creations começou em 2009 um projeto inovador: a criação de produtos com a assinatura de artistas de Macau.

O universo do jogo do artista plástico Konstantin Bessmertny está lá: os Anjos do Reino do Jogo estão lá, o Rei da Cidade do Jogo também, estampados em malas orgânicas, e em espelhos de bolso, ou almofadas e pratos de parede. E há mais: pandas, cadernos, canecas ou calções dão voz a mais de 40 artistas locais. A Macau Creations procura o trabalho dos artistas e transforma-o: prepara o design, envia para produção (na China) e vende.

Mas, logo, a luta com as rendas começou, e abriram-se lojas, que depois se fecharam. A última vez a acontecer talvez tenha sido a mais difícil, porque também era a que mais prometia: a loja estava mesmo ali ao pé das Ruínas de São Paulo, ali por onde passam todos os anos milhares de turistas. Mas a renda subiu, e a Macau Creations saiu.

A empresa, que vende os produtos na internet, tem ainda uma loja na Taipa e outra na Torre de Macau, além de produtos espalhados por vários espaços aqui e do outro lado da fronteira. “Temos nome, somos conhecidos, mas as vendas ainda não cobrem as despesas”, diz Chi Iam Lam, responsável pelo negócio.

Chi Iam Lam está a preparar a candidatura para o novo fundo de 200 milhões de patacas que o Governo de Macau vai atribuir às empresas da área das Indústrias Culturais. Uma luz ao fundo do túnel.

 

CAMINHO PARA

A PROFISSIONALIZAÇÃO

 

Foi já depois da transferência, durante o segundo mandato de Edmund Ho como chefe do Executivo, que Macau começou a debater as indústrias criativas.

Chi Iam Lam regressou do Canadá em 2009 – onde viveu 31 anos – e apanhou a discussão no início. Na Europa, debatia-se o conceito das indústrias criativas há pouco mais de uma década e, em Macau, “se dissesses há 10 ou 20 anos que tinhas uma ideia de investimento nesta área, ninguém te daria ouvidos”. Os casinos não paravam de crescer e era para aí que as atenções se viravam; Macau construía uma economia dependente do jogo; as indústrias culturais e criativas não tinham espaço para se desenvolver, e as startups que arrancavam, tinham pouco tempo de vida.

Quem saía da universidade ia trabalhar para os casinos, e quem não entrava no ensino superior também. Não havia formação na área das indústrias criativas e culturais e, por isso, faltava mão-de-obra especializada local para as empresas do setor.

Em 2010, foi criado o Conselho para as Indústrias Culturais e o Departamento de Promoção das Indústrias Culturais e Criativas para apoiar e subsidiar associações e indústrias locais. Foi na sequência desta aposta governamental, que nasceu o Fundo para as Indústrias Culturais. As candidaturas começaram este mês e contemplam várias modalidades de apoio. A saber: subsídio a fundo perdido nas formas de pagamento de projetos e de pagamento de juros de empréstimos bancários, e ainda empréstimos sem juros.

“Uma excelente medida”, nota Lúcia Lemos, coordenadora do Centro de Indústrias Criativas de Macau – Creative Macau. “É uma oportunidade de fazer crescer algo forte, consistente e profissionalizante”.

Lúcia Lemos considera que esta é uma “alternativa real e sustentável aos casinos” e uma “oportunidade para fazer uma análise dos profissionais e para profissionalizar este setor.”

 

MAIS MÃO-DE-OBRA

 

Apesar de apenas 155 empresas – a maioria na área do design – constarem da base de dados do Instituto Cultural, calcula-se que, em Macau, cerca de mil empresas trabalhem na área das indústrias culturais e criativas. A Creative Links (CL) é uma delas. “Como o nome indica, estabelecemos ligações (links) entre criativos”, começa por explicar o responsável pela empresa, Kuong Wa Fun, que vai também avançar com uma candidatura ao apoio financeiro anunciado pelo Executivo. “Quando fundei a CL, em 2009, empresas, artistas e até departamentos governamentais trabalhavam de forma muito independente e havia espaço para colaboração.”

