
Já tenho saudades de Hong Kong. Há coisas que vão, quer se queira quer não. Viver em Macau tem essa tripla sedução: calor da aldeia, contas do outro mundo… e a escala planetária de Hong Kong: negócios, modernidade, liberdade… Contudo, uma estranha energia junta interesses contraditórios na debacle de uma região… de facto especial, que serve todas as partes que cegamente a destroem. Esquizofrénico.
Trump demoniza o inimigo chinês em busca do voto rural e nacionalista; Xi Jinping usa a revolta pró-democrata para gerir a linha dura comunista; Hong Kong suicida-se, como se o anúncio do fim da História exigisse a capitulação prematura. Chamam pelo demónio, exigindo-lhe que se comporte como tal, fazendo a prova de que ele aí vem. Não se percebe o interesse.
Logo agora, em plena guerra comercial – aliás tecnológica – o imperativo democrático rebenta. Numa mão, bandeiras do antigo colono; na outra, bilhete para pedir socorro a Washington. É agora Trump o ícone que ilumina a democracia? É de facto curioso…
Xi Jinping, que tanto pugna pela Grande Baía, sabe que a porta se fecha a ocidente, se perde o pé em Hong Kong. Contudo, está bem mais tremido o chão em Pequim e é cada vez mais frágil a unidade. Não está fácil ser imperador.
Finalmente, estranha moral, essa, a do suicídio. Ainda há muito a ganhar e a perder numa região autónoma, rica, produtora de massa crítica, sonhos e valores. Deitando tudo a perder, prova-se que o “bem” não pode viver. O que une tantos interesses na morte anunciada de Hong Kong? Certamente, nada que mereça apoio e compreensão.
Há diferenças cruciais entre estes players: Trump não quer saber. Usa os seus, os outros, tudo e todos na fuga para a sobrevivência. Xi Jinping tem várias crises internas e externas a gerir; usará Hong Kong como lhe der jeito, pressionado pela linha dura.
Hong Kong segue o destino dos samurais sem amo. Perde com isso a noção de que ser dono de si próprio não é um direito inalienável; antes uma luta permanente a negociar a sua circunstância.