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Entrevista na íntegra de Celso Amorim ao Plataforma

Que avaliação faz da política externa do Brasil neste momento?

A política externa do Brasil hoje eu não posso dizer que é não existente porque não existente seria melhor do que o que está acontecendo. A política externa brasileira hoje é de um nível que eu nunca vi, e olha que eu entrei para o Itamaraty em 1963, para o Instituto Rio Branco, atravessei os governos militares, inclusive os primeiros governos militares, o primeiro sobretudo, que era até muito salazarista, afastou-se da política de apoio à independência das então Colónias portuguesas, passei por todos, nunca vi uma coisa igual. A política externa brasileira hoje é a negação até do decoro diplomático. Mesmo no período em que o Brasil, infelizmente, abraçou a ideia da Guerra Fria, optou mais pelo Ocidente do que pelos Estados Unidos, mas também pelos Estados Unidos, de 64 a 66, mesmo nesses anos nunca vi um chanceler brasileiro dizer que uma bactéria era uma “comunabactéria” ou uma bactéria soviética, nada disso. Nunca vi um Presidente, ou um ministro do Brasil, se referir a uma eleição num país vizinho e dizer que as forças do mal tinham ganho, nem sequer com relação a Cuba o Brasil tinha essa linguagem. Podia romper relações, mas não tinha essa linguagem. Desde o Barão do Rio Branco, e provavelmente em certos aspetos até antes, o Brasil sempre respeitou os seus vizinhos, nunca interferiu – talvez a última interferência que o Brasil tentou ter foi ali na bacia do Prata, lá por 1850/60, algumas rivalidades herdadas ainda de Portugal – e agora o Brasil quer interferir na Venezuela, e nem é por um objetivo seu, aí é que está errado, é por um objetivo norte-americano, exclusivamente do Trump. Tudo isso eu acho que coloca a política externa brasileira num nível de submissão, de falta de visão, que eu nunca percebi. Quando eu penso nas forças políticas do Brasil eu não entendo como é que isso ainda está prevalecendo. Mesmo a velha oligarquia brasileira tinha mais sentido de Nação, apesar de outros defeitos muito grandes. Os militares no Brasil, à exceção do período inicial do golpe, sem os exageros atuais, tomou atitudes de independência, o Brasil recusou-se a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear, naquela época, porque achava que ele era desequilibrado, reconheceu Angola – o Brasil foi o primeiro país a reconhecer o MPLA, antes de Portugal, que tava saindo e tinha o governo revolucionário, da revolução dos cravos, antes de Cuba e antes da União Soviética, um governo que se declarava marxista – não porque tivéssemos empatia, o governo da altura, mas por uma visão estratégica. Isto para não falar dos governos do Lula ou mesmo do Fernando Henrique. Nunca vi uma coisa igual, é indefinível. 

O senhor teve um papel importante na formação dos BRIC, que mais tarde se tornaram BRICS. Há uma reunião no dia 17 de Novembro, que papel é que o Brasil ainda tem nesta organização, o que é que pode ganhar e o que é que ainda decide no meio deste bloco? 

O governo brasileiro tem feito todo o possível para dificultar a nossa ação nos BRICS. Dificultar as nossas relações bilaterais com o maior parceiro comercial que o Brasil tem, que é a China. Em todo o sentido o Brasil tem atuado contra tudo o que significa uma política externa mais independente, uma visão de multipolaridade, tudo isso que levou à criação dos BRICS. Dito isso, o Brasil é muito país muito grande, como vocês sabem, me lembro do Mário Soares dizer que era preciso vir ao Brasil para entender Portugal, no seu papel histórico, etc, talvez fosse exagero dele, mas de qualquer maneira, o Brasil é muito grande. É muito difícil você descartar o Brasil. Como é que você vai descartar metade da América do Sul? Metade da Economia, metade do território, metade da população, mais ou menos… Como é possível? Eu acho que o Brasil vai continuar tendo alguma relação, recebendo algum investimento, mas eu acho é que aquela relação de confiança que se havia criado no governo Lula, com outros também, naturalmente, incluindo a Rússia, houve mudanças noutros países que também dificultam, na Índia, criou mudanças num sentido não muito positivo, mas mesmo assim, veja bem, quando nós começamos a fazer o que, na minha opinião é o antecessor dos BRICS, o IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), que de certa maneira foi o que depois acabou por levar à criação dos BRICS, o governo indiano nessa altura era do mesmo partido do Modi. Sempre foi possível conciliar, mas eu acho que hoje estamos num caminho muito ruim. Um certo pragmatismo dos outros vai fazer com que eles não ignorem o Brasil, mas não há uma relação de confiança.

Deixa eu te dar um exemplo de agora, deste momento: Índia e África do Sul acabam de ter uma iniciativa para que haja uma flexibilidade absoluta com relação às vacinas do tratamento do Covid, o Brasil, que sempre teve uma liderança na área de política de Saúde, o Brasil foi o primeiro a brigar pelo direito de você quebrar patentes para ter remédios genéricos, já no governo de Fernando Henrique, antes até de Lula, enfim, então, há essa iniciativa e o Brasil não se associa. E não se associa porque tem uma relação totalmente dependente, eu nem diria que é dos laboratórios, diria que é dos governos que têm relação com os laboratórios, especialmente o governo norte-americano. É tudo muito difícil, mas, volto a dizer, é grande demais para você ignorar, não dá para ignorar um país do tamanho do Brasil.   

Como é que se justifica o afastamento em relação à China, como é que chegamos a este ponto?

Quando você entender você me explica, porque é difícil entender. Isso não reflete o interesse do Brasil, de nenhum sector importante no Brasil. Não vejo nenhum sector económico importante ganhar, por exemplo o agronegócio, que foi uma das principais bases que sustentou a candidatura do Presidente Bolsonaro, ele se prejudica com isso. A mineração brasileira se prejudica, todos se prejudicam. E todos saímos prejudicados quando deixamos de ter um tratamento privilegiado da China em matéria de equipamentos de saúde, por exemplo.

Veja bem, o Brasil foi o primeiro país do Mundo a ter uma parceria estratégica com a China, o primeiro, o Brasil não estava na moda na época, mas porque desde o início a China, carente de alimentos e matérias primas e interessada em ter uma relação com um país em desenvolvimento, elegeu o Brasil, porque foi isso, na verdade, foi mais a China que elegeu o Brasil do que o contrário.

Realmente não dá para entender esta posição, a única explicação que eu encontro, mas eu não quero fazer como aquele procurador-geral que diz que não tem provas, mas tem convicções, o Dallagnol, embora em política você possa fazer isso, não pode é na Justiça, a única explicação é uma ligação pessoal, familiar, talvez de um pequeno grupo que está no poder no Brasil, com um pequeno grupo, não tão pequeno assim, pequeno mas poderoso nos Estados Unidos, que é a extrema-direita norte-americana. É a única explicação que eu encontro.

