Para além de resolver os limites de espaço, a Zona de Cooperação Aprofundada em Hengqin é a solução de Macau para a diversificação económica, através do investimento industrial em áreas como a medicina tradicional chinesa e a alta tecnologia. Mas também para o setor financeiro. É ainda instrumental para o centro internacional de turismo e lazer e para a plataforma com os países de língua portuguesa. Ip Kuai Peng, especialista na Área da Grande Baía e países de língua portuguesa, aponta os caminhos para um futuro diferente, vendo nos laços lusófonos e na identidade de Macau os seus fatores de competitividade
– O que se destaca no Projeto Geral da Construção da Zona de Cooperação Macau-Hengqin, recentemente divulgado?
– Ip Kuai Peng: No passado, um dos grandes obstáculos na cooperação entre Guangdong e Macau deveu-se às grandes diferenças entre sistemas e mecanismos nos dois lados da fronteira. No futuro, a colaboração aprofundada em Hengqin implica, inevitavelmente, novos mecanismos e sistemas conjuntos. Ambos os governos terão de administrar a Zona de Cooperação, eliminando esse fosso. Esse é um dos pilares do princípio “Um País, Dois Sistemas”.
A inexistência de processos partilhados e de incentivos fiscais corretos desincentivou o Governo da RAEM a assumir investimentos maiores em Hengqin
– Quais as maiores dificuldade desse desafio?
– I.K.P: A Zona de Cooperação Aprofundada será gerida em conjunto por Macau e Guangdong. Mas não podem ignorar responsabilidades, empurrando-as para o outro lado. Ambos são responsáveis pela boa coordenação e compromissos claros sobre os direitos e deveres de cada um. Haverá sempre dificuldades, uma vez que a base legal comum é insuficiente e pouco clara. Desde logo na posição negocial, mas também em muitos outros setores, pois vivem sistemas legais, regulamentos e modus operandi diferentes. O Parque Industrial de Cooperação Guangdong-Macau é um exemplo de como a inexistência de mecanismos partilhados e incentivos fiscais incorretos desincentivaram o Governo da RAEM a investir. Na componente social, há claras lacunas nos transportes, assistência médica, educação e apoio a idosos. As normas são diferentes na certificação de medicamentos e dispositivos médicos, a política de saúde é distinta. Na educação, faculdades e universidades da Grande Baía precisam de preencher lacunas legislativas e políticas para reforçar a cooperação. Finalmente, ambos os governos precisam de mecanismos de comunicação normalizados, a vários níveis, para reforçar a coordenação política e o planeamento. Há inúmeros desafios que terão de ser ultrapassados.
– Quais os benefícios diretos para Guangdong e Macau? Qual o papel específico de Hengqin?
– I.K.P: Macau pode utilizar as vantagens institucionais do princípio “Um País, Dois Sistemas”, mas também da extensão geográfica e recursos de Hengqin. A Zona de Cooperação ajuda Macau a ultrapassar a falta de terrenos necessários para investir na diversificação económica. Ou seja, abre uma oportunidade clara no setor industrial, mas também para a transformação económica e social de Macau – tendência inevitável do seu desenvolvimento. Por fim, há um grande significado estratégico no reforço da integração regional.
Hengqin permite a Macau cumprir o plano estratégico de ser um centro internacional de turismo e lazer e uma plataforma para os países de língua portuguesa
– O Projeto Geral aponta os caminhos da diversificação económica?
– I.K.P: Primeiro, Hengqin é a plataforma para a diversificação económica. A Zona de Cooperação depende sobretudo de projetos comuns, como o Parque Industrial de Cooperação Guangdong-Macau, o Parque Industrial de Ciência e Tecnologia de Medicina Tradicional Chinesa, a Cooperativa Guangdong-Macau ou os quatro laboratórios nacionais da RAEM instalados em Hengqin… É essencial o foco na medicina tradicional chinesa, no setor financeiro, alta tecnologia, comércio, logística e outros setores. Com a promulgação em Macau de leis e regulamentos para a nova medicina tradicional chinesa – a par do desenvolvimento da indústria em Hengqin – Macau vai atrair um vasto leque de empresas farmacêuticas. Na alta finança, Macau deve apostar na emissão de obrigações, títulos e fundos; mas também em produtos financeiros ligados às novas tecnologias e às “finanças verdes”.
