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Energia verde ainda não passa de um mito

Estão em todas as narrativas - e promessas - oficiais; estarão mesmo na base da sobrevivência do Planeta. Mas as energias alternativas, todas combinadas, apenas resolvem uma percentagem ínfima da procura. A realidade, não sendo secreta, é tratada de forma discreta: consumimos cada vez mais petróleo, gás, e carvão... e todos os governos fazem o que for preciso para ter acesso a combustíveis fósseis. Venham de onde vierem, ao preço a que for possível. É o que faz Václav Bartuska; que esta semana deu um banho de realidade na Fundação Rui Cunha

Paulo Rego

Cada vez precisamos de mais – e mais – energia; todos os governos fazem o que for preciso para a obter; falam todos sobre isso, mesmo entre países que oficialmente não se relacionam; nunca se investiu tanto na extração de petróleo, gás, e carvão… e a solução teórica, que passa por combinar energias verdes com restrição do consumo de energias fósseis e regulamentação, não está a acontecer. As energias alternativas, todas juntas, resolvem uma percentagem marginal da procura; ninguém pensa verdadeiramente nas consequências a médio e longo prazo; e não sabemos – nem queremos – viver de outra maneira. É este o resumo do que acaba de nos explicar? “Não diria melhor”, reponde Václav Bartuska, embaixador da República Checa – e da União Europeia – para a segurança energética. Esclarecidos.

O convidado da Fundação Rui Cunha, com apoio da Câmara do Comércio da União Europeia em Macau, e do Consulado-Geral da República Checa em Hong Kong, foi uma surpresa a vários níveis. Primeiro, pela clareza do cenário que descreveu, derrubando todas as ilusões sobre as propaladas agendas da economia sustentável; depois, porque o seu trabalho não é propriamente o de promover a consciência ecológica, esclarecer governos, ou sensibilizar a população em geral para o caos que nos descreve: “O que estamos a fazer ao Planeta não é o que devíamos fazer, se queremos sobreviver”. Bartuska, nas suas próprias palavras, diz que é pago “precisamente para não pensar nisso”. O que “todos fazemos hoje é garantir que temos petróleo, gás, ou carvão, venham de onde vierem, e ao melhor preço possível. Desde que o meu país a tenha… se os outros não conseguirem, é problema deles”.

O que estamos a fazer ao Planeta não é o que devíamos fazer, se queremos sobreviver. Bartuska, nas suas próprias palavras, diz que é pago “precisamente para não pensar nisso”

Tiramos hoje do subsolo cerca de “100 milhões de barris de petróleo, por dia”; extraímos “milhões e milhões de toneladas de carvão, todos os dias; e movemo-los por todo o Planeta”. A população em geral “não se apercebe disso; só sabe quando eventualmente há falhas no fornecimento”. E, na verdade, diz Bartuska, ainda “não vi nenhum governo explicar que vai passar a fornecer menos energia; vejo é todos a garantir que vão produzir e comprar o que for preciso, porque é isso que as pessoas querem ouvir”. Porque “muito pouca gente está disposta a reduzir hábitos de consumo, e a alterar o seu nível de vida; o que querem, verdadeiramente, é que lhes garantam as quantidades de energia que precisam”.

Somos hoje cerca sete mil milhões de pessoas no Planeta, mas não é por isso que o consumo de energia aumenta exponencialmente. Mas sim porque “o nível de vida se vai alterando e cada um de nós consome cada vez mais”. O facto de milhões e milhões de pessoas na China ou na Índia terem passado a ter acesso à eletricidade, ao automóvel, ou ao telemóvel, “tem um impacto brutal no consumo energético global”.

Nos últimos 20/30 anos, recorda Bartuska, o mercado dos combustíveis fósseis manteve-se “relativamente estável”. Mas isso vem-se alterando desde a guerra na Ucrânia, bem como com a instabilidade no Médio Oriente. Sobretudo porque ninguém quer ficar dependente da Rússia, e tem aumentado o esforço por mercados distribuidores alternativos. “O meu país manda-me a todo o lado para garantir o fornecimento; mesmo a países com os quais negamos ter relações”, conclui, explicando que as pessoas “não têm noção de quão complicada é esta realidade nem do que por vezes é preciso para garantir o acesso à energia”.

Quando a guerra na Ucrânia eclodiu, a União Europeia importava da Rússia 40 por cento do gás que consumia. Seis meses depois, tinha reduzido para dez por cento; e ao fim de um ano praticamente já não se consumia gás russo. Como é que isso se faz? “Basicamente, encontramos outros países fornecedores; procurámos fontes de energia alternativa; e tentamos diminuir o consumo. Isto geralmente não se diz, mas quando falamos de fontes alternativas, geralmente falamos de carvão, que não é propriamente uma fonte de energia limpa”. Contudo, “quando temos de escolher entre a escuridão, o frio; ou produzir eletricidade… o carvão é a solução”. Os níveis de consumo “diminuíram, mas pouco, e basicamente o que a Europa fez foi procurar gás um pouco por todo o mundo e inflacionar o preço junto de todos os outros fornecedores, para garantir a compra.” Resumindo, só em 2022, a União Europeia gastou 400 mil milhões de euros adicionais para garantir o acesso a fontes de energia. “Basicamente, fomos a países fornecedores, que tinham outros contratos para cumprir, pagámos mais, e eles não cumpriram os contratos que tinham para nos fornecer. Não é propriamente decente, mas é a realidade”, explica Bartuska.

A narrativa das energias alternativas faz sentido, mas parece um sonho distante. Quando falamos da energia solar, ventos, ou marés… e mesmo incluindo a capacidade nuclear; “as quantidades necessárias são gigantescas; quando pensamos nisso é de cortar a respiração”. De facto, estamos é mesmo “muito longe de atingir essa capacidade”. Toda a gente “gostaria de ter encontrado a solução”; e “todos os países competem para ser o primeiro a lá chegar”. Aliás, “quem conseguir fazê-lo, e puder vender energias alternativas a todo o mundo, estará certamente numa posição de liderança invejável”, vislumbra Bartuska. Mas a realidade é hoje outra: “Está toda a gente ainda muito longe de a encontrar”. Entretanto, hoje, amanhã, depois… a ordem é comprar combustíveis fósseis. Seja a quem for; haja o que houver…

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