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“Se Macau não tiver penetração para competir com Shenzhen ou Hong Kong, ficará sempre em segundo plano”

Nelson Moura

Macau deve apostar nas novas tecnologias, nomeadamente Inteligência Artificial, para explorar as áreas ignoradas pelos grandes centros financeiros da região, diz ao PLATAFORMA o diretor do Departamento de Gestão de Negócios da Universidade de São José, Alexandre Lobo. Sobre as oportunidades na Grande Baía para as empresas lusófonas, diz que o risco é grande e a porta de entrada ainda é pequena

Como tem decorrido até agora o trabalho do Laboratório de Neurociências Aplicadas da Universidade de São José (USJ)?

Alexandre Lobo – Quando vim para Macau, um dos objetivos era desenvolver uma área especifica, designada de neuro-marketing, para avaliar a reação dos consumidores e outros aspetos, como a tomada de decisão e o seu aspeto emocional. Fomos recebendo apoio e subsídios do fundo de educação da Direcção dos Serviços de Educação e de Desenvolvimento da Juventude (DSEDJ) e da Fundação Macau e conseguimos adquirir uma série de equipamentos e software.

Tivemos também alguns patrocinadores empresariais que nos enviaram equipamentos e conseguimos construir uma base de possibilidades de pesquisa. Começámos os primeiros trabalhos com alunos de mestrado, trabalhando na tomada de decisão e análise de interações em websites. A partir daí começámos a desenhar a ideia do laboratório, não só para o Departamento de Gestão de Negócios, mas multidisciplinar, ajudando os alunos da área de comunicação e outras áreas. Isso levou à criação do Laboratório de Neurociências Aplicadas.

O laboratório tem uma equipa própria e já começámos a ter os primeiros alunos full-time. A USJ começou a recrutar alunos da China no ano passado, e um aluno em full-time é dessa quota. Isto muda muito as possibilidades, pois os alunos podem ficar no laboratório o dia inteiro e desenvolvem mais rápido à pesquisa.

Há pouco tempo estive no Porto, dado que a USJ fechou um convénio com a Católica Porto Business School, e vamos criar um laboratório irmão para realizarmos pesquisas com alunos de mestrado da Católica.

Ultimamente fala-se muito de Inteligência Artificial (IA). Na sua opinião, que contributo essa tecnologia pode dar ao desenvolvimento de Macau, e mais especificamente do seu setor financeiro?

A.L. – Eu acho que a IA está muito na moda ultimamente, na medida em que as suas aplicações se tornam mais acessíveis ao público geral. Eu já trabalho com IA há 15 anos e houve alguns desenvolvimentos técnicos recentes que permitiram essa aproximação. O poder computacional é bem maior e aplicações como o ChatGPT acabam por criar um movimento muito forte.

Do meu ponto de vista, a IA é uma ferramenta que sozinha não consegue fazer nada. Nós temos que entender como é que ela pode ajudar em determinadas aplicações. Quando falamos em economia digital ou fintech, áreas que Macau quer desenvolver, logicamente pode ajudar do ponto de vista de tratamento de dados, mas do ponto de vista comercial será sempre algo determinado pelo mercado.

Se Macau não tiver penetração para competir com Shenzhen ou Hong Kong, que são duas potências globais nas áreas de fintech, ficará sempre em segundo plano. Eu acho que existem muitas vertentes.

Recentemente tivemos um evento de finanças verdes com uma especialista de Hong Kong que falou das áreas que já não despertam o interesse de Shenzhen ou Hong Kong.

Existem áreas de fintech e de finanças verdes que Macau pode explorar. Os grandes centros financeiros apostam sempre nos mega projetos, enquanto que os projetos mais pequenos estão um pouco órfãos. Existem muitas oportunidades e Macau está correta em investir no desenvolvimento, nas possibilidades de formação, na massa crítica. Não precisa de fazer tudo de uma vez.

Tem que se sair um pouco mais das universidades para os negócios. Temos produções científicas de muito impacto na Universidade Macau, na MUST, na USJ e na CityU. Todas as universidades dão o seu contributo do ponto de vista cientifico e académico, mas é preciso fazer do ponto de vista empresarial. Acho que o Governo está certíssimo em apostar na área de serviços e a tecnologia, porque é o que pode dinamizar Macau.

