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Macau “não está totalmente preparado” para reabrir

Inês LeiInês Lei

Enquanto Hong Kong dá um grande passo na reabertura das suas fronteiras, o Chefe do Executivo de Macau, Ho Iat Seng, já veio a público dizer que a quarentena é para manter. São regiões distintas, com as suas próprias dependências de mercado e sistemas de saúde. É nesse sentido que Ron Lam, membro da Assembleia Legislativa (AL) de Macau, e Jacky Cheong, virologista, consideram que Macau não pode seguir Hong Kong

Começam a surgir os primeiros sinais do fim da pandemia em Hong Kong. O Chefe do Executivo, John Lee Ka-chiu, afirmou que “não se vai andar para trás” e, consequentemente, anunciou a política 0+3 (isenção de quarentena com três dias de autogestão domiciliária). Outras jurisdições, como o Japão e a Coreia do Sul, estão também gradualmente a relaxar as restrições fronteiriças e a impulsionar a indústria turística. “Não é que Hong Kong tenha seguido de má vontade as medidas da China continental nos últimos três anos.

Foi o descontrolo inicial da pandemia que levou a cidade a adotar estas políticas”, reitera Ron Lam, membro da AL. O deputado considera que algumas das medidas compreendidas na política de casos zero eram adequadas quando a pandemia surgiu. Sobre a possibilidade de este passo de Hong Kong ser aplicado a outras regiões do país, diz que não o fazem por incapacidade e não por falta de vontade.

INEVITÁVEL COEXISTÊNCIA

Estar em sintonia com o resto do mundo exige uma política de coexistência com o vírus, atira o deputado. Contudo, compreende que estão em jogo fatores sociopolíticos e económicos complexos. Mesmo assim, prevê que as mudanças possam acontecer ainda este ano, ou o mais tardar no início do próximo. Resta saber se a nível nacional as regiões estão preparadas, tendo em conta o vasto território.

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“Os governos de algumas grandes cidades do Continente são altamente capazes, com bons recursos. Isso diminui as dificuldades sentidas durante a mudança para a coexistência. Honestamente, acho que Macau não está totalmente preparada, tanto a nível governamental como do seu sistema de saúde, como é o caso do crematório que tantas vezes falo. A coabitação com o vírus vai obviamente significar um número mais alto de mortes. Os recursos que temos, mesmo que sejam melhorados, provavelmente não darão resposta às necessidades da população. Ainda não é uma medida adequada”, considera.

Jacky Cheong, moderador da Rede de Informação de Virologia, salienta a forma faseada com que Hong Kong ou o Japão estão a reabrir. No caso de Hong Kong passa-se de um plano 3+4 para 0+3; no Japão, primeiramente com a abertura a viagens de grupo condicionadas, aumentos graduais das entradas diárias na fronteira, até abrir por completo a países que não requerem visto.

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Em cada fase, os governos locais dão tempo para a comunidade se adaptar e disponibilizam os recursos necessários, aponta, acrescentando que em ambos os casos são feitos ajustes de acordo com a capacidade do sistema de saúde.

O virologista diz que a área da saúde tem de considerar a taxa de vacinação, especialmente durante a gestão de tratamento pediátrico e geriátrico, assim como a capacidade de continuar a receber pacientes em estado crítico. Estas medidas, refere, são seguidas por consciencialização social, incluindo o que fazer quando um familiar é infetado, quais os regulamentos de trabalho, como procurar tratamento, entre outros. Todas estas decisões têm um impacto na operação comercial e vida diária da população, vinca.

SEM ESCOLHA

Três anos após o primeiro surto, existe agora uma distinção clara entre a política de casos zero da China e a coexistência adotada mais a Ocidente, como em Portugal ou Estados Unidos. Diferentes políticas também levam a diferentes escolhas de mercado. Ron Lam enfatiza que Hong Kong, ao contrário de Macau, não consegue seguir a política do Continente e tem de optar por se abrir ao mundo. No caso de Macau, acredita que a intolerância ao vírus já é mais razoável.

Temos uma relação muito próxima com a China continental. Cerca de 70 por cento dos nossos turistas vêm de lá, 20 por cento de Hong Kong e 5 por cento de Taiwan. Se fosse um Governo, qual é que escolhia?”.

Além dos fatores económicos, é preciso ter em consideração a gestão da cidade. O deputado salienta que grande parte da população local reside no Continente. Tanto trabalhadores como estudantes atravessam a fronteira diariamente e isso é algo que tem de ser estudado. Portanto, vaticina que o fecho da fronteira com o Interior resultaria imediatamente em vários problemas. Acredito que Macau não tem escolha e assume uma posição passiva”.

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Não obstante, pensa que a China continental também está em vias de mudar a sua política, com grande possibilidade de o fazer ainda em 2022. Só que “Macau ainda não está preparado para espelhar uma mudança da política de Covid-19 no Continente”, alerta.

“Portanto, a nossa maior preocupação é que algo de mau aconteça e a política seja alterada”.

CAPACITAR A REABERTURA

Jacky diz que o recente surto esclarece algumas das questões sobre o verdadeiro impacto da reabertura das fronteiras em Macau.

“Primeiro é preciso tempo até se identificar casos de infeção entre a comunidade, especialmente para famílias com crianças. Podemos ter de lidar com surtos em escolas e lares, ou seja, a forma como tratamos os infetados será um dos fatores com mais impacto. Se a pessoa será isolada ou faz a quarentena em casa e se os infetados ficam impossibilitados de atravessar a fronteira durante determinado período de tempo”.

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Relativamente aos recursos de saúde, acredita que serão feitos os ajustes necessários.

“A última pandemia trouxe inúmeros desafios aos serviços de saúde não relacionados com o vírus. Depois da reabertura, o número de infetados será difícil de controlar e o sistema de saúde de Macau vai com certeza sentir esse peso. A implementação dos recursos de forma adequada durante estas emergências será o fator chave para uma aterragem suave em Macau”, sinaliza.

O virologista explica que, com base nos últimos surtos, há formas de reduzir o impacto do vírus: maior controlo e monitorização de doenças; construção de infraestruturas de investigação médica, como por exemplo bancos de amostras biológicas para criar dados científicos em tempo real; melhor comunicação com a população sobre termos científicos e preparação psicológica para o futuro.

REGRESSO DAS EXCURSÕES ANIMA

Lau, trabalhador na indústria de viagens, afirma que o regresso das viagens de grupo do Continente são ótimas notícias. O agente diz que devido às diferenças entre as medidas de prevenção no Interior da China e no resto do mundo, Macau teria de alinhar com um dos lados. Lamenta por isso que a indústria tenha sofrido tanto tempo com as ruas de Macau desertas.

Mas Lau e muitos dos seus colegas têm “receio de que o processo de atribuição de vistos e o número de tours em Macau não regresse ao que era antes da pandemia, quando havia mais de 100 grupos por dia”.

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“No passado o número de tours da China continental era suficiente para toda a gente conseguir viver do negócio. Por isso estamos preocupados com o seu número, como serão feitas e por quem. Com todos a querer organizar estas tours, com certeza que haverá competição”.

Lau destaca que quando se soube que Hong Kong iria relaxar as medidas de prevenção para 0+3, os preços dos voos subiram logo, descrevendo a situação da região vizinha como invejável. Contudo, “temos de seguir a maioria, não podemos fazer aquilo que queremos”, defende.

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