Olha, eu fui Ministro da Defesa, os militares tinham não tinham problemas com a China, eles tinham interesse em conversar. Havia uma relação próxima, com vários acordos. Então, eu não consigo perceber… Mesmo do ponto de vista estratégico, mesmo que você viesse a fazer uma opção, vamos dizer que houvesse uma leitura de algum militar que dissesse “vamos ter de fazer uma opção pelos EUA”, gente, mesmo assim eu não ia falar mal do cara que está comprando da gente, que está tornando possível até eu me relacionar com o Mundo, porque hoje em dia o superavit que o Brasil tem com a China é 70 e pouco por cento do superavit total do Brasil com o Mundo inteiro. O total que a gente exporta para a China é mais do que a gente exporta para os Estados Unidos e a União Europeia juntos. Então, não há condição de você brigar com esse país. Você pode gostar disso ou não gostar, eu mesmo acho que nós deveríamos diversificar as nossas exportações, trabalhar num outro sentido, mas dentro de um espírito de parceria, ou pelo menos num espírito de respeito. O que existe é que está-se desprezando a parceria e se afastando do respeito, que é o princípio básico das relações internacionais, quando você faz as acusações do tipo das que foram feitas. É inexplicável.     

E qual será a consequência disso? Qual o risco que o Brasil corre, para além da óbvia quebra nas exportações? Essa relação diplomática joga-se mais ao longo do tempo e há-de sobreviver a tudo isto ou pode ficar uma marca complicada de sanar? 

Não será uma marca eterna. Mas será uma nódoa que vai ser difícil de apagar, e não é só com a China, o Brasil está perdendo a credibilidade com a África, a Europa, em função de outras questões, como o clima, mas não apenas o clima, a maneira como o Presidente tratou o ministro das Relações Exteriores da França, entre outras questões. Eu acho que também há uma marca pela maneira como o Brasil tem votado as questões do Direitos Humanos, Direitos Reprodutivos da Mulher, questões que têm a ver com Racismo… O Brasil serviu, no Conselho de Direitos Humanos, juntamente com a Austrália, vou usar uma palavra pesada, de “cão de fila” dos Estados Unidos para aguar uma resolução que os africanos haviam proposto de crítica à ação policial no caso do George Floyd. Essas coisas todas vão deixar uma marca muito grande, incompatível com a História do Brasil. Na OMC (Organização Mundial do Comércio) é uma coisa vergonhosa, o Brasil se aliou aos Estados Unidos para hostilizar a China. Não é uma coisa apenas abstrata, não é só o “palavrório” aqui, que se diga “não, o pessoal lá é meio mal educado, mas isso não vai…”, não, ativamente o Brasil se uniu aos Estados Unidos para questionar a posição da China numa economia de mercado. Eu não vou entrar nem no mérito disso, mas ele é o maior parceiro comercial do Brasil, gente, a gente tem que tratar com jeito, a gente depende deles muito mais do que eles dependem de nós. Têm indo contra tudo o que o Brasil sempre fez. O Brasil abandonou a prerrogativa de tratamento diferenciado para países em desenvolvimento, se afastando até da Índia, por exemplo. A Índia tem um governo de direita, um governo que em questões estratégicas faz um certo namoro com os Estados Unidos, mas no interesse dela ela não abre mão. Então a Índia continua defendendo a prerrogativa de ser país em desenvolvimento e ter os benefícios que os países em desenvolvimento têm. O Brasil abre mão gratuitamente, em troca de nada… Em troca de uma ilusão que é entrar para a OCDE, que eu não sei se vai entrar porque as questões do clima por exemplo também contam, mas admitamos que entra, o Brasil não vai ganhar nada com isso. Não vai ganhar absolutamente nada porque nenhum país, nenhum membro dos BRICS é membro da OCDE, porque certas obrigações são muito difíceis para os países em desenvolvimento cumprirem sem abdicarem da sua industrialização, das suas próprias políticas sociais, na área da Saúde, por exemplo. Então, eu acho que o Brasil, em troca de nada, ou até de algo que crie dificuldades para o Brasil, o Brasil abdica gratuitamente, uma coisa que nenhum governo, nem Fernando Henrique Cardoso, nem Collor, nenhum governo mais liberal ousou fazer isso. É difícil… Não tem explicação.

Eu só posso pensar o seguinte: quando você está num pesadelo, é difícil você acordar, agora quando ele é muito forte o organismo acaba reagindo e você acorda. Eu fico com a esperança que o organismo brasileiro, no seu conjunto, que não é só a classe dos trabalhadores, nem só o PT, reaja a essa coisa aviltante do Brasil. Você olha para a História do Brasil, mesmo no Império, monarquia, etc, teve lá os seus defeitos, mas o Brasil nunca foi assim aviltado, o Brasil tinha até, muita gente critica, excesso de sentimento, de solidariedade. O Brasil saiu da Liga das Nações quando resolveu colocar a Alemanha e não colocar o brasil como membro permanente.

O Brasil atual escolheu um chefe, que são os Estados Unidos, e se houver uma vitória do Biden eu acho que isso vai mudar em relação ao Brasil. 

Com eleições tão próximas nos Estados Unidos, a última sondagem dá vantagem de 14 pontos percentuais a Joe Biden, com esse cenário no ar, o que é que lhe parece, que poderá acontecer? 

Vai ser difícil para o governo brasileiro. Eles fizeram coisas que nunca se fazem. Houve uma isenção tarifária em relação ao etanol norte-americano, com o objetivo explícito (!), que foi falado, não é uma coisa que estamos inventando ou deduzindo, de ajudar a candidatura Trump no estado do Iowa, que é um estado que depende muito também da exportação de etanol.

Eu acho que o Brasil vai ter uma situação difícil com o novo governo. Não tenho ilusões a longo prazo, acho que, a gente tem de ser realista, os Estados Unidos são uma grande potência, sempre verão com dificuldade uma outra grande potência no continente. Vai ser sempre difícil para o Brasil, isso varia um pouco, de acordo com a situação, curiosamente no próprio governo de George W. Bush, não sei se porque eles estavam enfiados no Iraque e no Oriente Médio até à goela, aceitaram mais… Mas de qualquer maneira sempre haverá uma certa dificuldade estrutural e compreensível, e a gente sempre terá de lutar com isso. Por isso, entre outras coisas, os BRICS são importantes, para um equilíbrio global, e a Europa também. O Brasil apostava na multipolaridade. No curto prazo acho que vai haver uma mudança importante, ainda que seja uma mudança de nuance, ainda que eu costumo dizer que uma nuance pode significar alguns milhares de vidas…

Não é uma coisa de desprezar, eu acho que o Biden vai-se aproximar um pouco, em relação à América Latina, do que foi o Carter, até porque ele não poderá ficar falando muito dos Direitos Humanos nos EUA, tem a Kamala Harris como vice, e depois ter uma política de big stick em relação à América Latina. Seria uma contradição muito grande, então ele vai ter de se valer de outros meios, talvez, mais soft power, menos brutalidade. E aí, só ele se aproximar do soft power e menos brutalidade já se afasta do atual governo brasileiro. 

Fala-se muito da questão do dinheiro para a Amazónia, por exemplo, que os EUA têm um valor gigante que poderia ser atribuído à conservação e ao combate ao desmatamento e que, com as posições assumidas, caso Biden vença, libertar esse dinheiro será muito difícil… 

Nesse ponto, eu não vou defender o que o Bolsonaro falou, não, porque é um absurdo e o que puder vir que venha, mas não acredito muito nisso não. O Obama também tinha umas boas intenções, na realidade acabou fazendo pouca coisa pela questão da mudança do clima. Você vai ver lá a conferência de Copenhaga, o Obama ficou meio encurralado porque na verdade os outros países, a Europa inclusive, o Brasil, estavam dispostos a assumir compromissos muito maiores que os Estados Unidos.

