O ativista Siyabulela Mandela, neto do antigo Presidente sul-africano Nelson Mandela, defendeu hoje a realização de protestos em massa como forma de a população combater o poder depois de já ter esgotado “todos os meios possíveis”.
“Quando a população de um determinado país já esgotou todos os meios possíveis (…), a população é muitas vezes deixada sem outra opção que não seja participar em protestos em massa”, afirmou Siyabulela Mandela, na sua intervenção no painel “Silêncio = violência”, realizado na Web Summit, edição que este ano se realiza de forma totalmente ‘online’.
Mandela apontou exemplos de países como Zimbabué, Tanzânia, Uganda ou Líbia para indicar que os povos “têm sido oprimidos durante décadas”, mas que “há uma coisa comum a todos estes”: “Milhões de pessoas que se podem movimentar para remover os que estão em posições de poder”.
“Retirá-los do poder seja através do voto ou através de outros meios, como protestos em massa. Se olharmos para a África do Sul, removemos um sistema cruel como o ‘Apartheid’ através do protesto. Se olharmos para a generalidade e para a forma como o continente africano se removeu da opressão dos abusos coloniais, esteve repleto de protestos em massa”, acrescentou o ativista.
Para Mandela, muitas das vezes os responsáveis políticos são eleitos “porque prometeram construir pontes para” a população.
“A maioria da opressão que encontramos no continente africano é opressão permitida pelos próprios africanos, e não há ninguém nem necessidade de continuarmos à espera de um salvador face às injustiças que sofremos nos nossos próprios países”, disse o ativista sul-africano.
A advogada Modupe Odele, que presta assistência jurídica ao movimento nigeriano #EndSARS, contra a brutalidade dos agentes de uma unidade da polícia, acusados de assédio, tortura e homicídios, que levou a meses de protestos por todo o país, reconheceu que estas manifestações levam os governantes a “entenderem que a população tem o poder” para os afastar da liderança.
Odele deu o exemplo do movimento ‘Black Lives Matter’, nos Estados Unidos da América, que “não é possível dissociar do tipo de presença nos protestos norte-americanos, em particular de população marginalizada”.
“Acho que os governos agora, pelo menos na Nigéria, tiveram de agir porque entenderam que as pessoas estão agora muito mais vigilantes e os jovens vão definitivamente aparecer e falar durante as próximas eleições”, afirmou a advogada.
O músico e ativista político nigeriano Femi Kuti reforçou a necessidade de se ser “táticos na forma como se prepara o futuro”, dizendo ser fundamental evitar uma situação semelhante à primavera árabe.
“Temos de garantir que salvamos o nosso continente e o futuro das nossas crianças”, vincou, acrescentando: “Acho que precisamos de ser mais práticos e conscientes do nosso passado, nada vai acontecer durante a noite”.
Kuti, neto da sufragista e ativista dos direitos das mulheres Funmilayo Ransome-Kuti, sublinhou que, no entanto, nem tudo é culpa dos africanos, acusando os Estados europeus e americanos de nada fazerem para travar o comércio de armas para África.
“Acho que não há países africanos que produzam armas neste continente, então quem é que está a fornecer armas para África? A Europa e a América podem evitar que estas armas cheguem a África”, afirmou Kuti, destacando que “é conveniente que África entre em guerra entre si”.
“É conveniente que os africanos estejam em competição, porque então a Europa e a América podem levar os nossos recursos de graça (…), por isso cabe-nos investigar e começar a retificar estes problemas no nosso interior e não olhar para as forças externas para resolverem estes problemas por nós”, vincou.
Kuti acredita que “é indubitável que a opressão continuará a existir”, mas “assim que esta mostrar a sua cara feia, é necessário travá-la”.
“Podemos falar sobre o abuso de menores, podemos falar da escravatura. Estas coisas vão sempre existir na nossa vida, mas nós temos de nos manter firmes contra isso. É alto e inequívoco agora, era alto e inequívoco nos anos de 1970 e era alto e inequívoco nos anos de 1960, por isso temos de garantir que quando a opressão mostra a sua cara feia somos capazes de a travar de forma rápida”, defendeu.
A Web Summit, considerada uma das maiores cimeiras tecnológicas do mundo, realiza-se este ano totalmente ‘online’ com “um público estimado de 100 mil” pessoas.
Para o cofundador do evento, o irlandês Paddy Cosgrave, o próximo grande desafio será trazer “100.000 pessoas a Lisboa”, o que só acontecerá “em 2022 ou 2023”.
Relativamente à polémica do pagamento de 11 milhões de euros (oito milhões pelo Governo e três milhões de euros pela Câmara de Lisboa) por uma edição que é ‘online’, Paddy Cosgrave disse tratar-se de um assunto político, em que não se quer envolver.
O CDS-PP enviou questões sobre o tema ao Governo e o vereador do Bloco de Esquerda (BE) à Câmara de Lisboa também questionou o pagamento do contrato.
A cimeira tecnológica teve início hoje e decorre até 04 de dezembro.
Estão inscritos “mais de 2.500 jornalistas”, disse Cosgrave.
Após duas edições realizadas em Lisboa (2016 e 2017), a Web Summit e o Governo Português anunciaram, em outubro de 2018, uma parceria a 10 anos que permite manter a conferência na capital Portuguesa até 2028.