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AS (IN)VERDADES SOBRE A LIBERALIZAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO EM MOÇAMBIQUE

A LAM passeia a sua classe de companhia em queda livre e o mercado sofre mas ninguém quer mexer num setor quase a implodir. O ministro Muthisse diz que não há barreiras legais nem instrumentais contra a competição no setor, apenas “barreiras económicas”, justamente uma razão central para o Governo permitir a entrada de operadores com maior pujança financeira que a LAM, como se defende noutros setores da economia.

No afã de defender a LAM (Linhas Aéreas de Moçambique), o ministro Gabriel Muthisse (Transportes e Comunicações) acaba de lançar argumentos duvidosos sobre a situação caótica do setor de aviação civil em Moçambique, onde um único operador, a chamada companhia de bandeira, faz e desfaz a seu bel-prazer. Para Muthisse, o espaço aéreo moçambicano está liberalizado, mas isso não é verdade. Para Muthisse, “não há qualquer impedimento legal nem regulamentar para o registo e autorização de companhias para voarem”.

Nos últimos meses, a LAM tem-se mostrado uma vergonha nacional. Fora o acidente do TM 470 na Namíbia, que vitimou todas as 33 pessoas que nele seguiam, a companhia agudizou a sua indisponibilidade de oferecer serviços de forma eficiente. A imagem que restou é de uma aviadora em queda livre.  Para além de manter os passageiros em terra, por alegada falta de aviões, ressaltam problemas operacionais sérios e uma gestão incapaz de dar uma imagem de coesão, com comunicações internas oferecidas até à imprensa, revelando uma equipa onde os seus integrantes se desconfiam mutuamente e até os seus pilotos duvidam das informações de segurança que lhes são prestadas. E nem o anúncio pomposo da compra de dois boeings 737-700 New Generation serviu para suportar uma campanha de limpeza de uma imagem que a verdade no terreno mantém firmemente mergulhada no caos. E a agravar as coisas, a LAM tem uma tutela que às vezes faz de sua porta-voz e defensora oficiosa, e, agora, tenta “vender” a falsa ideia de que a LAM só não tem competição porque ninguém quer competir com ela.

 

OS CONCORRENTES DA LAM

 

Um relatório recente (Impacto da Liberalização do Transporte Aéreo no Turismo e na Economia em Geral, elaborado pela firma americana Nathan) pôs o guizo ao gato, desnudando a realidade do setor e o Governo, através da vice-ministra dos Transportes, Manuela Rebelo, reagiu, dizendo que a liberalização só pode acontecer depois que a LAM seja competitiva. O entendimento do ministro Muthisse sobre liberalização é restrito à presença de operadores domésticos no setor. De facto, para além da LAM, Moçambique conta com a MEX e os dois são dominantes no mercado nacional. De acordo com o relatório da Nathan, a LAM e a MEX têm apenas dois pequenos concorrentes a servir o mercado nacional: a Kaya Airlines e a TTA Airlink, as quais “fornecem serviços fundamentalmente diferentes e não constituem ameaça competitiva”.

Quando o ministro Muthisse diz que existem companhias a voar no espaço nacional ele está a referir-se a estas duas. Mas tanto a Kaya como a TTA Airlink não fazem a espinha dorsal nem têm pretensões para disputarem com a LAM o mesmo osso do negócio. A Kaya, ligada a Joaquim Chissano e Leonardo Simão, utiliza aviões a turbopropulsor Embraer EMB-120 Bandeirante, que transportam até 15 passageiros. A Kaya serve Inhambane, que também é servida pela MEX, e também voava para Inhaca. De acordo com o relatório da Nathan, a Kaya é mais uma operação ‘charter’ em pequena escala (…) que em termos de rede não oferece nem o alcance nem a escala que se possam traduzir numa ameaça competitiva para a LAM.

Por sua vez, a TTA Airlink oferece voos ‘charter’, mas não tem voos regulares. A empresa foi criada com o apoio da SAA Airlink; no entanto, “as operações não se desenvolveram com êxito”. Embora a TTA tenha anunciado publicamente a intenção de desenvolver operações entre Joanesburgo e Maputo, estes voos não se iniciaram. E tal como a Kaya, a TTA não tem a frota nem os recursos para representar uma ameaça competitiva. Assim sendo, parece não ser verdade que haja outras companhias a voar. Com este quadro, para a LAM se ver obrigada a melhorar só mesmo através de uma liberalização onde operadores estrangeiros também possam trabalhar em igualdade de circunstâncias. É isso que o Governo não quer.