Eu acho que sim, que vai haver uma mudança, sim isso pode-se refletir em alguns recursos, mas veja bem, em rigor, o Brasil nem precisa desses recursos. O Brasil tinha um acordo, o Fundo Amazónia, com a Alemanha, a Noruega, que era uma coisa muito positiva, porque eram programas que nós definíamos, projetos que nós definíamos e que, à posteriori, poderiam ou não ser financiados. Então era uma coisa muito boa, não havia intromissão, isso foi no governo Lula e continuou no governo Dilma…

Eu não tenho uma ilusão que com o Biden fosse chover dinheiro aqui, mas enfim, algum recurso é possível que houvesse e o Brasil sempre teve maneiras de negociar para receber recursos que, digamos, compensem o esforço de preservação, porque isso é uma coisa que tem que ser feita. Não é que a gente vá alugar a floresta, mas é um esforço que estamos fazendo, é mais ou menos como se a Arábia Saudita fosse paga para não explorar o petróleo, tem de ser recompensada de alguma maneira. O Brasil tem que ser recompensado por esse esforço, apesar de eu achar que seja bom para nós também preservar a Amazónia, mas é bom para o Mundo. Então, de alguma maneira há que haver uma recompensa.

Eu prefiro tratar dessas coisas sempre multilateralmente, eu não gosto de uma coisa com Estados Unidos, China… sabe? Aí você cria uma dependência que não é boa. Mas, é verdade, a nossa política em relação à Amazónia dificulta a nossa relação com todos. Com a Europa já está dificultando. Eu acho que o acordo Mercosul com a União Europeia não pode ser levado adiante pelos europeus. Ainda que eu faça a crítica…

A Tereza Cristina está por estes dias em Portugal a reunir com o Governo português para tentar deixar outra imagem, porque Portugal vai presidir ao Conselho da União Europeia brevemente e está em perigo esta questão do acordo Mercosul-União Europeia. O que é que lhe parece esta embrulhada (acho que já podemos classificar assim, da forma que as coisas têm acontecido)?

Eu acho que vai ser muito difícil que passe. Eu acho que há um interesse grande, sobretudo da Alemanha, por causa do mercado latino-americano de manufaturas, de bens manufaturados, mas, em compensação, também há uma grande pressão na própria Alemanha– na França maior ainda -, que seria a maior interessada, há uma pressão ambiental muito forte, que eu acho que a Merkel leva em conta, – não sei quando virá o sucessor ou a sucessora dela – mas acho que, de qualquer maneira, é um ponto importante. E para não falar na França. Porque na França você junta uma questão legítima, que é a preocupação ambiental, com uma com uma evidente preocupação protecionista da agricultura francesa, que todos nós sabemos que existe. Agora, uma coisa não deslegitima a outra. As duas são válidas. E você dá um pretexto para aqueles interesses mais protecionistas para dificultarem.

Eu acho muito difícil que passe o acordo. É um acordo que, no fundo, hoje em dia, ninguém quer muito. Por razões diferentes. Os europeus por essas razões que nós vimos. O Parlamento Europeu fez uma votação negativa. Os parlamentos de vários países disseram que não aprovam. E ele tem que ter essa aprovação. No Mercosul isso foi aprovado às pressas pelo governo Macri, um governo ultra-neoliberal. O acordo sofre restrições na Argentina pela liberalização industrial. No Brasil não, a indústria praticamente calou a boca, não existe mais indústria brasileira. A indústria brasileira está totalmente dependente, não só dos investimentos, mas a maior parte dos industriais brasileiros se tornaram representantes de vendas de empresas estrangeiras. Mas, no Brasil o que acontece é um outro fator curioso e aí entra a submissão aos Estados Unidos, o Brasil exaltou com adjetivos muito fortes a assinatura desse acordo. Celebrou a assinatura desse pré-acordo e, menos de um mês depois, veio aqui o secretário de Comércio dos Estados Unidos – com esse objetivo evidentemente, não era outro – para dizer que o acordo tinha “poison pills”, pílulas envenenadas. No mesmo dia, ou no dia seguinte, já não me lembro mais, o presidente Bolsonaro diz que o acordo tinha armadilhas. Mas as armadilhas não são aquelas que poderiam prejudicar a indústria brasileira, são as armadilhas que o americano não gosta. Então, a submissão aos Estados Unidos é tão brutal, a submissão ao governo Trump é tão visceral, que eu acho que está na raiz daquele tratamento inadequado dado ao ministro do Exterior da França quando veio ao Brasil, a maneira como o Governo brasileiro, a autoridade brasileira, se referiu ao Macron, até à senhora do Macron.

Eu acho sinceramente que esse acordo – que eu acho que tem defeitos, que foi negociado às pressas, mas não são os defeitos que o Bolsonaro vê, são outros defeitos -, supondo que a gente tem governos razoavelmente progressistas, ou pelo menos normais, no Brasil – na Argentina tem – e nos países do Mercosul, que a gente possa renegociar um pouco. Não será fácil também. Talvez aumentando as obrigações em matéria de clima, de ambiente, uma coisa que interessa aos europeus, mas também melhorando um pouco as cláusulas económicas do acordo, que nos dá muito pouco e leva muito.

Olhando para as relações com Portugal, há um silêncio, quase que uma omissão, parece que em Portugal não se fala muito no governo de Jair Bolsonaro. O Brasil deixou de estar tão na agenda, quando, no entanto, não há memória de haver tantos brasileiros em Portugal. Em que ponto é que lhe parece que estão as relações entre os dois países?

Olha, eu acho que em Portugal o silêncio é sinal de respeito por um país que é profundamente ligado a Portugal. Porque eu acho que, para falar, só podia falar coisas negativas, então é melhor o silêncio. Essa é uma decisão de Portugal em relação ao Brasil. Agora, a relação é profunda. Eu negociei inúmeras vezes, em várias situações, como ministro do Itamar, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que é uma ideia, principalmente – e essas ideias nunca são unicamente de uma única pessoa – do então embaixador em Lisboa, José Aparecido de Oliveira, que conversou muito com Mário Soares. Acabou que a CPLP já foi assinada no governo Fernando Henrique, mas ela nasce no governo Itamar, baseado em algo que vinha desde o governo Sarney, que era o Instituto da Língua Portuguesa.

A relação com Portugal é muito profunda, não vai acabar. Mas vocês têm um governo progressista, ou centro-esquerda, o governo brasileiro é um governo de extrema-direita, mas extrema-direita mesmo! Não tenho dúvidas sobre isso. As coisas que acontecem no Brasil não são coisas de direita ou de centro-direita. Eu já trabalhei sob governo de centro-direita, o governo Collor. O governo Sarney era um governo de centro. Agora, eram todos governos normais. O governo Fernando Henrique era um governo que, digamos, na política externa você poderia até achar que era mais centro-esquerda, mas na política económica era mais para neoliberal. E todos esses governos se comportaram de maneira correta, de acordo com a constituição brasileira, com as tradições brasileiras. O governo Bolsonaro é uma coisa excecional.

