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Uma visão sobre o valor histórico e cultural de Macau

RúbenRúben*

Recentemente a questão da conservação voltou a ser discutida em Macau. Desta vez surgiu devido ao plano encetado pela Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana de transplantar 10 árvores centenárias no Caminho da Povoação de Cheok Ká para construir uma nova rua na Taipa.

Quando tal foi noticiado, a população organizou uma petição para demonstrar a sua oposição à transplantação, argumentando o valor histórico e cultural destas árvores, assim como a importância para a indústria de turismo de Macau.

Na verdade, o conflito entre desenvolvimento urbano e conservação histórica não é novidade em Macau. Um dos maiores exemplos foi a campanha contra a destruição do Farol e Fortaleza da Guia, em meados dos anos 2000. Reagindo à possibilidade de verem a sua herança histórica destruída para a construção de um arranha-céus, a população de Macau organizou um movimento de proteção desta paisagem, que eventualmente resultou na implementação de medidas que limitam a altura dos edifícios construídos a redor.

Neste artigo irei por isso usar como referência um estudo publicado em 2017 pela investigadora urbana Sheyla Zadonai sobre o “Movimento pelo Farol”, para analisar o mais recente “Movimento de Proteção das Árvores”. Apesar de “árvores” e “faróis” parecerem distantes, ambos partilham um aspeto essencial. Refletem a forma como definimos o que vale a pena preservar e o que significa “preservação”. É este processo de luta por um objetivo comum que faz com que este movimento, com mais de uma década, continue a ser relevante.

O que significa “património”?

Caminhando pelas ruas de Macau podemos ver todo o tipo de paisagens e edifícios antigos, mas para “nós” o valor do Farol e Fortaleza da Guia é incomparável a estas pequenas casas na berma da estrada. Quando usamos o termo “património”, em referência a algo, estamos a dar-lhe significado porque não se trata apenas de uma árvore (pela qual ninguém se interessa).

Contudo, este significado representa também que temos de provar a sua diferença dos restantes. Podemos argumentar a favor de um património de diferentes formas, mas a mais utilizada pela população é o reconhecimento de um sistema de património internacional, como aconteceu com o Farol e Fortaleza da Guia.

Fazendo parte da lista de Património Mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o “Movimento pelo Farol”, em meados de 2000, apelava à proteção de faróis como este, reconhecidos como património cultural.

Entre os movimentos de proteção das árvores, conseguimos observar algumas diferenças e semelhanças com o movimento acima mencionado. Em ambos os casos, o significado histórico, cultural e até económico do local foi igualmente enfatizado. Porém, em contraste com a importância internacional do farol, no caso das árvores, o seu valor emocional entre a comunidade local é mencionado (árvores presentes nas “nossas” memórias) como principal razão da sua conservação.

A metáfora do trás deste património

Contudo, a importância da conservação de património não deve ser a restauração dos tempos de antigamente de Macau. Deve sim ser uma resposta à negligência dos seus aspetos culturais durante o desenvolvimento urbano. Quer seja o “charme português” do farol, ou a paisagem das vilas piscatórias criada pelas árvores antigas em Coloane, ambos fazem parte do desenvolvimento da cidade. O que é questionado em ambos os casos é a valorização do “desenvolvimento” acima de tudo.

Apesar das características coloniais do farol, e do facto da maioria dos residentes em Coloane não serem locais, o que faz com que ambas as situações criem uma reação entre a comunidade é o facto de apontarem para uma questão fundamental: a forma como as forças políticas e económicas conseguem unilateralmente e de forma drástica transformar a paisagem urbana segundo o seu propósito (desenvolvimento). Num processo político como este, os desejos culturais e emocionais da comunidade local nunca são valorizados.

Esta reconfiguração do significado de “património” é também uma reavaliação de “nós” enquanto comunidade. Ao definirmos e descrevermos a “nossa” herança, podemos
oferecer ao movimento de proteção uma nova noção de laços históricos, culturais e emocionais entre a comunidade e sobre o que “nos” ameaça.

Esta discussão é ao mesmo tempo um contradiscurso (‘counter discourse’) que nos oferece uma nova forma de ver a cultura e a história, bem como imaginar a cidade, diferente da oficialmente adotada. A “conservação” trata-se não só de um exercício retrospetivo, como também de uma série de perspetivas sobre o atual e futuro desenvolvimento urbano. O que o incidente do farol revela também sobre a atual situação das árvores é a possível resposta do Governo. Durante o “Movimento pelo Farol”, apesar da restrição sobre a altura de construções implementada em 2008, as normas relativamente flexíveis em comparação com os tempos coloniais causaram um dano adicional à paisagem.

Numa altura em que o Executivo ainda não assumiu uma posição oficial sobre a conservação destas árvores, a preocupação da comunidade não é por isso despropositada.

*Macaology

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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