
Em 2019 uma bebé portuguesa afectada por uma doença rara necessitou de um medicamento chamado Zolgensma, ministrado através de uma injeção de dose única. Se não o tomasse morreria, tomando-o não apenas se salvava como praticamente se curava. Pormenor importante: esta injecção ministrada numa única dose custa 1,9 milhões de euros, a sério. A farmacêutica que o produz alega que o preço é justo e razoável… Pudera, é o preço de um resgate, que pais não fariam tudo para o pagar? Não faço ideia se a investigação e ingredientes do medicamento, quiçá poeiras de Plutão ou lágrimas de unicórnio, justificam esta soma astronómica, a questão afigura-se-me outra. Porventura custa esse preço pelo idêntico motivo que uma garrafa de água de 25cl adquirida numa estação de serviço saia a 6€ o litro, e o petróleo extraído através de enorme complexidade técnica das entranhas da Terra, transportado milhares de quilómetros por mar para uma refinaria onde é processado, posteriormente transportado por camiões para essa estação de serviço, se venda na forma de gasolina a 57 cêntimos o litro; o 1,50€ final redunda da carga de impostos. É também por igual razão que tinteiros de marca para impressoras atingem os 3300€ por litro, quando o custo de produção não ultrapassa os 20 cêntimos; além disso, os cartuchos incluem um chip que fazem a impressora gastar mais, informar que o tinteiro esvaziou apesar de ainda restar tinta, ou bloquear a impressora por motivos “inconvenientes” para a marca, entre os quais se detectar que os cartuchos foram recarregados. Portanto os preços resultarão do investimento efectuado, da relação entre oferta e procura, sim, mas no fundo é o que se quiser que seja, em função da importância atribuída pelo mercado, que depois sancionamos. Um menir do Obélix vale o quê? Não interessa, poderia ser tão caro como um diamante, caso o bonacheirão gaulês fizesse o que Cecil Rhodes fez em África com a sua De Boers, detentora do monopólio mundial, e se de seguida orquestrasse uma gigantesca campanha mediática que ao longo de gerações nos haveria de convencer a comprar um objecto absolutamente inútil. Sendo nós leigos na maior parte dos assuntos, o valor e importância das coisas é-nos fornecido por especialistas do marketing, religião, e ciência através dos meios de comunicação, sempre por estímulos emocionais, em geral o medo, nunca pela razão, senão de nós levavam zero.
Não obstante o covid 19 ter alegadamente aparecido ou sido criado na China, quem à nossa vista irá ganhar zilhões com ele é uma empresa farmacêutica americana e um laboratório de biotecnologia alemão. Em tempo recorde, parece que o esperavam, criaram uma vacina 95% eficaz. Para infelicidade dos países pobres esta vacina necessita de condições técnicas excepcionais, fora da capacidade de muitos. Convenhamos que não seria esse o objectivo, ela existe para os que a podem pagar, não é para despachar ao desbarato. Desconheço em que moldes se processará a vacinação em Portugal, presumo que seja gratuita, só que se o Estado as custeia, no fundo cada um de nós paga-a através de impostos. São 3,3 mil milhões de euros na primeira fase, 1,15 mil milhões na segunda fase, isto para a União Europeia. Os Estados Unidos pagarão 1,65 mil milhões de euros, tendo a possibilidade de adquirir mais 500 milhões de doses por 8,25 mil milhões de euros. Perderam-se nos milhões? Esperem, há mais: estou a falar de uma empresa farmacêutica coadjuvada por um laboratório, a equipa que chegou à meta em primeiro lugar, uma vez que a União Europeia tem já acordos de fornecimento com mais três farmacêuticas mal as suas vacinas se mostrem “eficazes e seguras”. Este é “o” mercado; falta contabilizar as restantes Américas e países exteriores à esfera ocidental que conseguirem deitar a unha à vacina. Para lá do anunciado potencial de salvar vidas, ela tornou-se simultaneamente num produto premium ao qual os pobres apenas sonham aceder. O resto do mundo não é desprezível, p’lo contrário, e as outras farmacêuticas não ficarão a carpir mágoas, poderão inclusivamente fazer mais dinheiro com menos alarido, o que é sempre ótimo para o negócio; porém alguma teria de assumir o estandarte da intensa chamada de atenção que se seguirá à que já suportámos durante um ano. Na crónica aqui escrita em Agosto sob o título “Big Brother” perguntava “isto tudo serve o quê, a quem?”. Agora está clara uma das múltiplas facetas da pandemia: um novo resgate financeiro mundial, desta vez para a indústria farmacêutica.
Os adeptos de teorias da conspiração devem andar eufóricos, no fim de contas o improvável cenário (para a maioria da população) de vacinações em massa cuja ideia conheço há décadas, está aí, materializou-se magicamente de um ano para o outro, talvez até os surpreendendo pela rapidez. Todavia, ao se associarem a figuras altamente questionáveis, continuam a sentir dificuldade em largar a imagem de maluquinhos. Quem me garante que este ou outros vírus futuros não são, por exemplo, libertados na natureza pelos efeitos do aquecimento global, a narrativa que diversos conspiracionistas consideram uma farsa? Certas vacinas incluem gelatina de porco, conduzindo a um intenso debate entre especialistas islâmicos e judeus ortodoxos em relação a uma substância que passou por uma transformação química, levando alguns a questionar se neste quadro ainda se considera “religiosamente impuro”?… Ó meu Deus, a confusão é tanta (será intencional?) que nem perderei tempo a dissertar sobre a real necessidade de uma mobilização à escala global, ou acerca do que se encontra dentro das vacinas e que efeitos provocará a longo prazo; afinal sou um dos milhões de pessoas sem formação científica, facilmente desmontável por expertos. Fico-me pela observação do gigantesco movimento financeiro e consequente espectáculo montado à volta das vacinações. O novo líder do mundo livre apressou-se a dar o mote e outras figuras públicas se seguirão, como seria expectável. A alemã, chefe do executivo europeu, parecia outra, diferente da que temos visto, feliz da vida, regozijando-se por os privilegiados cidadãos europeus estarem na linha da frente da bênção, e logo na época natalícia, um timing deveras memorável. As vacinas chegaram a Portugal escoltadas por forças militares, à boa maneira dos filmes-catástrofe de Hollywood, acompanhadas de intensa cobertura mediática, qual selecção nacional de futebol após vencer o Europeu. Faltou somente o público à beira das estradas agitando bandeirinhas mas compreende-se, neste contexto é tão desnecessário quão imprudente, as televisões entregam-nos o show no sofá da sala. Ao mesmo tempo que decido se fujo para o quarto e me fecho em depressão, ou vou para o castelo de S.Jorge lançar foguetes, vou verificando que continua por fazer o resgate da decência, o mais temido por sequestradores porque não se paga em dinheiro.
*Músico e embaixador do Plataforma