Eu acho que Portugal faz bem de ficar caladinho, de mexer o mínimo possível. E esperar que isso passe. Eu acho que tem que passar. Tem que passar porque eu não vejo, sinceramente, se você tiver um segundo mandato do presidente Bolsonaro, eu acho que vai ser um outro Brasil. Como a Alemanha do Hitler era muito diferente da Alemanha do Bismarck, para não falar ninguém de esquerda, porque nunca chegou a ter um governo de esquerda lá. Eu tenho dificuldade, quando penso em quais são as forças sociais que apoiam isso, tenho as minhas ideias, são pequenos empresários, no início acho que tinha grandes empresários, porque eles preferiam qualquer coisa à continuação do PT e a continuação da esquerda, mas depois, pequenos empresários, uma certa dose da classe média, a massa que não consegue se associar politicamente, socialmente inclusive, e que prefere ter uma relação só com o pastor, com Deus, de uma maneira muito individual e individualista, é um número grande de pessoas.

O Brasil é um país que se parece, para o bem ou para o mal, muito com os Estados Unidos. Num nível muito abaixo, naturalmente, de desenvolvimento económico e inclusive de desenvolvimento até social, em alguns aspetos. Em questões de género, questões raciais. Os Estados Unidos, apesar de todos os problemas que têm, fizeram mais coisas positivas recentemente do que o Brasil. O Brasil fez muito nos governos Lula e Dilma, mas o nosso défice é muito grande. No Brasil, a questão racial tem um peso imenso. Sem entrar em muitas outras especulações, o Brasil tem essa característica, a nossa sociedade tem uma parcela muito grande, digamos assim, que é a classe média consumista, egoísta…média e média/baixa, até, voltada para si própria, para cada um para si, sem nenhum sentido de coletividade, de associação. O estado do bem estar, que é uma coisa na Europa, que os governos de esquerda e de direita mantiveram, é uma coisa que no Brasil encontra imensas resistências. Lembra um pouco os Estados Unidos.

Acredita que Jair Bolsonaro possa ser reeleito?

Não acho impossível. Infelizmente, não acho impossível. Lamentaria muitíssimo, mas eu acho que tem o seguinte… É preciso fazer uma análise do capitalismo, do capitalismo internacional, como ele se situa. Eu acho que vai ser mais difícil com o Biden. Porque isso vai influenciar inclusive nas atitudes de algumas multinacionais norte-americanas que atuam aqui. Mas o Brasil é muito grande, o Brasil tem enormes reservas de petróleo, enormes reservas de água potável, enormes reservas de outros minerais, de produção de alimentos, então, é um território que não pode ser perdido pelo capitalismo. É claro que o capitalismo não prefere uma coisa assim, preferiria outra coisa. O capitalismo não é uma entidade única, não quero dar a impressão de que acredito nisso. Quando alguns interesses perceberam que, ou você caminhava, ou você aceitava um Bolsonaro, embora não fosse o desejado, ou, inevitavelmente, você teria um governo de esquerda… a prova disso é a votação do Alckmin. Quem era o candidato do centro-direita no Brasil? Era o Alckmin! Teve 4% dos votos… Pode ser que um Dória tenha aumentado um pouco, não sei, é muito cedo para dizer. Mas eu acho que ainda há uma para…

Fala-se muito do nome de Sérgio Moro…

Não acredito. Apesar de todo o esforço da Globo, não acredito.

Vou te dizer, eu iria ter dificuldade se fosse uma decisão entre Moro e Bolsonaro, eu iria ter dificuldade. Eu não sei quem é pior. Difícil comparar. Eu acho que o Moro é mais danoso a longo prazo. Ele é mais científico no seu ataque a tudo o que é progressista, liberal no Brasil. A própria política.

Quem destruiu a política no Brasil não foi o Bolsonaro. Bolsonaro se beneficiou da destruição da política e até está voltando um pouco a ela, fazendo essas alianças com o Centrão, que não é grande coisa, mas enfim… O Moro é que destruiu a política no Brasil. O Moro é uma espécie de Savonarola do século XXI financiado pelo capital internacional. Não tenho a menor dúvida sobre isso. Não sou eu que digo, é o FBI que diz. Que mandou gente para cá, o Departamento de Justiça é que diz. Não sou eu que digo.

Acha que Sérgio Moro pode chegar à corrida presidencial ou não acredita mesmo?

Eu acho que se ele for vai ter uma divisão forte da direita. Eu não sei, eu errei tanto na minha vida… Eu nunca pude imaginar, gente! Quando o Trump foi eleito, eu dei uma entrevista. Me perguntaram “Ah, o que é que você acha e tal?”. Eu disse “o pior do Trump é o mau exemplo”. Mas eu nunca podia ter imaginado que ia ser tão verdadeiro, que o Trump iria ser um mau exemplo para a gente ter um sub-Trump aqui no Brasil. Nunca imaginei isso. Mas voltando então à previsão, eu acho que, se o Moro for candidato, vai haver uma divisão dos votos de direita entre ele e o Bolsonaro e isso vai melhorar as chances da esquerda e do centro-esquerda na eleição.

Olhando muito abstratamente, claro que muita coisa acontece, muitas coisas daqui até lá… Eu acho que esse esforço para barrar o Lula continua, nós estamos vendo. O próprio Supremo está mancomunado com esse esforço, não quer prender o Lula de novo, que sabe que isso cria problema. Os nossos ministros do Supremo gostam de ir a Portugal e ser bem tratados. Não vou mencionar ninguém. Gostam de ir à Alemanha e ser bem tratados. Gostam de ir à Espanha e França e ser bem tratados. Não gostam de ir lá e perguntarem “vem cá, porque é que o Lula lá continua preso? Lula é um preso político?”. Isso são manifestos assinados há um tempo atrás e agora, recentemente, foram assinados outros, diferentes, pedindo um julgamento rápido. Na época que Lula estava preso, vários manifestos foram assinados. Teve um manifesto importante, com 17 juristas, incluindo 2 norte-americanos muito famosos, de Yale, que até eram considerados gurus por um dos procuradores que acusou o Lula, o Dalagnol. Sem falar no Baltazar Garzón, juristas portugueses, juristas italianos, famosos. Então, eu acho que os nossos ministros do supremo não gostam disso. Para eles é melhor deixarem o Lula fora da cadeia para eles não serem tão acusados. Mas vão fazer o possível para que o Lula não seja candidato.

Era o que eu ia perguntar. Se acredita que Lula entra na corrida, ou se será capaz, porque não depende dele próprio, naturalmente.

Se o Lula entrar na corrida, o Lula ganha. Eu não tenho a menor dúvida. Tenho a forte impressão de que o Lula ganha. Agora eu acho que, por isso mesmo, a direita vai fazer o possível para evitar, na ilusão de que pode fazer o Moro. Ou alguém parecido com o Moro como candidato a presidente. E não fará. Ela vai ter que, no final, ter a mesma opção de escolher entre um candidato progressista, qualquer que seja, ou o Bolsonaro. Essa será a opção do centro-direita no Brasil.

E, se não for Lula da Silva, quem é que poderá ser? Olhando de fora, na última eleição, Fernando Haddad era um candidato que parecia “viável” para a esquerda. Tinha feito um trabalho reconhecido na cidade de São Paulo, no entanto isso não chegou. Haddad teria condições para se recandidatar? O PT está refém de ficar à espera de Lula? O que esta a acontecer à esquerda?

