Barcos artesanais cheios de gente que foge de Palma, norte de Moçambique, estão a chegar a Pemba, capital provincial de Cabo Delgado, numa viagem por mar a que nem todos sobrevivem, segundo testemunhos.
“Fácil não é, porque o caminho também é arriscado”, conta Mustafa Amade aos jornalistas, à chegada à praia do bairro de Paquitequete, na terça-feira, juntamente com dezenas de pessoas deslocadas de Palma que se aventuraram numa embarcação à vela, em madeira.
“Na quinta-feira nós passámos e na sexta chegámos a Matemo”, ilha do arquipélago das Quirimbas, ao largo de Cabo Delgado, um dos pontos na dura rota em mar alto, ao sabor do vento, em barcos de madeira sem condições, até Pemba.
“Alguns barcos atrás [do nosso] foram apanhados por malfeitores”, relata Amade, referindo que a informação que receberam na ilha apontava para quatro barcos de transportes e seis barcos de pescadores alvo de abordagem.
“Nas ilhas corres riscos. Daqui a uma semana podes nem vir a passar” para Pemba, descreve, relatando que o grupo se deparou com corpos em Matemo, na sexta-feira: “No local, o que é que eu vi? Morreram quatro pessoas”.
Issa Ali, outro deslocado, relata as dificuldades: “andamos com muito sofrimento. Mau tempo, fome, com crianças, vomitar no mar”, tudo junto num cenário em que reina o medo.
A viagem não está ao alcance de todos porque, para entrar no barco, são cobrados valores “que começam em cinco, quatro [mil meticais]” para chegar às ilhas, como Matemo.
De lá, é preciso pagar outros 300 a 600 meticais para chegar a Pemba.
Mansabo Rachide, deslocado, dá conta de um relato sobre ataques a embarcações em fuga, com outros detalhes: fala de 10 “al-shababs”, numa alusão aos rebeldes, com armas e que “levaram muitas coisas: peixe, comida e duas lanchas de pessoas que estavam a sair de Palma”.
“Não sei para onde eu vou. Esta viagem, não a planifiquei. Sai por emergência”, refere Musatafa Amade
“Os ataques continuam”, relata, dizendo que “depois de eles [grupos rebeldes] saírem”, após a incursão de 24 de março, “estão a voltar” à vila de Palma, numa alusão a incidentes, parte dos quais confirmados na última semana pelas Forças de Defesa e Segurança (FDS).
“A cada dia podem degolar três a quatro pessoas e queimar casas”, descreveu Amade, para justificar porque decidiu fugir de Palma.
Sem referência a vítimas, as FDS confirmaram na última semana que desconhecidos, provavelmente pertencentes ao grupo que protagonizou o ataque de 24 de março, incendiaram casas, mas reiterando controlar a área.
Só que a população receia pela sua vida.
“O que queremos é segurança e voltar para casa. É muito difícil começar do zero”, refere Musatafa Amade.
“É isso que nos faz sair de vez”, acrescenta Issa Ali, que lamenta a situação da última semana, de desconhecidos “a queimar casas, no fundo da aldeia”.
“Todos os dias aquilo vem [a violência] e nós não conseguimos ficar naquela situação”, conclui.
Autoridades, organizações humanitárias e governamentais estão a acompanhar a chegada de embarcações com deslocados a Pemba, nomeadamente na praia do Paquitequete.
Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes segundo o projeto de registo de conflitos ACLED e 714.000 deslocados de acordo com o Governo moçambicano.
O ataque a Palma provocou dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.
As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás que tinha início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.