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Banca sofre ‘annus horribilis’ em 2023

O setor bancário da RAEM sofreu uma quebra notável de resultados no ano passado. Para o antigo responsável da Autoridade Monetária, António Félix Pontes, a crise do imobiliário no interior da China, e a competição “feroz” da banca em Macau, contribuíram para um ano financeiro para esquecer. O bolo total ainda é positivo, mas vários bancos já registaram prejuízo. A crise ainda pode ser mais grave.

Nelson Moura

A banca de Macau sofreu um rombo considerável em 2023, com os lucros registados a caírem de 13.1 mil milhões de patacas, em 2022, para 6.1 mil milhões de patacas, em 2023 – uma quebra de 53,5 por cento.

Segundo a Autoridade Monetária de Macau (AMCM) o rendimento bruto dos bancos de Macau contraiu devido a uma margem de juros mais estreita e receitas não relacionadas com empréstimos mais reduzidas.

No entanto, em comentários para o PLATAFORMA, o antigo administrador da AMCM, António Félix Pontes, atribui esta queda acentuada à competição “feroz” da indústria e à exposição ao mercado imobiliário do Continente, atualmente em crise.

É previsível que a taxa de incumprimento dos empréstimos se agrave

António Félix Pontes, antigo administrador da Autoridade Monetária

Para Pontes, a atual situação é “anormal”, não por ter havido uma diminuição anual dos lucros, mas sim pela grande amplitude do seu valor. “Creio que os factores determinantes para a redução brutal nos lucros dos bancos de Macau, em 2023, residiram, por um lado, na redução da margem financeira, a diferença entre os juros cobrados pelos bancos nos créditos concedidos e os juros pagos aos depositantes, e, por outro, nas imparidades, a perda de valor de certos ativos”, destaca o economista.

No primeiro caso, o ex-presidente do Instituto de Formação Financeira realçou a feroz competição entre os trinta e um bancos autorizados na RAEM, que tem conduzido a uma diminuição regular da margem financeira.

Segundo dados da AMCM, nos primeiros três trimestres de 2023, a margem de juros e a receita não relacionada com empréstimos diminuíram em 7 por cento e 1,7 por cento, respetivamente, comparado com o ano anterior. As taxas de juros compostas também testemunharam aumentos significativos no ano passado, aumentando os custos de financiamento e reduzindo o volume de empréstimos concedidos.

A Reserva Federal dos EUA aumentou a taxa de juro base 11 vezes desde março de 2022 a dezembro de 2023, resultando num aumento total de 5,25 a 5,5 por cento. Com o dólar americano associado ao dólar de Hong Kong, e este à pataca, as duas RAE aumentaram progressivamente as suas taxas de juro de referência.

O aumento dos custos de financiamento levou a uma queda continuada do valor dos empréstimos a privados, uma queda de 5,5 por cento em termos anuais, para 1.144,6 mil milhões de patacas no final de novembro.

Entre estes, o crédito concedido ao setor residente e não residente caiu 4,1 por cento e 6,6 por cento, respetivamente.

“Quanto à questão das imparidades, não nos podemos esquecer da situação deveras problemática do setor imobiliário da China, com grandes empresas construtoras em total descalabro e roturas financeiras, o que tem impactos adversos relevantes no sistema financeiro”, explica Pontes. O valor do investimento em construção imobiliária na China caiu 9,1 por cento em 2023, com as vendas totais de edifícios comerciais e residenciais a contraírem substancialmente.

Segundo o economista, os bancos autorizados a operar em Macau, principalmente dos maiores bancos com capitais chineses, têm uma “elevada exposição” a um mercado que atualmente representa quase um terço da economia do país.

“Com a crise atual neste mercado, cuja liquidez, a curto prazo, já em si não é grande e, com os construtores a entrarem em falência, essa liquidez passa a ser uma miragem e, assim, os bancos tiveram de constituir provisões para o crédito mal-parado com impacto negativo nos lucros”, aponta.

“Ademais, tenho dúvidas sobre a qualidade das garantias oferecidas para os empréstimos concedidos a empresas construtoras chineses, o que, se se confirmar que as mesmas não são exequíveis, serão más notícias para os bancos que têm enveredado pela concessão de empréstimos ao mercado imobiliário chinês.”

Outros fatores que pesaram nas contas da banca são também conjunturais, com Pontes a lembrar que devido à Covid e às medidas tomadas em Macau para a sua prevenção e combate, a taxa de desemprego aumentou e milhares de trabalhadores deixaram de pagar os seus empréstimos hipotecários.

No entanto, a situação pode até piorar, com o economista a destacar que os bancos locais implementaram esquemas temporários de pagamentos reduzidos de empréstimos durante a pandemia, esquemas estes que expiram no final deste ano.

“É previsível que a taxa de incumprimento dos empréstimos se agrave. Para piorar a situação, o mercado imobiliário local está em queda – cerca de 15 a 20 por cento – e por conseguinte está a haver redução no valor do bem hipotecado”, avisa. “Isto é prejudicial para o proprietário, em caso de venda para pagar o empréstimo, e pode ser também desfavorável para o banco credor em caso de execução”.

O antigo administrador da AMCM ressalva que neste momento os relatórios e as contas anuais dos bancos referentes a 2023 ainda não foram todos publicados, o que dificulta a realização de uma análise rigorosa e a consequente determinação das razões justificativas do decréscimo avultado nos lucros dessas instituições.

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