Não é ficar à espera de Lula. Você tem que reconhecer um facto real: o Lula é a maior liderança política do Brasil desde, pelo menos, Getúlio Vargas. Ele é uma liderança ampla, passou muito além da esquerda, inclusive. A política no Brasil girou durante muito tempo entre ser Lula, pró-Lula ou anti-Lula. O Bolsonaro até criou um novo polo, tem que reconhecer isso, ele representa um polo de extrema-direita, que eu estava tentando analisar aqui com você a base social. Tem dificuldade, mas existe. Essa coisa do egoísmo, da coisa muito concentrada, é uma coisa muito cultural, profunda, são valores, como tem nos Estados Unidos o choque. Claro que cada país dentro de suas condições, mas eu acho que o Haddad seria um excelente candidato. Ele teve 47 milhões de votos! Não é pouca coisa! Ele perdeu, é verdade, com muita fake news, muita mentira em torno dele, toda a direita contra ele. Depois, quando eles perceberam o monstro que haviam criado, já era tarde, ele já estava dominando todo o terreno, todos tiveram que apoiar o Bolsonaro. Você vê que, mesmo os candidatos que depois vieram a brigar com o Bolsonaro, como é o caso do Dória, ele fazia questão de dizer que ele apoiava o Bolsonaro, de aparecer com o Bolsonaro. O Rio de Janeiro, por exemplo, Eduardo Paes, que foi candidato a governador, agora candidato a prefeito, ele não tinha afinidade nenhuma com o Bolsonaro, mas ele tinha que dizer que era Bolsonaro, a opção era o Bolsonaro ou a esquerda. E a campanha contra a esquerda foi muito forte. Eu acho que o Haddad pode, sim, ser candidato, mas eu acho que pode ser outro. O tempo passa. Eu acho que, se não for o Lula, gostaria que fosse uma mulher. Ou um negro. Ou uma mulher negra. Também pode ser, a gente não sabe.

Tem algum nome na cabeça?

Não, não tenho, não. Porque eu acho que as coisas se passam muito rápido no Brasil. No Brasil e em todo o mundo. Quem é que falava na Kamala Harris? Você tinha ouvido falar na Kamala Harris antes? Eu não tinha, que acompanho política norte-americana. Depois fiquei sabendo que ela já tinha concorrido nas prévias, mas eu nunca tinha ouvido falar na Kamala Harris. Está aí! De repente surge uma Kamala Harris aqui, a gente não sabe.

Manuela D’ Ávila, do PCdoB, foi a candidata a vice de Fernando Haddad. Seria um nome?

Eu não quero ficar falando de ninguém agora porque parece que eu estou lançando uma pessoa. Na realidade eu acho que a gente tem que esperar. Vamos ver. O meu ideal é que o Lula seja candidato. Depois tem que haver uma discussão dentro dos partidos. Mas, se a Manuela D’Ávila ganhar em Porto Alegre, eu acho que ela é uma candidata possível, sim. Eu acho que ela é uma pessoa de liderança, de ideias muito firmes, ela tem muito boa relação com o PT, sempre teve, apoiou o Lula de uma forma muito definida, não só quando foi candidata a vice. Tanto que ela convidou pessoas como eu, o Suplicy, quando ela lançou a sua candidatura à presidência. Porque era uma coisa ampla, todos estavam defendendo a volta do Lula, a soltura do Lula, a libertação do Lula. Então eu acho que ela pode ser sim. Mas não quero me fixar num nome agora.

Na altura de Fernando Haddad, chegou a falar-se do seu nome para possível vice… Seria um bom nome para uma candidatura de Manuela D’Ávila? Ou Celso Amorim está afastado dessa corrida eleitoral?

Eu estou muito velho já! Na próxima eleição eu já terei 80. Precisa de gente jovem. Vou te falar francamente. Falou-se muito no meu nome para vice do Lula. Do Lula, mas não para tomar o lugar do Lula. Cada um tem que ter noção de até onde pode chegar. A verdade é a seguinte, eu sou um cara de classe média, embora de origem relativamente pobre do ponto de vista económico, mas estudei em bons colégios, fui chanceler – que é uma coisa que no Brasil todo o mundo enche a boca “Chanceler”, “Embaixador”, nós somos uma sociedade como os portugueses, não sei se ainda, mas cheios de títulos, cheios das “excelências” e tal… Então, se o meu nome, por alguma razão a política externa teve projeção, se isso fosse considerado, teria, com toda a humildade, que eu não quero ter nenhuma pretensão, mas sim, poderia ser. Mas eu acho que isso é uma época que já passou e eu não vejo essa possibilidade, não vejo isso como uma coisa viável nem é meu desejo.

Para falar a verdade, eu acho que estas lives, como estamos a fazer, são muito interessantes e estimulam, mas eu gostaria de ter tempo para escrever, estou escrevendo o meu outro livro, quero terminar o meu livro sobre a América Latina, sobretudo sobre as relações do Lula com a América Latina, e aí tem a história dos BRICS, que nunca foi contada por escrito, o único lugar onde ela parece um pouquinho, além de entrevistas, é num jornal chinês, de como os BRICS nasceram, qual a relação com o IBAS… Mas isso é objeto para outra entrevista, não sei. 

Tem falado com Lula da Silva, como é que o tem encontrado? 

Sim. Está bem, muito bem-disposto.

O Lula teve um momento marcante que foi o discurso do 07 de Setembro [dia da Independência do Brasil], eu achei que foi um discurso muito vigoroso, muito amplo. No começo, naturalmente, ele tinha que continuar a lutar pela sua inocência, mas ele estava muito aferrado a esse aspeto, e é natural que esteja, a pessoa passou 18/19 meses na prisão, isso é uma coisa muito importante. Mas eu acho que nesse discurso ele se liberta, fala para o Brasil, não é nem apenas para o PT, é para o Brasil, sobre todos os temas relevantes, com muita ênfase sobre soberania, que eu acho uma coisa muito importante à luz do que nós conversamos antes sobre política externa, à luz das privatizações, de tudo o que está acontecendo. Sobre as privatizações, as pessoas falam em privatização aqui no Brasil, não sei como é em Portugal, mas privatização não é privatização é desnacionalização.  Não tem nenhum interesse privado brasileiro capaz e comprar a Petrobras, a Eletrobras, é desnacionalização, uma coisa com a China, outra com os Estados Unidos, não é nem que seja tudo só para os Estados Unidos, o Bolsonaro quer fazer muito negócio com os Estados Unidos, mineração, toda essa coisa da Amazónia tem a ver com interesses, mineração… OS Estados Unidos têm interesse secular na mineração da Amazónia. Eu quando era jovem secretário ajudei a fazer uma vez um discurso para o Magalhães Pinto, governo militar no Brasil, não sei se você ouviu falar ou lembra de uma coisa chamada Hudson Institute, do Herman Kahn, era uma espécie de futurologia que se fazia,  aliás a palavra nasceu um pouco nessa época, e nela saiu uma reportagem que era para alagar a Amazónia para facilitar a busca de minérios. Desde aquela época tem muito interesse dos norte-americanos nos minérios da Amazónia. As pessoas que falam mais são os ecologistas, aí a gente em vez de ter a briga com quem a gente deve ter tem a briga errada, porque a gente pensa que os ecologistas é que querem a Amazónia para eles, e não é. Os que querem são os querem mineração, os que querem entrar em terra indígena, aí a gente em vez de ter a briga com quem a gente deve ter tem a briga errada, porque a gente pensa que os ecologistas é que querem a Amazónia para eles, e não é. Os que querem são os querem mineração, os que querem entrar em terra indígena, enfim, interesses desse tipo. 

