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Macau: História ocupa espaço

Carol LawCarol Law

Enfrentando a possível remoção de 10 árvores centenárias no Caminho das Hortas e no Caminho da Povoação de Cheok Ká, o vice-presidente da Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau reitera a importância do seu valor cultural, histórico e ecológico. Joe Chan, presidente da Macau Green Student Union, salienta que as árvores Falsas Figueiras Sagradas contribuem para a paisagem única de Macau, sendo um reflexo da interação entre as culturas do Ocidente e Oriente. Contudo, tanto a população como o Governo não estão conscientes da necessidade da sua proteção

Em março, o Conselho do Planeamento Urbanístico discutiu o plano para o Caminho das Hortas e vários representantes demonstraram receio sobre o impacto que as construções de novas ruas pela Taipa teriam nas dez árvores centenárias. Estas árvores constam na Lista de Salvaguarda de Árvores Antigas e de Reconhecido Valor.

O Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) não apoia a realocação destas árvores, muito menos que sejam cortadas, tendo o intuito de continuar a explorar melhores formas para conservar as árvores no futuro. Já a Direcção dos Serviços de Solos e Construção Urbana (DSSCU) vinca que esta é uma das principais artérias de circulação de Macau, e que não foram ainda identificadas alternativas.

A situação rapidamente gerou preocupação entre a população. Um grupo lançou uma campanha para que o Governo não siga em frente com a “realocação ou corte”, conseguido juntar mais de duas mil assinaturas. Raimundo do Rosário, Secretário para os Transportes e Obras Públicas, afirma ouvir a população e as suas preocupações relativamente à transplantação das árvores antigas.

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O mesmo responsável salienta que a DSSCU irá debruçar-se sobre o tema, juntamente com os restantes departamentos antes de tomar qualquer decisão, sendo que só após unanimidade é que os planos futuros serão anunciados. Apesar da garantia do Secretário, só em abril, três grupos visitaram ao Caminho da Povoação de Cheok Ká para conhecer mais sobre a sua história e as características das árvores.

Estado atual das árvores

Entre julho de 2011 e abril de 2012, uma sondagem do IAM registou um total de 38 árvores antigas e nove espécies no Caminho da Povoação de Cheok Ká, uma das maiores concentrações destas árvores em Macau na altura. Algumas árvores possuem os frutos carambola e longan, sendo que uma das árvores com este fruto é das mais altas e antigas de Macau (320 anos), bem como uma das maiores e mais antigas Eritrinas da Índia (espécie de árvore).

Uma Falsa Figueira Sagrada, localizada em frente ao Templo de Kuan Tai e Tin Hau, foi eleita “Árvore Rainha” em 2003.

Infelizmente, quando o Executivo publicou a Lista de Salvaguarda de Árvores Antigas e de Reconhecido Valor em 2016, de acordo com a Lei de Salvaguarda do Património
Cultural, esta incluía apenas 555 árvores. Este é um número inferior às 792 registadas na sondagem acima mencionada.

Se for construído um edifício perto de um património cultural…a sensibilização para a necessidade de conservação será substancialmente maior

Joe Chan,
Macau Green Student Union

De acordo com notícias divulgadas na altura, este decréscimo deve-se à localização de algumas árvores em terrenos privados, ou cujos direitos de propriedade não eram claros. Outras acabaram por morrer devido a tufões e pestes, entre outros. Desde então, Macau tem sofrido várias tempestades que levaram algumas árvores consigo.

Em junho de 2020, o Governo listou quatro árvores em propriedades privadas pela primeira vez. No ano passado, esta lista já era constituída por 616 árvores, com apenas 13 no Caminho das Hortas e no Caminho da Povoação de Cheok Ká, incluindo as 10 Falsas Figueiras Sagradas atualmente em discussão.

Oriente e Ocidente

Matias Lau, vice-presidente da Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau, explica que o Caminho das Hortas possui uma história de mais de 300 anos.

Em meados do século XIX, o Governo português em Macau expandiu o seu território desde a Ilha de Macau até à Taipa e Coloane. Foi nesta altura que uma série de Falsas Figueiras Sagradas foram plantadas por toda a costa e nas ruas principais da Região para decorar o terreno.

Nasceram assim as árvores centenárias, marcando as ruas de hoje em dia.