 

O jovem empresário, que faz curadoria, produção e apoia empresas na área criativa – sobretudo associações locais de dança e teatro – lamenta que muitos dos projetos tenham ficado pelo caminho por falta de financiamento. Pelo menos até agora. “Podem-se candidatar muitas empresas a este novo fundo, mas tenho projetos em mão que não têm competidores em Macau”, afirma o responsável, que está otimista e que vê no apoio financeiro uma forma de alargar a equipa de trabalho, apesar de reconhecer a dificuldade no recrutamento de mão-de-obra especializada.

Chi Iam Lam, responsável pela Macau Creations adverte: “Este fundo vai ter de ser utilizado com sabedoria e profissionalismo. Não se trata de dar rebuçados a toda a gente, tem de ir para as pessoas certas, aquelas que podem criar postos de emprego.”

O Plataforma Macau tentou falar com a direção do Fundo para as Indústrias Culturais, que recusou prestar declarações e remeteu qualquer informação sobre esta iniciativa para a sua página na internet.

 

INDÚSTRIAS CRIATIVAS

SEM ESTRATÉGIA

 

Falta uma estratégia para as indústrias criativas e culturais, defendem especialistas e empresários ouvidos pelo Plataforma Macau. O Fundo para as Indústrias Culturais é um bom começo, mas “parece-me que falta uma política e uma direção clara” por parte do Governo, realça Kuong Wa Fun. “Estão a mover-se rápido demais.”

Álvaro Barbosa, diretor da Faculdade de Indústrias Criativas da Universidade de São José diz que o “Governo está no caminho certo”, embora esta seja apenas uma “consolidação daquilo que já existe”. E há muito mais por fazer, defende. É necessário complementar este fundo com um conjunto de outras iniciativas, como o apoio ao empreendedorismo criativo através de dinâmicas de incubação empresarial. “O que está aqui a ser atendido são as empresas estabelecidas, mas existe um universo com potencial enorme de empresas que ainda não existem mas que podem vir a nascer e apoiar os jovens locais”.

E como não se fazem omeletas sem ovos, também é necessária a criação de uma base forte de criativos. E isso começa pela educação. Álvaro Barbosa diz que tem de haver mais investimento das indústrias criativas não só ao nível do ensino superior, mas também do ensino secundário.

“É crucial, são necessárias pessoas que tenham conhecimentos nestas áreas, e isso por si só não basta, precisamos de mentes criativas, e de alimentar essas mentes criativas”, acrescenta Wong Ka Ki, Professora de Estudos Literários, Dramaturgia e Teatro da Faculdade de Artes e Humanidades da Universidade de Macau. “Precisamos de nos libertar porque, por vezes, as pessoas têm medo de ser criativas, estão presas a convenções.”

明佳Catarina Domingues

 

O que são indústrias criativas?

O conceito das indústrias criativas teve origem nos anos 1990, na Austrália, mas só mais tarde foi desenvolvido pela Comissão para as Indústrias Criativas, criada em 1997, no Reino Unido. Atualmente, as indústrias criativas têm um peso considerável na taxa de crescimento de alguns países, como é o caso de Inglaterra, Austrália ou Holanda, para os quais os setores cultural e criativo geram mais de 8% dos postos de trabalho.

Segundo o “Documento de Mapeamento das Indústrias Criativas”, lançado em 1998, as indústrias criativas são “aquelas que têm origem na criatividade, capacidade e talento individuais, e que potenciam a criação de riqueza e de empregos através da produção e exploração da propriedade intelectual”

Embora as indústrias criativas tenham tido origem no conceito de “indústria cultural” dos sociólogos e filósofos alemães Adorno e Horkheimer, hoje é cada vez mais unânime que as indústrias culturais são um subsetor das indústrias criativas, embora permaneçam dúvidas quanto à diferenciação dos dois termos.

A UNESCO defende que as indústrias culturais “combinam a criação, produção e comercialização de conteúdos criativos que são intangíveis e de natureza cultural”, normalmente protegido por leis de propriedade intelectual e que podem tomar a forma de bem ou serviço. Já as indústrias criativas abarcam um conjunto mais amplo de atividades, incluindo não só as indústrias culturais como toda a produção artística ou cultural, como espetáculo e bens produzidos individualmente. Contêm um elemento criativo substancial e, por isso, incluem setores como a arquitetura ou a publicidade.

 

Catarina Domingues

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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