Foi ministro da Defesa de Dilma Roussef, olhando para o orçamento para o próximo ano deste governo há um ministério que cresce, julgo ser o único, o da Defesa. Consegue encontrar explicação para isso, ao mesmo tempo que há cortes na Educação, na Ciência, Meio Ambiente? 

Acontece o seguinte: o Bolsonaro cooptou os militares. Embora militar ele é um militar fracassado, né? Como militar saiu capitão por favor, era tenente, conseguiu lá a promoção para capitão e saiu porque ele estava inclusive sendo julgado pelo Superior Tribunal Militar em função de atitudes que ele tinha tomado, e isso no governo Sarney, em que a presença militar era forte, em que o ministro do Exército, na altura era Leónidas, era um homem totalmente identificado com o passado, então ele não foi punido por nenhum governo de Esquerda… Mas ele conseguiu angariar apoio militar um pouco pela ilusão de que as pessoas possam participar um pouco no Poder, por ideologia contra a Esquerda também, mas esse apoio era insuficiente, então ele começou a fazer uma cooptação geral nos militares. Ele coopta os militares dando-lhes cargos civis, numa proporção como nunca houve, e aumentando orçamento. Um orçamento que irá, eu confesso que não estou a analisar isso porque não tenho nem paciência de ficar olhando assim, mas tenho quase certeza que isso, a maioria, não vai para investimento, grande parte vai para soldos, para pensões, para a parte de benefícios pessoais. Com isso ele coopta as Forças Armadas, para que elas o aceitem. Porque o que ele está fazendo em outras áreas poderia gerar uma indisposição militar muito grande. Veja bem, eu não sou a de gole militar em qualquer circunstância, não gosto do Bolsonaro, mas não sou a favor, agora, eu acho que ele coopta os militares para ficarem com ele, até porque pode abrir uma dificuldade em algum momento, algum julgamento no Supremo, pode ocorrer e ele quer ter os militares ao lado dele. É por isso. 

Eu, como ministro da Defesa, defendi também o aumento do orçamento da Defesa, porque o Brasil é um país que está na lista dos 10 mais em três coisas, e só há cinco países nessa lista: maior território, mais população e maior PIB. Obviamente que o Brasil tem que ter uma Defesa, não para reprimir aqui os Sem Terra, nem atacar os indígenas, nem quem defende os Direitos Humanos, nem para brigar com a Argentina ou com a Venezuela. Não para isso. Mas tem sim que defender os seus recursos naturais, por isso é que nós apoiámos o submarino de propulsão nuclear, uma aviação de caça moderna, que compramos na Suécia, que não é membro da OTAN (NATO), por sinal, enfim, por isso Brasil estava desenvolvendo um sistema de proteção de fronteiras eletrónico e informatizado, porque nem dando a mão um para o outro você consegue proteger a fronteira toda do Brasil, é muito grande, são quase 17 mil quilómetros, e o litoral são 8 mil… Então o Brasil é muito grande. Eu acho que a gente tem que ter uma Defesa à altura do país. Os países dos BRICS, a média de gasto com Defesa acho que é 2,5/2,8 (% do PIB), mesmo levando em conta que a África do Sul gasta pouco que é 1,5, acho eu, então o Brasil ter a meta de chegar a 2 não é errado, mas não numa situação como você está hoje, como você está hoje não gente, vamos dar prioridade à Educação, porque sem Educação você não tem nada, vamos dar prioridade à Saúde, as pessoas estão morrendo. Tudo tem que levar me conta a situação em que o país está. E também tem que levar em conta que os recursos têm que ser para investimento e não para pensão, para aposentadoria, que inclusive vem em cima de outros benefícios. Você tem um ministro da Saúde, hoje, que diz que nunca tinha ouvido falar do SUS, ele disse. Um general que disse isso… Gente, é uma coisa assim inacreditável. É a mesma coisa que você ter um médico para ser ministro da Defesa e ele dizer que nunca ouviu falar de defesa aérea… Bom, então não se candidata, né?… Vai cuidar da sua “paróquia”. 

Assisti no outro dia a um documentário chamado “O Fórum”, sobre Davos. Não sei se já teve oportunidade de ver, mas a imagem que passa de Jair Bolsonaro e do Brasil é assustadoramente pobre. É um homem isolado, sozinho, com quem ninguém quer ir falar. Al Gore vai falar com ele e a conversa é extremamente constrangedora…

Não vi o documentário todo, mas vi esse trecho do documentário.

Como é que se explica que o Brasil passe de o país conhecido como a melhor diplomacia do mundo, provavelmente, a diplomacia brasileira era elogiada e o senhor sabe disso muito bem, foi ministro das Relações Exteriores nesse período…

… o elogio que você mencionou do David Rothkopf [era comentador da revista Foreign Policy e em 2009 escreveu que Celso Amorim era o melhor ministro dos Negócios Estrangeiros do Mundo] não foi a mim, foi, no fundo, à diplomacia brasileira. O que é que eu poderia fazer se não fosse uma diplomacia extremamente competente e um presidente de grande projeção mundial? Você lembra do Lula.

O que me vem à cabeça é a imagem do Obama a dizer “This is the guy”…

This is the guy!

E depois Bolsonaro sozinho numa sala.

O Brasil está sofrendo de oligofrenia. Em determinado momento, você usou a palavra ‘imagem’, falando da Tereza Cristina, da ministra que está em Portugal. Eu não gosto da palavra imagem. Claro que existe imagem. É natural, todo o mundo cuida da imagem. Mas, a ideia de que você pode mudar a imagem sem mudar a realidade é uma ideia que tinha na ditadura militar e que esse governo tem. E acha que você mudar a imagem é você fazer propaganda. Não é isso, gente! Você pode mandar dez Tereza Cristina a Portugal, a Paris, ou a Bruxelas, não vou dizer que é inútil, mas não vai resolver. Enquanto você continuar queimando Amazónia, enquanto você continuar discriminando… Eu acho até que a imprensa internacional noticia pouco!