Fala-se muito da questão dos talentos e recursos humanos que Macau precisa. Que esforços têm de ser realizados para atrair profissionais dos setores financeiros e tecnológicos?

A.L. – Acho que será um movimento natural. Não há como Macau se desenvolver como um hub de inovação só com a população local, é impossível. A não ser que seja um hub de nicho. O que imagino é um equilíbrio muito fino. Vimos os números de desemprego a subir um pouco, com um pico durante a pandemia, por isso o Governo teve que dar uma resposta à população. No entanto, tem que ir com muito cuidado no que toca a empregos e abertura da cidade. O que eu vejo é um processo gradual com oportunidades e vagas ajustadas de forma razoável para atrair talentos.

Muito disto creio que passa por Hengqin. Quando se começa a falar de uma abertura efetiva do mercado de Macau ao mercado chinês, aí tudo muda. As empresas começam a visualizar de um modo diferente. Uma coisa é produzir para o mercado local, outra é ter uma porta de entrada direta no mercado chinês, seja fintech ou indústria da saúde.

As empresas passam não só a produzir diretamente para a China, como podem identificar oportunidades no resto do mundo. Estas normas que vão aparecendo para Hengqin e essa aproximação cada vez maior é um atrativo importante.

Este ano a USJ criou uma incubadora de negócios, a Macau Spin, para atrair ‘startups’ dos Países de Língua Portuguesa e ajudar empresas de Macau a apostar nos mercados lusófonos. Quais têm sido os resultados até agora?

A.L. – A incubadora foi criada muito recentemente. Já houve muitos movimentos no sentido de planeamento estratégico. Eu não sou diretamente responsável, mas como está vinculado no Departamento de Gestão, acabo por ter contacto com o projeto. O nicho que a USJ vai colocar na incubadora é precisamente essa ponte PLP-China, atendendo ao conceito básico de Macau como plataforma.

A diferença é que em paralelo com a faculdade estamos a criar uma coisa chamada Greater Bay Area Networking, um grupo de instituições com as quais estamos a assinar acordos para criar uma rede com várias finalidades do ponto de vista académico e de integração da USJ com outras instituições da região. Vai estar também muito virado para a área de negócios, com foco em Cantão, Foshan, Zhuhai e e o distrito de Nansha.

Estamos também a fazer contactos com o ambiente de inovação no Brasil, Portugal, Angola e Moçambique. Brasil e Portugal são alvos naturais, possuem empresas mais maduras que participam sempre em competições e onde os centros de inovação são mais proativos.

Quando fala com empresas ou universidades de países lusófonos, quais são as dificuldades que eles notam em entrar na Grande Baía?

A.L. – Ainda existe um desconhecimento muito grande. Nós estamos cá diariamente, mas nos ambientes de inovação em Portugal e no Brasil existe um desconhecimento muito grande e as pessoas não têm a noção do potencial de mercado e não compreendem que é um processo lento. Existem inúmeras competições e incubadoras, e as empresas que ganham essas competições têm maior acesso, mas é um número extremamente reduzido e têm de brilhar.

Existem algumas empresas que não ganharam competições que podem entrar e fazer algumas coisas, mas é um passo que exige esforço. A vida de startup não é fácil, estão a tentar sobreviver todos os dias dentro do mercado delas. Virar toda a sua atenção para um mercado sem ter uma certa maturidade é difícil, exige muito esforço. Entrar num mercado cultural diferente exige uma série de investimento e não é só financeiro.

O mais difícil é estabelecer um relacionamento local. Imagino que as barreiras vão ser reduzidas, não completamente removidas, mas acho que com instituições como a Macau Spin, que já têm uma boa compreensão do mercado de Macau e da China, podemos minimizar os problemas dos empresários.

Só vale a pena um empresário ir para a China se achar que vai ter 10 vezes mais clientes aqui. Tem de visualizar a escala. Para alguém que consiga entrar, o mercado é quase infinito. Mas é isso que exige esforço.

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