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Fracasso do leilão de terrenos está ligado à perda de confiança no mercado da China

Índice de preços da habitação em Macau continua a cair no pós-pandemia. Esse fenómeno afasta potenciais investidores em novos terrenos e “pode justificar a falta de licitações no recente concurso público de terrenos”, avança Alex Cheng. Há outros fatores a considerar, no entanto, diz o diretor geral da Ambiente Properties. Macau pode estar a ser vítima de uma perda de confiança generalizada no mercado chinês

Nelson Moura e Paulo Rego

O mercado de habitação em Macau continua em queda. Depois de parecer estar a recuperar da pandemia no início do ano, a verdade é que desde maio tem caído, e cada vez mais. O preço das casas é o mais baixo registado desde dezembro de 2022 e em termos homólogos está abaixo das avaliações feitas nos três anos de pandemia, segundo os dados da Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) para o trimestre de junho-agosto de 2023.

De acordo com Alex Cheng, diretor geral da Ambiente Properties, uma agência imobiliária local, a queda do índice de preços da habitação “pode justificar a falta de licitações no recente leilão de terrenos públicos”. O analista refere-se ao recente concurso público para leiloar dois terrenos localizados na Taipa, destinados a habitação privada. Apesar de serem os primeiros em hasta pública desde 2008, só tiveram um interessado, e para apenas um dos terrenos.

De acordo com informação publicada em Boletim oficial, o preço base de licitação para o Lote 8 foi definido em 1.13 mil milhões de patacas, com o Lote 9 com um preço base de 777 milhões de patacas, sendo este último alvo de interesse de um único consórcio. Uma situação que não tinha sido equacionada, surpreendendo o diretor dos Serviços de Solos e Construção Urbana, Lai Weng Leong.

[Instabilidade económica da China] também pode afetar o sentimento geral do mercado e a confiança dos investidores
Alex Cheng, diretor geral da Ambiente Properties

Alex Cheng retrata o cenário atual no setor imobiliário: “O mercado residencial apresenta uma tendência descendente”. Por essa razão, “os investidores e os promotores podem tornar-se mais cautelosos e hesitantes no compromisso com novos projetos. Podem estar a antecipar a potencial diminuição na procura de imóveis residenciais devido à queda do índice, levando a uma menor vontade de adquirir terrenos ou propriedades”. Na sua opinião, é importante salientar que este factor não é o único contribuinte para a falta de propostas no leilão, referindo “condições económicas, políticas governamentais e incertezas do mercado” como outros elementos que “influenciam o comportamento dos investidores e podem ter impacto na procura”.

Economia chinesa no centro da questão

O mercado de habitação em Macau continua em queda. Depois de parecer estar a recuperar da pandemia no início do ano, a verdade é que desde maio tem caído, e cada vez mais.

Falando da instabilidade que o setor imobiliário enfrenta, Cheng acredita que Macau pode estar a ser vítima da perda de confiança global na economia da China. “Também pode afetar o sentimento geral do mercado e a confiança dos investidores”, observa.

Depois de um arranque forte no início de 2023, a economia chinesa ficou muito aquém das expetativas: subiu apenas 0,8 por cento no segundo trimestre, o que representa um dos ritmos de crescimento mais fracos da China, mesmo durante os sucessivos confinamentos para fazer frente à pandemia de Covid-19.

A previsão do Banco Mundial para o crescimento económico da China foi revisto em baixa na semana passada. Da inicial projeção de 4,8 por cento de crescimento em 2024, passou agora para 4,4 por cento. Taxa essa que, apesar de positiva, é a mais lenta do país desde a década de 60.

Entretanto, as exportações caíram a pique, o consumo, produção e investimento abrandaram, e a taxa de desemprego aumentou. O renminbi, moeda chinesa, atingiu novos mínimos em agosto e setembro de 2023. “As pessoas podem optar por manter os seus fundos em vez de investir em novos empreendimentos”, diz o responsável pela Ambiente Properties.
“Terá o milagre económico da China terminado? Provavelmente sim, pois nenhum milagre dura para sempre. Os rendimentos mais elevados e os custos laborais que estes geram, a deterioração das condições externas e o envelhecimento da população constituem, a longo prazo, sérios obstáculos a um crescimento alto”, pode ler-se num artigo de opinião de Yiping Huang, diretor do Instituto de Finanças Digitais da Universidade de Pequim.

O académico menciona também que financeiramente “as maiores preocupações da China” giram precisamente “em torno do setor imobiliário”.

Investidores e promotores podem estar a antecipar a potencial diminuição na procura de imóveis  residenciais devido à queda do índice, levando a uma menor vontade de adquirir terrenos ou propriedades

O mercado imobiliário chinês – que representa até 30 por cento da economia do país – entrou em crise há mais de dois anos, após restrições impostas por Pequim aos empréstimos dos promotores, com o investimento no setor em 2022 a cair pela primeira vez numa década.

O gigante imobiliário chinês, Evergrande, abandonou um acordo de reestruturação de mais de 19 mil milhões de dólares americanos em obrigações no final do mês passado, após quase dois anos em discussões com os seus acionistas. Um grupo de investidores alertou que tal pode ter um efeito catastrófico noutras empresas.

A Evergrande não é um caso isolado. O New York Times diz que mais de 50 promotores imobiliários entraram em incumprimento ou não pagaram a dívida nos últimos três anos. Mas o caso da gigante chinesa preocupa mais, porque apesar de grande parte da dívida pertencer a investidores estrangeiros, muitas pequenas e médias empresas na China ainda aguardam pagamento. A empresa declarou que devia 82 mil milhões de dólares só a fornecedores de materiais de construção. Numa altura em que o crescimento da China cai, “as contas por pagar da Evergrande são um peso que se repercute em toda a economia”, lê-se no jornal norte-americano.

“Se este setor entrar em colapso, as consequências seriam muito prejudiciais”, vaticina Huan, apesar de apontar diferenças relativamente à crise nos EUA, em 2008. “Uma diferença entre a situação da China e a crise do subprime nos EUA, é a ausência de um património negativo visível no setor imobiliário chinês. Este facto deve-se às substanciais entradas exigidas na China, especialmente para a compra de um segundo ou terceiro imóvel, que variam entre 60 e 90 por cento. Se os preços dos imóveis caíssem – e ainda não caíram substancialmente na maioria das áreas -, a contribuição do setor imobiliário para o risco de crise financeira seria menor do que a dos Estados Unidos na crise financeira global”. Contudo, reconhece que “as perdas resultantes em termos de riqueza das famílias e de crescimento económico podem ainda ser grandes”.

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