Você tem, por exemplo, o diretor da Fundação Palmares, que é dos negros, que nega a existência do maior herói negro do Brasil! Não tem limites! Eu não vou contar aqui outra história que eu conto sempre, que é muito longa, mas o que eu acho é o seguinte: acaba com a tortura, que a imagem vai melhorar. Acaba com as queimadas, acaba com a perseguição aos negros, melhora a condição de vida, melhora um pouco a situação de saúde pública, que a imagem vai melhorar. Não adianta mandar a Tereza Cristina para lá falar e a realidade é outra! Eu me lembro – e vou contar essa historinha porque é curta -quando eu trabalhava na embaixada em Londres, eu quase que me escondia porque eu estava estudando na London School of Economics, eu fazia o meu trabalho, felizmente eu cuidava só de política interna inglesa, política internacional inglesa, então eu escrevia, não me metia nas coisas diretamente das relações com o Brasil, imagem, essa coisa toda. Aí, a embaixada do Brasil contrata um cara – até ficou muito famoso, agora me escapa o nome, um cara que teve até uma newsletter sobre América Latina…ele era muito conhecido. Convidam o cara para vir ao Brasil, ele vem, fala no milagre económico, volta para lá, publica umas matérias no Financial Times sobre o crescimento económico – fez jus ao convite que tinha recebido – mas ele também não podia ficar mal, independentemente do que ele pensava. Então, ele publicou no Observer, que era o jornal dos domingos, era o equivalente ao Guardian dos domingos, uma matéria que talvez tenha sido a mais forte pancada que eu vi na imagem do Brasil. “Torturadores brasileiros eletrocutam bebé”. A pior coisa. “Brazilian torturers electrocute baby”. Gente! Como é que você vai tampar isso, como é que você vai enganar isso? O que está acontecendo no Brasil, felizmente não chegamos de volta a esse ponto, mas índios estão morrendo, florestas estão sendo queimadas, pobres estão morrendo, pessoas sendo discriminadas, a cultura sendo atacada… Prémio Camões dado ao Chico Buarque! É o maior prémio da língua portuguesa! Não recebe um telegraminha nem informal!

Chico disse que preferia não receber…

É, ele disse isso depois. E se ele tivesse recebido talvez ele pudesse até ter devolvido. Porque ele é um cidadão particular. Poderia ter feito isso. Mas o Presidente da República não pode fazer isso. Ou o ministro da Cultura dele não poderia deixar de fazer isso em nome, se quisesse fazer de outra maneira. Então, é uma vergonha, qualquer terreno que a gente fale você vai ver coisas desse tipo.

Eu acho que isso não é o Brasil. Eu tenho esperança de que isso não seja o Brasil. Eu acho que vai haver um embate, como está havendo nos Estados Unidos. Abstraindo a política internacional, que é obviamente importante, mas é executada por interesses de várias naturezas, você tem nos Estados Unidos hoje – essa eleição é muito importante, Noam Chomsky tem falado que é a eleição mais importante nos Estados Unidos da História, talvez. Não sei, talvez a do Lincoln, enfim… – um choque entre uma atitude solidária, autêntica ou hipócrita, não sei, e a atitude do autoisolamento. É como você acabou de descrever. É a oligofrenia. O Brasil caminha para uma coisa oligofrénica! Não interessa o que o mundo pensa. Mas depois interessa. Na hora que não consegue vender, interessa. Mas age como se não interessasse. Como se estivesse isolado do mundo, como se não fizesse parte da civilização, não tivesse de seguir os princípios civilizatórios em matéria de clima, de meio ambiente, de direitos humanos, de comércio internacional, de decoro diplomático, de boas práticas diplomáticas. Você não precisa concordar! As pessoas falam do governo Lula… Eu quero deixar aqui uma coisa, porque nós não falamos disso. Não falamos de Unasul, não falamos da integração sul-americana… Gente! Nós nos relacionamos com governo de direita! Para falar aqui da nossa região, o Uribe, por muitos é até considerado extrema-direita. Eu não acho que fosse extrema, mas enfim… Era direita direita! Não era nem centro-direita. E nós tínhamos relação com o Uribe. Porque era um vizinho. Ele tinha sido eleito, nós tínhamos que lidar com ele. Olha o nível do comércio do Brasil com a Colômbia nesse período, você vai ver que cresceu muito. Idem com o Peru, que era um centro-direita. Teve Alan García… De qualquer maneira, foram governos de direita, não houve nenhum governo de esquerda, e nós nos demos muito bem com eles, negociamos acordos, o acordo Mercosul-Comunidade Andina, negociamos a criação da Unasul com eles! Um conselho de defesa sul-americano, coisa que nunca ninguém poderia imaginar que se fizesse com esses países. Com a Venezuela do lado, obviamente, com a Bolívia, mas também com a Colômbia, também com o Peru, também com o Chile – que foi oscilando, para um lado e para o outro. Então é isso, é entender o que é o mundo e entender o que é a relação internacional.

Na época do Lula eu costumava dizer uma frase: “Todo o mundo quer sair na foto com o Lula”. Mas é difícil, porque a demanda de Lula é maior do que a oferta de Lula. O Lula vai a Evian, todo o mundo queria estar com o Lula! O próprio Chirac! O Chirac, que era o anfitrião, dedicou um tempo grande ao Lula para lançar o programa de combate à fome e à pobreza. Aliás, agora ganhou um prémio Nobel, embora outro organismo, mas de qualquer maneira muito importante… O PMA, o Programa Mundial de Alimentos, foi criado até para colocar os excedentes agrícolas norte-americanos, eu conheço a história, não sou criança, sou velho, 80 anos, vi muita coisa, ouvi muita coisa, li muita coisa. Mas, bem ou mal, é uma homenagem ao combate à fome. E quem colocou o combate à fome na agenda mundial foi Lula! Então, esse era o Brasil. Hoje, o que a gente está colocando na agenda mundial é queimadas. E não o combate a elas.

Falou de imagem, falou de tortura, e isso leva-me bem lá ao início da sua carreira, quando dirigiu a Embrafilme. Algo que confesso que desconhecia, desconhecia em absoluto essa sua ligação tão forte ao cinema. Agora acho que alguns dos seus filhos trabalham…

Três filhos. Os três filhos homens são diretores de cinema. Um acabou de ganhar um prémio de melhor filme – escola popular.

Curiosamente, dirigiu a Embrafilme durante a ditadura, sai por causa de umas imagens que eram de tortura. Lembre-nos como foram esses tempos. E queria desafia-lo a escolher qual seria o filme do Brasil, se o Brasil fosse um filme.

Primeiro, deixa dizer que o início da minha vida profissional foi no cinema, antes de eu ser diplomata. Eu fui assistente de direção de um meio compatriota seu, que era um moçambicano, mas na época que ele nasceu pertencia a Portugal, que era o Ruy Guerra. Eu fui assistente do Ruy Guerra e do Leon Hirszman, no filme “Os cafajestes”, num filme da União Nacional de Estudantes “5x favela”. Esse é o meu começo. Depois eu virei diplomata e, quando eu estava mais ou menos no meio da carreira, no meio não, que a carreira acabou demorando muito, mas o que seria mais ou menos o meio carreira, eu fui escolhido para presidente da Embrafilme num momento em que o Brasil estava passando por uma certa abertura. Eu aceitei por causa disso e trabalhamos com abertura. Ontem mesmo eu estava comentando isso com outra pessoa. Quando eu saí da Embrafilme, por causa desse filme “Pra frente, Brasil”, não é só umas imagens, é um filme que trata do tema da tortura, ele só não diz claramente que eram os militares que torturavam. Mas na época, quando eu saí, eu comentei com um coronel lá: “não, não, que todo o mundo sabe que aquilo é a operação Bandeirantes”. Ah bom, se você está dizendo… A operação Bandeirantes eram os militares com os empresários prendendo e matando. Então, foi para mim um momento extraordinário, porque a cultura brasileira estava numa fase de expansão muito grande. Vou lhe dizer francamente, eu vou dizer uma coisa que eu falo com cuidado, não quero parecer que eu estou elogiando o governo militar, de jeito nenhum, porque eu sei que havia tortura, houve um atentando no Riocentro no período em que eu estava na Embrafilme. Houve muitas coisas negativas. Indiscutivelmente. Mas o clima na cultura era melhor do que hoje. Hoje a cultura voltou a ser uma cultura que vem do subterrâneo para tentar aparecer. Uma vez, quando eu fiz um festival em Moçambique, os líderes de Moçambique eram meio desconfiados com o Brasil, porque o Brasil demorou muito a apoiar os movimentos de libertação. Com Angola a gente limpou a barra, vamos dizer, porque teve um reconhecimento rápido e pronto. Moçambique foi uma coisa mais normal, burocrática e não teve essa mudança. Quando fizemos o festival, as pessoas não acreditavam que aqueles filmes eram produzidos no Brasil. Porque eram filmes muito críticos da realidade social brasileira. Não eram, talvez, diretamente políticos, mas eram muito críticos. Um dos filmes que foram feitos na minha gestão na Embrafilme chama-se “Eles não usam black tie”, que ganhou o Leão de Ouro em Veneza, ele termina com uma conclamação à greve geral. Isso mais ou menos na época em que o Lula estava sendo preso em São Bernardo! O que mostra que havia contradições na realidade brasileira. Mas o filme sobre tortura tocou num nervo exposto e, por isso, a minha cabeça foi pedida e eu saí da Embrafilme. Agora, 9 meses depois o filme foi liberado. Sem cortes.

