Covid-19 moldará a nova estrutura económica que vai surgir após a pandemia global. Entre riscos e incertezas, a Grande Baía tem vantagens comparativas que vão ser determinantes, defende Heiwai Tang da Universidade de Hong Kong.
O mundo não está de feição para os especialistas em previsões. As projeções do início de 2020 ou mesmo por altura da alvorada do Ano Novo Lunar do Rato valem hoje pouco mais do que zero. Em todo o caso, não restam dúvidas de que a pandemia global da Covid-19 vai trazer um impacto profundo e inédito às economias nacionais e mundial, não apenas no curto-prazo, mas muito provavelmente no médio e longo-prazos, antecipam analistas. Será cedo ainda para ter uma perspetiva nítida sobre as consequências, mas a centralidade dos cuidados de saúde e a saúde como um bem público global, o ensino à distância, o teletrabalho e uma nova abordagem ao turismo são contornos que emergem no horizonte. Ou seja, vai mudar a forma como trabalhamos e viajamos. E tal como acontece normalmente em situações de crise profunda e global, o papel dos estados e dos governos é essencial. “Os governos em todo o mundo estão a utilizar medidas fiscais e monetárias para dar respostas imediatas ao impacto muito negativo do Covid-19”, assinala Heiwai Tang, professor de economia na Universidade de Hong Kong, em declarações ao PLATAFORMA.
Numa altura em que estão em vigor estados de emergência um pouco por todo o mundo, a China está a reativar o aparelho produtivo em passo acelerado. Tang antecipa que a crise vai acelerar o processo de ascensão de valor da China na cadeia de valor global das mais diversas indústrias. Na economia pós-Covid 19, dois sectores emergem, na perspetiva do economista. “Indústria farmacêutica e inteligência artificial serão áreas estratégicas”. E neste campo, “a Área da Grande Baía vai alavancar a economia regional e nacional, tendo vantagens comparativas nestes setores, pelo que vai ter um desempenho económico superior ao resto da economia nacional”.
Todavia, no curto-prazo a tónica é ainda de prudência e de evitar riscos desnecessários. O adiamento da Feira de Cantão, que decorre anualmente entre meados de abril e início de maio indica que a incerteza continuará a ser a palavra de ordem nas próximas semanas, não obstante a melhoria significativa da epidemia na China continental como um todo, assim como na província vizinha de Guangdong.
Certo é que a reativação das cadeias globais de produção manufatureira continua a enfrentar obstáculos, agora, contrariamente ao que sucedia em fevereiro, mais fora que dentro da China devido à quase paralisação da atividade económica e industrial que se vive um pouco por todo o mundo.
No mês passado, numa altura em que as cadeias de produção estavam quebradas, assistiu-se a uma capacidade de adaptação de grandes empresas. Por exemplo, o gigante da indústria automóvel Shanghai-GM-Wuling colocou as unidades manufatureiras a produzir mascaras, num mês em que o mercado de consumo automóvel caiu 90 por cento.
Olhando para o futuro, o economista e investigador Jun Ni da Universidade de Michigan, Estados Unidos, defende uma maior cooperação e transparência nas ligações entre as empresas produtoras de diferentes componentes em vários países nas cadeias de produção. Num artigo publicado no website do World Economic Forum também apela aos governos dos Estados Unidos e da China para eliminarem as tarifas artificiais impostas para que haja um maior fluxo de bens, mercadorias e componentes industriais, de forma a mitigar a rutura no setor manufatureiro internacional.
Para Ricardo Siu, professor na Faculdade de Gestão de Empresas da Universidade de Macau, os governos, um pouco por todo o mundo, estarão a fazer uma “reavaliação estratégica da lógica do mercado livre, face a riscos e ameaças globais como os decorrentes desta pandemia”.
“Isso deverá fazer com que assistamos a um processo de reversão da globalização”, prevê em declarações ao PLATAFORMA, ao mesmo tempo que antecipa que “a cooperação económica ao nível regional terá um terreno mais realista para progredir”.
As incertezas no curto-prazo
Para Heiwai Tang, a economia da China enfrenta três grandes incertezas nesta fase. Desde logo, a perspetiva de colapso na procura mundial por produtos fabricados na China, algo que será claro nas estatísticas dos dois primeiros trimestres do ano. Por outro lado, Tang, doutorado em encomia pelo Massachusetts Institute of Technology, chama a atenção para a reorganização das cadeias de produção industrial globais, um processo que se tem vindo a verificar gradualmente já desde 2018, quando foi iniciada a chamada guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Finalmente, do ponto de vista geopolítico, o académico antecipa uma continuação das tensões sino-americanas, independentemente de quem ganhar as eleições presidenciais nos Estados Unidos, previstas para novembro deste ano.
José Carlos Matias 27.03.2020