This is My City vai mudar 15 anos depois. O objetivo é ser mais do que um festival e adotar um novo formato, incluir novas agendas e locais na rota. A linha de ação mantém-se: ter um papel relevante na ambição de Macau se tornar uma ponte entre a Lusofonia e a China.
+853. Era assim que se chamava quando foi criado em 2006. “Tudo começou com a ideia de criar um evento que celebrasse Macau, e que permitisse conhecer e dar a conhecer a cidade segundo uma perspetiva criativa”, recorda Clara Brito, que fez dupla com Miguel Correia da Silva na liderança do projeto até 2019.
O evento, continua a designer, alimentava também o desejo de tornar a cidade das pessoas. “Concebemos o evento como um modo de explorar e conhecer o território, e de criar uma montra para a apresentação do trabalho de artistas e criativos locais e internacionais”, diz.
Mas está altura dar outro passo no evento. Passaram 15 anos. Hoje chama-se This is My City (TIMC) e a ambição é que continue a crescer e sobreviva aos tempos como aconteceu até agora. “Os 15 anos vão marcar uma transição no formato em que o evento se vai expressar”, adianta Manuel Correia da Silva.
Ao contrário do que era habitual, a corrente edição deixou de se concentrar num fim de semana prolongado ou semana de atividades. “A palavra festival se calhar vai estar menos presente e vamos passar a ser mais uma marca. O âmbito das curadorias vai manter-se fiel ao que temos feito, mas o formato vai ser mais diversificado. A mudança vai permitir-nos ter mais flexibilidade e assim alcançar novas audiências dentro e fora de Macau. Daqui a 15 anos, o festival será provavelmente algo multidisciplinar. Queremos acreditar que vamos estar presentes em mais cidades. Não só com o intuito de partilhar conteúdos, como criar originais”, acrescenta o designer.
Estar na altura de dar outro passo também significa novidades. O U Fest foi uma das novidades deste ano. O festival escola passa por levar os artistas do evento aos campus universitários e proporcionar-lhes formação através de workshops. “A comunidade universitária local é composta maioritariamente por alunos da China continental. A ideia é conseguir que estes artistas se promovam junto de uma comunidade a que dificilmente teríamos acesso no formato anterior, e que será fundamental para o nosso futuro – como associação e promotores culturais, e para os artistas”, realça.
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Em Zhuhai terão lugar uma exposição de fotografia e concertos na nova Beishan Station – a galeria por abrir e que servirá de sede em Zhuhai. “A estratégia é ter uma presença na cidade vizinha. Nesta fase de integração de Macau na China, queremos antecipar-nos e começar já a criar oportunidades do lado de lá. Queremos estar mais presentes, tanto com artistas de Macau como de fora”, detalha.
“Não nos queixamos”
A vontade de internacionalizar o festival foi uma das frentes que se foi impondo. Foi por isso que o filme do realizador de Macau, Keng U, Holy Eyes, representou Macau no festival Cine Luso, em Bruxelas, no mês passado. Foi a primeira vez que a cidade marcou presença no evento belga. “Com esta opção queríamos mostrar que a nossa lusofonia também fala chinês e expressa-se através destes novos realizadores de uma maneira contemporânea. Quisemos criar um contraste face ao panorama habitual do festival em Bruxelas”, explica o organizador.
O realizador defende que um espaço como o This is My City pode ser crucial para um artista local. “O ambiente multicultural e a forte energia criativa que o caracteriza estimulam e inspiram qualquer artista, e é algo pouco comum em Macau”, afirma Keng U. Holy Eyes foi o resultado de colaborações com realizadores locais, de Portugal e Hong Kong. “Esta experiência deu aso a novas ideias e acabou por me influenciar”, refere ao jornal.
O lançamento do documentário Sound of Sea Breeze, feito durante digressão em Portugal dos Wu Tiao Ten – considerada uma das bandas mais interessantes da atualidade da China continental – fecha a edição de 2021. “É uma das melhores formas de marcar os 15 anos porque reflete uma das nossas maiores ambições: ligar Macau, a China e o mundo lusófono”, enfatiza Correia da Silva, que explica como a mudança do festival denota as mudanças da região.