A questão, na altura, é que o senhor tinha liberado o financiamento.

Sim. Eu era o presidente da Embrafilme. Não havia nenhum filme importante no Brasil feito… A Embrafilme era tão conhecida, era conhecida dos cineastas brasileiros como “Embras”, parece fêmea em espanhol, e em Portugal, eu visitei Portugal várias vezes, estive lá com o Instituto Português do Cinema, falavam da Embrafilme com uma intimidade como se fosse portuguesa. “A Embra, a Embra”.

E, por último, esse desafio, sabendo que é muito difícil, mas, que título de filme é que poderia resumir bem o Brasil de hoje?

(longa pausa) Deixa te falar… Bacurau. É um filme atual, que eu acho que representa o Brasil de hoje e, dramaticamente, pode ser o Brasil de amanhã. Os grandes problemas brasileiros da desigualdade, da questão racial, do domínio imperial, não só económico, mas cultural, sobre o Brasil… É uma alegoria, evidentemente, é um filme alegórico. Como um filme muito importante dos anos 60, que é “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Eu vejo esses dois, mas tem muitos outros filmes muito bons, não me fala para fazer injustiça porque até os filmes dos meus filhos eu não posso falar de um sem falar de outro, então não vou falar de nenhum, mas enfim… Vários deles foram premiados em festivais internacionais, tem um que foi premiado no Brasil, tem um outro que é muito engajado à luta ecológica… então não posso falar de nenhum. Mas enfim… Você pega no início do Cinema Novo, um dos filmes iniciais, que se chama “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, é um Brasil, aquela luta do sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão, porque isso aqui tem que ser assim. No Brasil, o mar tem que virar sertão! Os negros têm que ocupar o seu lugar no poder! Os negros são mais de 50% da população brasileira, os negros, as negras. Então, você olha em volta…Eu vou lhe contar uma história rápida, eu só sei contar histórias, não sei teoria, não sei ler estatística, não sei nada. Uma vez eu estava numa fundação numa reunião e eu era ministro da Defesa. Aí, me pediram para eu falar e eu falei. Aí, alguém fez uma pergunta sobre a questão racial na Defesa, no exército. Que eu acho que existe. De maneira talvez menos grave que em outras instituições burocráticas. No Itamaraty, o primeiro embaixador negro, verdadeiramente assumido como negro, foi promovido na última promoção do governo Lula. E eu não poderia ter feito antes sem quebrar todas as regras. Porque se o sujeito não é conselheiro, não é ministro de segunda classe, não é ministro de primeira classe, não pode ser embaixador. Claro que eu tive uma pessoa muito competente que pude nomear. Depois foram vários outros. O primeiro embaixador de carreira. Tinha tido, na época do Jânio Quadros, um jornalista. Então, o racismo existe. E eu falei, comecei a explicar como eram as Forças Armadas, falei “bom, mas isso é um problema mais profundo, é um problema da sociedade brasileira.” Aí, eu olhei em volta… Eram 30 pessoas, todas progressista, para não dizer que não havia nenhum negro, havia um. Um. Então, esse é um problema muito grave do Brasil. Eu fico muito feliz quando eu vejo – Eu não quero fazer propaganda, não sei se é permitido, mas como isto vai passar em Portugal, não tem problema -, eu fico muito feliz quando vejo a Benedita candidata, eu fico feliz de ver negros em ascensão, negras em ascensão também, na política brasileira, inclusive dentro do próprio PT acho que isso está mudando e acho que deve mudar mais. E nos partidos de esquerda. Então, eu acho que a sociedade brasileira está muito longe. Eu fiz parte de um projeto chamado Brasil Nação, eu até participei muito, a mente principal era do professor Bresser, Bresser Pereira, um homem de muito valor, foi economista, sociólogo, historiador, uma pessoa de grande valor, e eu falava “mas a gente tem que ter mais negros.” Não é para ser bonzinho, é porque, se a gente está falando da nação brasileira, enquanto não tiver os negros razoavelmente representados, empoderados no Brasil… e as mulheres, eu estou falando dos negros, poderia estar falando das mulheres. Enquanto isso não ocorrer, nós não podemos falar verdadeiramente da nação brasileira. E os indígenas respeitados. Não é a mesma proporção de pessoas, mas também tem que ter. O Brasil tem muito a vencer. Isso estava ocorrendo. Isso estava ocorrendo até, arrisco dizer, em governos anteriores, depois da democratização, principalmente, o governo Fernando Henrique, no governo Lula muito mais! E Dilma também, por causa das cotas nas universidades, etc. Mas é uma coisa que estava acontecendo, estava se tornando presente. E, de repente, isso é cortado. Então, com essa visão assim, em que todos somos cristãos, conservadores… Gente! Eu sou cristão de origem! Pelo menos, fui batizado, me dou muito com a CNBB, gente de toda a parte, tenho grandes amigos, os meus filhos todos foram batizados, em ocasiões diversas da vida, mas todos foram. Tenho admiração imensa pelo Papa Francisco… Mas eu não posso dizer que o Brasil é só cristão! O Brasil também tem religiões de matriz africana, tem judeus de primeira categoria, hoje em dia tem muito muçulmano também, e tudo isso é parte da cultura brasileira. Uma das primeiras peças de teatro escrita aqui, aliás, um filme, que era baseado na história de um escritor judeu que estava no Brasil na época, a época colonial. Então, o Brasil tem muita coisa, de muitas origens, essa pluralidade, que os portugueses são, em grande parte, responsáveis por fazer, é que é a nossa riqueza. Tem que encontrar o equilíbrio dentro da pluralidade. Não é negando a pluralidade como está sendo feito. Acho isso muito grave, muito grave quando você vai para a ONU e fala em cristofobia e que o Brasil é um país conservador e cristão. Não sei. Eu sou cristão. E tenho a certeza que a maioria dos brasileiros cristãos não é cristão dessa maneira. É cristão plural, aceitando os outros, é ecuménico. E não é conservador. Como é que se pode dizer que um país, com a desigualdade do Brasil, é conservador? Gente! Como é que pode?

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