Mas enquanto prossegue nessa relutância, com o desenvolvimento da economia, o mercado de transportes aéreo vai crescendo sem o acompanhamento que se esperava da LAM. O tráfego de passageiros nos aeroportos de Moçambique aumentou significativamente nos últimos 10 anos, desde 892.337, em 2002, para um total de 1.675.948 passageiros em 2012. No entanto, de acordo com o estudo da Nathan, o tráfego cresceu menos do que o PIB do país, mostrando uma elasticidade menor que a do Quénia e da Tanzânia, países vizinhos que foram submetidos a uma substancial liberalização.

 

YAMOUSSOUKRO NA GAVETA

 

O relatório da Nathan aponta um cenário positivo no quadro de uma liberalização substancial: indução da concorrência e a entrada de novas companhias no mercado. “Isto irá conduzir à redução dos preços, aumentando ao mesmo tempo o nível de serviços  e de fiabilidade, gerando credibilidade e uma maior certeza dos grandes investidores para retomarem os investimentos de longo prazo no setor do turismo, aumentando significativamente o afluxo de viajantes estrangeiros a Moçambique”.

O Governo tem sido relutante na abertura do espaço aéreo, previsto no Tratado de Yamoussoukro de 1999, a operadoras estrangeiras, que estabelece um cenário de “céu aberto” em que as companhias aéreas dos países que o ratificaram possam operar nos mercados uns dos outros sem restrições. Yamoussoukro reconhece a necessidade de adoptar medidas com o objetivo de estabelecer progressivamente um mercado de aviação intra-africano liberalizado, no que diz respeito a, entre outras coisas, direitos de tráfego, capacidade, frequência e a fixação de preços.

Mas Yamoussoukro tem sido um falhanço justamente porque países com companhias defeituosas como a nossa LAM não fazem nada com o receio de privá-las do seu mercado doméstico. Por detrás desse receio, as autoridades também debitam aquela retórica desusada da defesa da soberania.

“Um dos nossos grandes medos é que não estamos preparados para embarcar na liberalização do nosso espaço aéreo”, admitiu Rebelo. “A soberania de um país precisa de uma companhia aérea bem equipa- da, que é capaz de competir em pé de igualdade com os outros países”. Mas negócios à parte, soberania à parte, o facto é que o despenhamento da LAM tem sido reflexo de uma continuada intervenção estatal, que tem atrasado a transformação da companhia numa empresa com um modelo de negócios virado para a satisfação do mercado. E a principal fonte de receitas da LAM são os seus passageiros, esperando-se, por isso, que seja mais sensível aos seus clientes. De acordo com o relatório da Nathan, em 2011, a LAM gerou quase 68 por cento da sua receita com o serviço de passageiros e pouco menos de 23 por cento com a sobretaxa de combustível.

A LAM também é famosa pelo preços que cobra, é sobejamente conhecida a perceção popular de que é mais caro voar para Pemba que para a Europa. De facto, as tarifas nacionais para viagens em Moçambique são elevadas, devido, diz o documento da Nathan, à oferta limitada de serviços e à fraca posição dos operadores nacionais, tendo em conta as tarifas médias para as rotas nacionais que são mais elevadas do que na África do Sul.  “As tarifas nacionais na África do Sul são significativamente mais baixas do que em Moçambique, porque o mercado maduro da África do Sul oferece economias de escala que mantêm os custos baixos e o seu am- biente desregulado não controla os preços”, comparou o estudo. A intervenção do Governo nos negócios da empresa continua gritante. Para além das recentes aparições do Ministro Muthisse fazendo de porta voz da LAM na esteira do falhanço total das relações públicas da companhia, o executivo controla todas as suas decisões estratégicas, mas também as dos Aeroportos de Moçambique e do Instituto de Aviação Civil. As declarações do Ministro Muthisse podem ter uma ponta de verdade quanto à liberalização mas isso não se aplica à espinha dorsal. E o argumento das barreiras económicas aponta para uma coisa: a liberalização deve ser total e completa.

 

 

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