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“Macau tem grandes possibilidades de substituir o Dubai como um centro de diamantes”

Carol Law

Especialista diz que Angola e China estão a renovar as suas relações e aponta Macau como uma das regiões que pode sair beneficiada, sobretudo no que diz respeito ao mercado de diamantes.

O Professor Rui Verde, do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Oxford, no Reino Unido, foi o convidado da Fundação Rui Cunha para a palestra “China e Angola: Compreender uma relação complexa em tempos de polarização mundial”, que decorreu na última segunda-feira. Durante o debate, Rui Verde sublinhou que “Angola é o espelho da política externa da China em África” e que os dois países estão a fazer uma “reavaliação, renovação da relação”.

China e Angola, refira-se, estabeleceram oficialmente relações diplomáticas em 1983 e no início deste ano ambos os países comemoraram o 40º aniversário das mesmas. Angola é também o segundo maior parceiro comercial da China em África, a seguir à África do Sul, e de acordo com Rui Verde, as duas nações têm estado em contacto desde a guerra da independência de Angola, na década de 1970, quando tanto a China como a União Soviética apoiaram os partidos locais na sua luta pela independência. No entanto, após a independência de Angola, o país envolveu-se numa guerra civil e as relações com a China não foram muito estreitas até 2002, quando os confrontos terminaram, altura em que a China já tinha aderido à Organização Mundial do Comércio. Rui Verde revelou ainda que o então presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, não queria que o seu país fosse controlado pelo dinheiro dos EUA e por isso fez amizade estratégica com a China, levando a uma aproximação entre ambos, com o empurrão de alguns “intermediários”.

Angola é o espelho da política externa da China em África, os dois países estão a fazer uma reavaliação, renovação da relação

“(Naquela altura) era necessária uma reconstrução nacional para Angola,” acrescentou. “Foi a ideia certa, no momento certo, no lugar certo. Porque havia um país para construir e outro país com muito dinheiro que queria colocar uma parte do mesmo em países estrangeiros.”

No entanto, segundo dados da SAIS China Africa Research Initiative, os empréstimos chineses a Angola oscilaram entre 2000 e 2019, com o maior número em 2016, no valor de 19 mil milhões de dólares, mas caindo acentuadamente no ano seguinte para 2,5 mil milhões. A queda continuou em 2018, com os empréstimos chineses a Angola a totalizarem apenas US$ 405 milhões e US$ 106 milhões em 2019.

Rui Verde disse que quando o atual líder angolano João Lourenço visitou a China em 2018, após a sua posse, só recebeu um empréstimo de 2 mil milhões de dólares, em vez dos 11 mil milhões que outros esperavam, o que levou a que alguns críticos tenham assumido que as relações entre China e Angola tinham-se deteriorado nos últimos anos. No entanto, na opinião de Rui Verde, isso não significava que as relações se tivessem deteriorado, mas sim que estavam a ser “renovadas”.

O especialista salientou ainda que quando o dinheiro chinês entrou em Angola, havia também um problema de corrupção, com a apropriação privada de fundos públicos, e que tanto a China como Angola agora lidam com essas “confusões”.

“Suponho que depois que Xi Jinping assumiu a liderança chinesa, foram tomadas medidas para erradicar as práticas de corrupção. A China enviou muitos auditores a Angola, eles limitaram os empréstimos a Angola.”. Já o presidente angolano, João Lourenço, que tomou posse em 2017, tentou investigar e acusar os generais e os ministros, que no passado estavam a beneficiar desse dinheiro.”

“Portanto, o que temos é uma espécie de reavaliação, renovação da relação de Angola com a China e da China com Angola e não um retrocesso”, disse, acrescentando que a China tem participado em vários grandes projetos de infraestruturas em Angola nos últimos anos, nomeadamente com a construção de inúmeras ferrovias e estradas, assim como casas, escolas, hospitais e outras instalações no país. A hidroeléctrica de Caculo-Cabaça e o aeroporto são também projetos chave.

Dos maiores devedores

Segundo dados do Banco Central de Angola, a partir do segundo trimestre de 2021, a China era o maior devedor externo de Angola, sendo que este país africano é também um dos com maior dívida à China. Em resposta às sugestões de que se trata de “diplomacia da armadilha da dívida”, Rui Verde não concordou, destacando que todo o investimento, todos os empréstimos, têm uma potencialidade de ter problemas, e que a China, em relação ao dinheiro que colocou na África, em Angola, aprendeu bastante.

“Eles fizeram os empréstimos e estão a ver o que está a acontecer. Alguns empréstimos são pagos, alguns países são mais difíceis do que outros, outros não. Qual tem sido a reação da China? A de sempre. Fizeram algumas reestruturações, suspensões, atrasos, é o normal. Então, o que estamos a ver na política financeira da China em relação a Angola, são o que as negociações habituais que os sistemas capitalistas permitem”.

Angola está a tentar manter ao mesmo tempo as relações com a China e em menor grau com a Rússia

Rui Verde acrescentou ainda que a China estudou muito bem a história da União Soviética, que havia emprestado dinheiro ao Egito para construir a represa de Aswan, e quando eles obrigaram os egípcios a pagar as dívidas, os egípcios começaram a sentir-se incomodados com os soviéticos e optaram por comprarem armas aos Estados Unidos. “Então, é claro que a China agora não vai cometer o mesmo erro de Brezhnev em África”, disse.

Liberalização do mercado de diamantes

Angola é também um dos maiores países exportadores de diamantes do mundo. Durante a palestra, um participante questionou os oradores sobre a abertura da Bolsa de Diamantes de Macau em 2018, a segunda bolsa da China.

A Bolsa de Diamantes de Macau beneficiará Macau? Rui Verde respondeu que a situação atual em Angola mudou muito, sendo que em 2017-2018 o mercado era ainda monopólio de alguns dos generais, embora agora estejam a tentar abrir e liberalizar um pouco o mercado. O especialista, aliás, confessou mesmo que “Macau tem grandes possibilidades de substituir o Dubai como um centro de diamantes”, devido, sobretudo, ao facto deste Emirado ter entrado “em muitas atividades ilegais, queimando o seu prestígio”.

Rui Verde considerou ainda que Angola procura ser também uma potência regional, substituindo a África do Sul. Nas relações internacionais, Angola procura um meio-termo, nem muito pró-americano, nem muito tendencioso para a China, e esta posição pode dar-lhe mais poder de negociação.

“Desde Lourenço, ou seja, desde 2017, eles estão a abrir-se também para os Estados Unidos, salientando que são “de todos, não estão a tomar partido”, disse Rui Verde, referindo depois que “Angola está a tentar manter ao mesmo tempo as relações com a China e em menor grau com a Rússia”.

Aliás, sobre a visita do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, a Angola, no início deste ano, Rui Verde considerou que a influência da Rússia em “Angola não é tão forte como costumava ser”, até porque quando João Lourenço e Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos, entraram em conflito, Putin não tomou partidos, “ficou no meio”.

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