“Quando começámos a cidade não era o que é e por isso as nossas missões também se foram adaptando. Acho que cumprimos um papel importante. Procuramos sempre projetos emergentes portugueses e chineses que não tinham espaço na agenda mais tradicional e oficial de Macau, e conseguimos promover Macau num meio em que não era conhecida”, resume.
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Foi em 2014 que o TIMC adotou o formato de festival. Três anos depois afirma-se como uma Rede Global Criativa – que agrupa os criativos, instituições e parcerias locais e internacionais que ao longo dos anos fizeram parte do evento. “Num contínuo processo de adaptação e mudança, o TIMC expande-se para a região do Delta do Rio das Pérolas no mesmo ano com o intuito de difundir os conteúdos culturais locais, do universo lusófono e da China que compunham o programa até às cidades vizinhas da China Continental. Em 2018 a expansão continua, desta vez exportando o programa a universos da Lusofonia como o Brasil e Portugal”, descreve Clara Brito.
O primeiro palco abrangeu a zona entre o Beco da Melancia e o Largo do Pagode do Bazar. A escolha não foi ao acaso. Outrora rica em termos comerciais e culturais, caiu no esquecimento e deixou de ser um dos pontos nevrálgicos da região. “O intuito era dar a conhecer e sentir uma zona da cidade na altura menos explorada ao nível criativo, mas com um valioso património cultural, arquitetónico e social”, contextualiza Brito.
“O festival aconteceu em diferentes partes da cidade, criámos ligações entre os universos da lusofonia e da China, e explorámos diferentes áreas das indústrias criativas. Nunca estivemos fechados. Além da música, dedicamo-nos à fotografia, cinema e design. Acho por tudo isso fomos de alguma forma pioneiros”, acrescenta Manuel Correia da Silva.
O caminho teve as suas pedras. “Fazer algo com significado e impacto, que vá para além das preferências pessoais assegurando coerência na curadoria” foi uma delas. “Também há a questão dos apoios. Deixámos de ser subsidiados oficialmente, mas conseguimos sobreviver. Não nos queixamos porque parte do nosso sucesso também se deve a essa capacidade de adaptação”, frisa.
Macau ganhou
Clara Brito, co-diretora em 13 edições, acredita que o festival teve um papel importante no desenvolvimento de Macau nas áreas das indústrias criativas e culturais – ainda antes de serem uma das prioridades do Governo. “A sua continuidade foi um estímulo ao sentido de comunidade e de cooperação, e um espaço para a apresentação do trabalho de diversos criativos e artistas locais e internacionais em Macau, nas cidades vizinhas da China continental e em diferentes mercados lusófonos”, enfatiza.
Clara Brito orgulha-se da capacidade de exportar conteúdos culturais e criativos de Macau e da China para o universo da Lusofonia, e vice-versa. “Apoiando assim o papel de Macau enquanto agente cultural e ponto de ligação entre a Lusofonia e a região da Grande Baía, e reforçando o trabalho de diplomacia cultural de Macau e da China junto dos mercados da Lusofonia.”
Manuel Correia da Silva sublinha que houve comunidades artísticas e públicos de nicho – “o festival nunca teve a pretensão de ser de massas”, ressalva – que começaram a olhar para Macau de forma diferente por culpa do TIMC. “Cidades como Cantão, Zhuhai, Lisboa, Leiria, e outras, que nunca tiveram a oportunidade de se relacionar Macau, passaram a fazê-lo. O festival contribuiu para a afirmação da cidade em esferas muito particulares, mas muito valiosas. Cá dentro proporcionamos um conteúdo que não estava a ser contemplado”, acredita. “Neste momento, já há mais eventos a ocuparem esse espaço e por isso está na altura de darmos outro passo.”