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Atraso de nova Lei das Telecomunicações prejudica consumidores

Especialistas apontam que os atrasos sucessivos em avançar com uma nova Lei das Telecomunicações têm adiado o desenvolvimento de Macau como uma “cidade inteligente”. O atraso permite também a manutenção do ‘status quo’ da CTM como operadora dominante, e um nível de concorrência que não permite aos residentes usufruir de tarifas mais baixas

Carol Law e Nelson Moura

Apesar de a Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações ter realizado uma consulta pública referente ao Regime de Convergência de Redes e Serviços de Telecomunicações no início de 2019, a muito esperada Lei das Telecomunicações não foi ainda apresentada.A administração apontou repetidamente que o novo regime regulatório vai ajudar a criar mais oportunidades de desenvolvimento para o sector, permitindo a oferta de serviços de telecomunicações mais diversificados e o aumento da concorrência no mercado das telecomunicações, com a racionalização das tarifas.

Segundo as Linhas de Ação Governativa, os trabalhos legislativos relativos aos diplomas legais da área das telecomunicações só devem ser iniciados no segundo semestre de 2024.

Nelson Kot, presidente da Associação de Estudos Sintético Social de Macau, diz ao PLATAFORMA que, considerando as intenções declaradas pela administração de desenvolver a RAEM como uma ‘cidade inteligente’, implementar legislação que facilite a criação de uma infraestrutura de banda larga é “crucial para o crescimento da indústria de tecnologia” e deveria ser “uma prioridade”.

“Com o contrato prorrogado até 30 de setembro, esperamos um progresso acelerado dentro deste período de nove meses. A discussão sobre essa lei de telecomunicações remonta a 2011, e embora as leis possam ser alteradas, a ausência de progresso sugere que há interesses significativos em jogo que têm causado estes atrasos”, diz Kot.

Rui Marcelo, CEO da empresa InoLinq – Inovação e Tecnologia, Lda., diz que apesar de Macau dispor de infraestruturas modernas de telecomunicações adequadas à prestação de serviços sofisticados, o atraso na introdução de nova legislação tem impedido o desenvolvimento de um processo de convergência tecnológica na RAEM.

“A adoção de nova legislação para o setor das telecomunicações permitirá que se reforce o investimento em infraestrutura, garantindo uma conexão rápida e estável em todo o território”.
O anterior vice-presidente de operações de tecnologia da informação da CTM destaca, também, que a nova legislação vai facilitar a atualização das regulamentações existentes para refletir as mudanças tecnológicas e as necessidades atuais do setor, ao incluir regulamentação de novos serviços e tecnologias, como a Internet das Coisas e a tecnologia 5G.

“A interconetividade das empresas, a inovação e a vantagem competitiva no mercado dependem de redes mais rápidas, sem fios ou outras, fornecidas via cabos óticos, em terra ou submarinos. A importância das redes fixas, que atuam como a base da infraestrutura, não pode ser subestimada, uma vez que a procura de conectividade de alta qualidade continua a aumentar, alimentada por saltos significativos no tráfego da Internet, como testemunhámos particularmente durante a pandemia de Covid-19, com as redes de banda larga fixas a assumirem cada vez mais a pressão da crescente procura de redes sem fios”, aponta.

CTM em posição dominante

Nelson Kot avisa que a situação atual gera uma situação de concorrência desleal, considerando que a CTM detém o monopólio de concessão da infraestrutura de telecomunicações locais, com as outras operadoras a terem que pagar taxas de aluguer pelo uso da rede.

No final do contrato de concessão estas infraestruturas teriam que ser devolvidas à RAEM.

“No entanto, informações detalhadas sobre esses ativos de concessão ainda não foram divulgadas. Por exemplo, as outras operadoras de telecomunicações precisam de alugar a infraestrutura, mas a CTM precisa de pagar pelo uso desses ativos de concessão? Se sim, qual é a estrutura de pagamento?”, questiona Kot.

“Se esses ativos licenciados pertencem ao Governo, por que não são compartilhados de forma justa para o uso de todos? Ter operadoras de comunicações que precisam de alugar a rede da CTM é inaceitável e contribui para a incapacidade do mercado em reduzir os preços devido a esse monopólio. Isso não apoia um desenvolvimento saudável do mercado.”

O analista apontou, por exemplo, que enquanto as tarifas em Hong Kong e na China Continental têm diminuindo progressivamente, em Macau permaneceram relativamente estáveis, com reduções mínimas.

Kot questiona também porque empresas de telecomunicações no Continente, como a China Telecom, que conseguem fornecer uma rede de telecomunicações para 1.4 mil milhões de pessoas, não o podem fazer em Macau.

“Isso levanta questões importantes: há falta de transparência relativamente aos ativos de concessão? Existem conflitos de interesse que estão a causar atrasos na apresentação da lei de telecomunicações na Assembleia Legislativa?”, pergunta Kot.

O PLATAFORMA questionou a CTM sobre a renovação da sua concessão e expetativas respeitantes à nova Lei das Comunicações, no entanto, a companhia respondeu apenas não ser uma altura adequada para comentar sobre o assunto.

No seu último relatório anual, a CTM dizia esperar que em 2023 se pudesse “concretizar finalmente a tão esperada reforma legislativa e regulatória do setor das telecomunicações”, o que acabou por não acontecer.

“Bem sabemos que reformar a legislação de telecomunicações em vigor há décadas é uma tarefa desafiante. No entanto, acreditamos que o Governo conseguirá dotar finalmente a RAEM de um quadro legal e regulatório moderno e voltado para o futuro, que possa fomentar um mercado de telecomunicações inovador e dinâmico”, dizia a CTM na altura.

“É também importante que a reforma da legislação que enquadra o setor possa criar as condições adequadas para a resolução das questões herdadas da história, nomeadamente as que dizem respeito aos ativos da Concessão e à exploração da rede básica de telecomunicações e prestação dos serviços conexos”, acrescentava a companhia.

5G antes da lei

Com a demora na introdução da nova legislação, o Governo da RAEM avançou primeiro com um concurso público para a atribuição de licenças 5G e renovações sucessivas das licenças dos operadores existentes.

Segundo Marcelo, o Governo de Macau optou, no final de 2021, por adjudicar os serviços de consultoria a uma entidade independente para a realização de um estudo que serviria de referência para a elaboração das futuras políticas de telecomunicações.

Como os resultados desse estudo só seriam conhecidos no primeiro semestre de 2023, as autoridades decidiram avançar, entretanto, com a introdução dos serviços de 5G, através de licenciamento independente.

Em novembro de 2022, duas licenças 5G foram atribuídas à CTM e à China Telecom (Macau) Limitada, as únicas companhias que foram a concurso.

Antes do fim de 2023, o Governo de Macau anunciou que iria renovar as concessões atribuídas à Companhia de Telecomunicações de Macau (CTM) e à MTel até setembro de 2024, o que abre a porta para que uma nova lei seja apresentada até ao termo.

“O Governo anunciou que as atribuições das licenças de exploração atribuídas às operadoras, incluindo as redes de serviços móveis e fixos, seriam integradas numa licença de convergência unificada e tecnologicamente neutra, incluindo a licença 5G”, afirma.

“Isto permitiria a promoção efetiva da convergência de redes e serviços de telecomunicações em Macau, e uma maior flexibilidade e eficiência na oferta de serviços de telecomunicações, já disponível noutros países e nas regiões circundantes.”

Ao mesmo tempo, o planeamento e as políticas regulatórias que promovam o acesso a redes de banda larga de alta velocidade a preços acessíveis, são “fundamentais para a transformação digital de Macau”.

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