Depois, a Zona de Cooperação alivia a pressão social numa terra pequena. Os residentes de Macau podem trabalhar fora do Território e ter mais oportunidades profissionais – especialmente os jovens. Finalmente, Hengqin permite a Macau cimentar o centro internacional de turismo e lazer e a plataforma para os países de língua portuguesa, utilizando a extensão territorial e a natureza preservada em Hengqin. Macau deve recorrer a factores de competitividade como a ligação aos países lusófonos, a inovação, a qualificação dos serviços, o comércio transfronteiriço e o comércio ultramarino… ajudando os países de língua portuguesa a exportarem para o mercado continental.
No futuro, a área financeira será para Macau uma das mais importantes. A Zona de Cooperação Aprofundada proporciona as condições necessárias para a criação da Bolsa de Valores de Macau
– Se a diversificação da economia for feita em Hengqin, qual é o futuro de Macau, deste lado da fronteira?
– I.P.K: A Zona de Cooperação é uma nova oportunidade, tanto para Macau como para Zhuhai. E uma tarefa confiada pelo Governo Central aos governos locais. Nesse contexto, a diversificação e o investimento em novas indústrias deve seguir a tendência global do desenvolvimento nacional. Por um lado, Macau beneficia da extensão territorial; por outro, deve promover a abertura do país ao mundo e focar-se no desenvolvimento sustentável. Macau tem de desenvolver indústrias-chave como a cultura, o turismo, o comércio e as indústrias MICE (convenções e exposições), compreendendo o seu posicionamento estratégico e as vantagens da Plataforma lusófona – ponte com o estrangeiro.
– Hengqin tem força para ajudar Macau a reter a sua massa crítica e os jovens talentos?
I.P.K: Durante mais de uma década Hengqin levou a cabo a construção de infraestruturas, mas enfrenta problemas como o baixo povoamento, ambiente empresarial imaturo e falta de atratividade para as empresas. As pequenas e médias empresas da RAEM ainda enfrentam problemas de financiamento e recursos humanos. O 14º Plano Quinquenal indica para Macau o desenvolvimento da medicina tradicional chinesa e das indústrias tecnologicas. Por seu lado, Hengqin esforça-se por desenvolver a investigação científica e a alta tecnologia. A marca Macau deve potenciar a sua mais valia na produção de eventos, turismo, gestão empresarial, finanças e economia marítima. Acredito que a Zona de Cooperação Aprofundada contará com apoio político para que nessas áreas sejam criadas oportunidades que atraiam a massa crítica e os jovens talentos.
Macau pode criar produtos financeiros que permitam a importação e exportação com recurso ao renminbi, e desenvolver um mercado offshore para a internacionalização da moeda chinesa.
– Por razões históricas e culturais, Macau foi sempre plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Já referiu que essa é uma mais valia de Macau. Mas terá Hengqin capacidade para atrair investidores lusófonos através de Macau?
I.K.P: A área financeira será das mais importantes no futuro de Macau. A Zona de Cooperação Aprofundada proporciona as condições necessárias para a criação da Bolsa de Valores de Macau, bem como a emissão de obrigações, títulos, criação de fundos… mas também para o desenvolvimento integrado de serviços financeiros e gestão de bases de dados: cloud computing, inteligência artificial, blockchain e outras tecnologias. Os laços históricos com países de língua portuguesa permitem ainda a Macau desenvolver áreas complementares como o Direito ou as Relações Internacionais, aproveitando as relações lusófonas para alcançar mercados alargados na União Europeia, América Latina e África. É necessário atrair recursos financeiros internacionais, promover a cooperação nos dois sentidos e consolidar as funções de Macau como Plataforma. Macau pode ainda criar produtos financeiros que permitam a importação e exportação com recurso ao renminbi, e desenvolver um mercado offshore para a internacionalização da moeda chinesa.