“As bermas das estradas de Macau são maioritariamente ocupadas por Falsas Figueiras Sagradas, como as que podemos encontrar em Nam Van, no Pagode da Barra e na costa de Coloane. Parece ter sido algo planeado. [No Caminho das Hortas] também existe um grupo de 10 árvores. Esta era uma das ruas principais da Taipa na altura, por isso foram plantadas 10 árvores, numa tentativa de criar um espaço urbano verde. Estão associadas”, diz ao PLATAFORMA.

Joe Chan, presidente da Macau Green Student Union, afirma que estas figueiras fazem parte da paisagem única de Macau e que a espécie é difícil de encontrar em Hong Kong ou Guangdong.

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Com isto em mente, o responsável acredita que estas devem ter sido introduzidas na Ásia pelos portugueses, servindo como testemunho das interações culturais entre Ocidente e Oriente em Macau. Embora as Falsas Figueiras Sagradas sejam uma das árvores antigas mais comuns em Macau, com uma folhagem que oferece bastante sombra, não deixam de ser grandes e robustas. De acordo com Joe Chan, esta espécie, devido ao seu tamanho, raramente é plantada junto de novas estradas. Estas árvores são também “difíceis de encontrar e comprar” em Macau.

O mesmo admite que apesar de o Executivo ter aprovado uma legislação de proteção destas árvores, após o regresso de Macau à China, vários conflitos têm surgido ao longo dos anos. Isto deve-se à falta de coordenação entre os departamentos de planeamento e conservação, nomeadamente no que toca à importância da preservação ainda não ser reconhecida por todos.

Por vezes, algumas construções nas estradas acabam inevitavelmente por danificar as raízes das árvores. “Se for construído um edifício perto de um património cultural, como por exemplo as ruínas de São Paulo, a sensibilização para a necessidade de conservação será substancialmente maior. Quando se trata de árvores antigas, o mesmo não acontece, visto que o problema é a falta de consciencialização”, refere.

Proteção e futuro

Vários residentes não compreendem a necessidade da proteção florestal, quer se trate de árvores novas ou velhas. Em setembro de 2020, um casal de residentes foi julgado por alegadamente ter danificado quatro árvores protegidas em Coloane.

De acordo com o noticiado, cobriram os troncos das árvores com cal e uma tela, afirmando fazê-lo para proteger as árvores de erosão. Em outubro de 2021, outro residente foi detido por ter cortado uma série de árvores públicas para conseguir mais terreno para a produção de alimentos. No mês passado, uma árvore colapsou na zona antiga da Taipa. As autoridades suspeitam que alguém danificou as suas raízes e o espaço vital de crescimento.

Joe Chan afirma ter presenciado várias pessoas a colocar incenso, pregos, chaves, e até câmaras de vigilância, nos troncos destas árvores antigas. O mesmo sugere que a educação nesta área precisa de ser melhorada.

“As árvores não são um objeto morto, nem uma decoração. Se Macau continuar assim não irão sobrar árvores de grau 1 (com mais de 500 anos)”, sublinha.

O presidente explica que as árvores vivem muito tempo, como as Falsas Figueiras Sagradas que podem viver até 200 a 300 anos, caso estejam localizadas num bom ambiente. A árvore mais velha do mundo, por exemplo, tem mais de cinco mil anos.

Tudo depende da sabedoria das autoridades e da contínua participação da comunidade nesta discussão”

Matias Lau, Associação para a Reinvenção de Estudos do Património Cultural de Macau

“Uma árvore de quatro ou cinco mil anos cresce muito devagar. Não é bonita, mas tem história. Existem parques nos Estados Unidos da América dedicados a árvores antigas, mas em Macau o seu valor turístico nunca foi explorado. Estas árvores não dão flor, não servem para tirar fotografias, mas são bonitas”, especifica.

Joe Chan sugere que o IAM se junte a outros departamentos para explorar e promover a cultura e conservação de árvores antigas. O responsável revela também que, tal como os edifícios antigos, as árvores não devem ser realocadas, devendo existir uma proteção do seu ambiente. Por sua vez, Matias Lau acredita que as árvores centenárias possuem um grande valor cultural, histórico e ecológico. Por isso, devem-se desenvolver mais formas para as proteger. Usando esta situação como exemplo, afirma que “segundo o princípio de conservação, é melhor tocar o mínimo possível”.

“Se for esta a ideologia seguida, espero que as árvores sejam preservadas no seu habitat original, como testemunhas da história do Caminho da Povoação de Cheok Ká. Caso estas árvores sejam transplantadas, [a sua aparência] irá certamente mudar. Tudo depende da sabedoria das autoridades e da contínua participação da comunidade nesta discussão”, concretiza.

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