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Selos e mais selos…

Nelson SilvaNelson Silva

A recente aprovação da “Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital” veio marcar um avanço importante a nível jurídico, daquilo que são as proteções das pessoas no meio digital, mas para além disso vem também definir direitos no acesso à internet para auxiliar a grande transição digital que tem de ter lugar no nosso país. Para ser sincero, sempre soube que esta proposta iria causar alguma polémica, isto porque esta carta estabelece, no âmbito da proteção dos utilizadores face às chamadas “fake news”, um conjunto de medidas entre elas a possibilidade de queixa para a entidade reguladora e os infames selos de “safe and true”. E porquê tanta polémica?

A questão das falsas notícias apanharam os meios de comunicação social completamente de surpresa, quando há uns anos atrás inclusivamente chegavam a noticiar citando “noticias das redes sociais”. Este comportamento fez com que as pessoas no geral começassem a olhar para as publicações partilhadas nas redes, como algo de fidedigno. Ora, este ponto é importante para percebermos o crescimento das notícias falsas. Foi igualmente como no período em que nasceram e proliferaram os blogues noticiosos, que, entretanto, se estabeleceram como órgãos de comunicação social no seu pleno direito, criando emprego no nosso país para uma classe que na altura tinha altas taxas de desemprego. Esta digitalização geral quer das fontes noticiosas, quer de quem procede à publicação das notícias fez com que a propagação das “fake news” fossem utilizadas como uma arma política com o objetivo de causar confusão, divisão e desresponsabilização. Esta dinâmica é de tal forma significativa que chegámos a um ponto em que este fenómeno ameaça os estados de direito e a democracia em geral. Claro está que algo tem de ser feito.

E um desses “algos” foi a questão dos selos de certificação de notícia verdadeira. Feita então a introdução (bastante sucinta eu sei) ao problema, avaliemos a solução encontrada.

Os chamados selos de qualidade, que irão designar o que é informação falsa e o que não é, serão atribuídos por uma entidade “independente”. Na carta essa responsabilidade ficou ligada ao Estado. Muitas das críticas que têm sido feitas, por conseguinte, é a de estar a ser implementada uma espécie de “lápis azul 4.0”, uma censura por parte do Estado que terá a competência de designar o que é ou não notícia falsa. Claro que à partida esta reação e leitura é legítima, por que razão haveria o Estado de decidir quem escreve, ou fala a verdade e sob que critérios será feita essa avaliação? Fatores por agora absolutamente desconhecidos.

O Governo, em resposta a esta polémica, apressou-se a propor a regulamentação da aplicação destes selos, algo que será em breve discutido e votado na Assembleia da República. Não sei se essa regulamentação irá combater as preocupações de quem as exprime, mas penso que, pelo menos, irá conseguir clarificar os critérios que serão usados.

Os “fact-checking”, ou seja os sistemas de verificação de factos, têm sido implementados pelos órgãos de comunicação social até com bastante sucesso. O próprio diploma dessa carta revela isso mesmo. Mas vamos analisar o que tem sido o histórico recente da verificação de factos em Portugal. A abordagem que tem sido adotada é a verificação de factos de publicações que têm um número elevado de partilhas, discursos políticos, programas políticos, etc. Mas lanço uma questão: se os órgãos de comunicação social verificam esses factos, quem verifica os factos noticiados pelos órgãos de comunicação social? Como solucionamos?

Manter os órgãos de comunicação social como únicos verificadores de factos noticiados, era entrar numa lógica de auto-regulação e também, considerando, por exemplo, o que tem sido a “guerra” de sondagens, poderia ser utilizada como ataques entre meios de comunicação social concorrentes, o que acrescentaria mais confusão.

Os selos de veracidade de informação não são, claramente, a única solução, mas, no meu entendimento, seria um importante passo em frente, indo obrigar a um maior cuidado por parte dos jornalistas na confirmação de factos antes de existir publicação, quer nas redes sociais, quer na internet. Mas, claro está, a forma como consumimos notícias tem de ser alterada e isso não irá acontecer se não existir uma estratégia bem elaborada nas escolas, para podermos, como coletivo, exigir maior qualidade de informação imparcial.

Os órgãos de comunicação social têm de ser parte da solução e não podem ser postos de lado, no entanto, a auto-regulação nunca dá bons resultados e se bem que os selos, por si só, também não são uma solução, a verdade é que representam um passo importante para o combate às notícias falsas. Resta saber se a proposta de regulamentação do Governo vai na linha de pluralidade ou vai na linha de censura bruta.

*Deputado do PAN

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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