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Ligação da pataca ao dólar americano traz estabilidade mas retira autonomia

A desvalorização do yuan, em contraste com a valorização do dólar americano, faz com que Macau seja cada vez mais caro para turistas chineses - e a China mais barata para os residentes. Apesar de retirar autonomia no controlo da moeda, economistas apontam que a indexação indireta da pataca ao dólar americano protege a RAEM de choques financeiros internacionais num mundo cada vez mais instável politicamente

Nelson Moura

O contraste de preços entre as RAE e o interior da China acentuou-se recentemente, com a valorização do dólar americano a puxar a pataca e o dólar de Hong Kong para cima, em oposição a um yuan em desvalorização.

Os residentes escolhem agora gastar mais vezes o seu dinheiro do outro lado da fronteira, com os negócios locais fora das zonas turísticas com maior quebra nas vendas. Ao mesmo tempo, turistas chineses começam a optar por outros destinos, mais adequados ao seu poder de compra. A situação voltou a levantar uma questão já muitas vezes discutida anteriormente: os benefícios da indexação da pataca ao dólar americano via o dólar de Hong Kong compensam as desvantagens?

Âncora monetária

Em 1977, a taxa de câmbio da moeda da Região Administrativa Especial de Macau, a pataca, foi formalmente desvinculada do escudo português e vinculada ao dólar de Hong Kong.

Em 1983, o dólar de Hong Kong foi oficialmente indexado ao dólar americano e, desde então, a pataca tem sido vinculada ao dólar de Hong Kong a uma taxa de MOP 1,03/HKD 1, e efetivamente vinculada ao dólar americano por MOP 8/USD 1.

[Indexação ao HKD/USD] crucial para a estabilidade monetária de Macau
Autoridade Monetária de Macau

Pelo sistema de indexação cambial existente, a emissão de patacas está completamente coberta por reservas em moeda externa. Os bancos emissores em Macau, o Banco da China e o Banco Nacional Ultramarino, têm de entregar na Autoridade Monetária de Macau (AMCM), um montante equivalente em dólares de Hong Kong contra a aquisição de certificados de dívida não remunerados, que servem de cobertura legal à emissão de notas. Segundo a AMCM, esta decisão foi “crucial para a estabilidade monetária de Macau”.

“Como o HKD está indexado ao USD, o valor do MOP em relação ao USD permaneceu em grande parte estável durante [2023],” destacou a AMCM no seu relatório de estabilidade financeira mais recente.

O mesmo diz Lou Shiyan, professora de economia na Universidade da Cidade de Macau. Ao PLATAFORMA, refere que “a indexação ao USD tem permitido à AMCM ter uma moeda mais estável e protegida de flutuações nos mercados internacionais, como foi durante a crise financeira asiática de 1997. Com o mundo e a economia internacional com um futuro cada vez mais instável, pode ser um grande benefício”, defende.

Como não há bela sem senão, a economista nota que a maior desvantagem é o setor financeiro local não conseguir controlar os fluxos monetários e estar dependente das políticas da Reserva Federal dos Estados Unidos. Isto inclui o crescente aumento das taxas de juro e perda de competitividade no que toca a preços para com o interior da China.

O dólar americano valorizou-se mais de 12 por cento em 2022, atingindo o máximo de duas décadas. Apesar de um decréscimo em 2023, o desempenho positivo da economia americana leva a querer que a moeda valorize mais este ano.

Como exemplo, enquanto no início de 2022 um dólar americano equivalia a 6.3 yuans, a diferença chega agora a 7.2 yuans. Entretanto, a China viveu em 2023 níveis de inflação a roçar a deflação, algo que acentuou ainda mais a diferença de preços entre as duas RAE e o Continente.

Historicamente Macau e Hong Kong tinham vantagens no que toca ao salários, mas estes têm vindo a aumentar na China continental e o custo de vida é mais baixo
Lou Shiyan, professora de economia na Universidade da Cidade de Macau

O Índice de Preços no Consumidor (IPC) em Macau subiu 1,46 por cento em fevereiro, em termos anuais, o valor mais elevado desde maio de 2020, devido ao impacto do Ano Novo Lunar.

Em 2023 o IPC aumentou 0,94 por cento, com aumentos consideráveis em despesas de base para as famílias locais, com aumentos dos preços das refeições adquiridas fora de casa e das excursões, das propinas escolares, salários de empregados domésticos, dos preços do vestuário ou de gasolina.

Segundo a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos, os maiores crescimentos em termos anuais envolveram os índices de preços das seções da educação (+8,24 por cento), recreação e cultura (+4,87 por cento), vestuário e calçado (+3,89 por cento), equipamentos e serviços domésticos (+2,66 por cento) e dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas (+2,51 por cento).

O índice de valor unitário das importações – um indicador para os preços de produtos importados – também continuou a aumentar desde o primeiro trimestre de 2023. O índice subiu 1,3 por cento e 1,2 por cento no segundo e terceiro trimestre de 2023, segundo a AMCM.

O ‘outro lado da moeda’ desta política monetária tem sido ofertas salariais superiores em Macau e Hong Kong aos praticados no Continente. No entanto, Lou avisa que essa diferença tem vindo a ser reduzida, enquanto a diferença no custo de vida dos dois lados se tem agravado.

“Historicamente Macau e Hong Kong tinham vantagens no que toca ao salários, mas estes têm vindo a aumentar na China continental e o custo de vida é mais baixo. As políticas de importação de mão de obra não residente também tornam mais difícil a mudança para Macau”, explica.

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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