Início Entrevista “Há que pôr fim à política de “favor e esmola” em relação às pequenas e médias empresas”

“Há que pôr fim à política de “favor e esmola” em relação às pequenas e médias empresas”

Alexandre Correia da Silva viveu 20 anos sob administração portuguesa e outros 20 sob bandeira chinesa. Natural de Luanda, o advogado e consultor da operadora de jogo Wynn Macau está preocupado com o impacto da crise do coronavírus na cidade, desde logo porque Macau é muito dependente do jogo e turismo que vem do outro lado das Portas do Cerco. Faz um apelo ao Governo para lançar medidas extraordinárias para reanimar uma economia que se encontra parada, que passem por incentivos às pequenas e médias empresas que não sejam “esmolas”. Para o futuro da indústria chave da cidade, defende que a melhor opção poderá ser em 2022 um prolongamento por cinco anos das concessões de casinos.

– Que impacto podemos esperar da crise do surto do novo coronavírus na economia de Macau?

Alexandre Correia da Silva – O impacto já se sente. A vida social e económica de Macau está parada há semanas; as receitas do turismo e do jogo que estavam em queda, estarão agora próximo do nada ou do quase nada. E uma vez que a nossa economia depende , quase na totalidade, dessas duas atividades e não se antevê um fim próximo para a situação, haverá que tomar medidas extraordinárias para que logo que possível se dê a retoma. Esta crise vem confirmar o que sempre se disse sobre a vulnerabilidade da economia de Macau, face à sua dependência quase exclusiva do jogo e do turismo, e da necessidade de se criar uma nova política que, tendo aquelas atividades como motoras, obrigue os seus operadores a procurar em Macau, nas empresas de Macau, os bens e serviços que necessitam.

– As pequenas e médias empresas são particularmente afetadas. O que pode ser feito?

A. C. S. – Há que pôr fim à política de “favor e esmola” que tem sido seguida em relação às pequenas e médias empresas. O Governo, e não os casinos, tem de apoiar financeira e legislativamente as pequenas e médias empresas com incentivos fiscais, liberalizar a contratação de mão de obra permitindo a redução dos seus custos operacionais, apoiar e incentivar a formação do pessoal e obrigar os operadores turísticos e do jogo a comprar em Macau a empresas de Macau. As pequenas e médias empresas não precisam de doações; precisam que se lhes comprem bens e serviços; precisam de poder responder à qualidade que lhes é exigida pela industria do jogo e do turismo. Os pequenos e médios empresários têm de deixar de ser subempreiteiros das empresas de Hong Kong e reclamar para si o fornecimento dos bens e serviços que a sociedade de Macau já exige e que mais virá a exigir se Macau se transformar no centro do entretenimento da Grande Baia

– Nos últimos meses falou-se muito da possibilidade de serem criados novos serviços financeiros, mercado de capitais ou até uma bolsa denominada em renminbi. Como encara isto?

A. C. S. – Tudo isso aconteceu durante a presença do Presidente Xi Jinping, entretanto apareceu o novo coronavírus e não se pensa em mais nada. Penso que que há um conjunto de declarações que podem não ser mais que declarações de intenções. Há estudos e veremos o que resulta daí. O Governo Central, aquando do plano da Grande Baía, designou Macau como centro mundial de turismo e lazer e de plataforma com os países de língua portuguesa. Uma das coisas de que se falou é a possibilidade de se criar em Macau ou nas zonas vizinhas um centro financeiro que possa financiar essas empresas que operam no universo dos países de língua portuguesa para que elas possam entrar numa bolsa em renminbi de forma a que se pudessem financiar. Isso é bastante interessante. Já tive oportunidade de falar com dois ou três empresários angolanos que manifestaram grande curiosidade.

– Os mais céticos dizem que, no contexto do plano da Grande Baía, Macau será relegada para um papel de mero bairro temático. Será assim?

A. C. S. – Não me choca que Macau seja uma cidade temática da Grande Baía. O que é Las Vegas? É uma cidade temática. É um bocado como Meca. Há uma coisa que um americano tem que fazer na vida: ir a Las Vegas. Por que razão isso há de chocar? Claro que Macau deve ser um centro de jogo com grande qualidade. A economia de Macau está dependente do número de pessoas que o continente permite que visitem a cidade. Se Macau puder beneficiar da livre circulação na região da Grande Baía, qual é o problema de Macau ser o parque temático? Temos capacidade para ser algo além disso? Temos inteligência para sermos um centro financeiro ou centro tecnológico? Nós devemos ser bons naquilo que fazemos há dezenas de anos: entretenimento, jogo, turismo e melhorarmos a qualidade dos serviços.

– Olhando para 2022, altura em que expiram as atuais concessões, que cenário podemos esperar?

A. C. S. – Isto é como no futebol. Quando a equipa é boa não se muda. Nunca a receita de Macau foi esta, nunca tivemos uma qualidade de serviço tão elevada. Macau tem limitações físicas. Não sei onde se podem construir mais casinos, a menos que se espere que quem vier tome conta dos casinos de quem sai. Não vejo razão nenhuma para alterar uma situação que se provou ser boa. As únicas críticas que eu vejo relativamente à atividade do jogo – além do combate ao jogo patológico- é das pessoas que se preocupam com o betão ou que os prédios são feios. Deixai-vos disso. A minha pergunta é: por que razão mudar?

– Mantendo o atual modelo de concessões e subconcessões?

A. C. S. – Ainda se fala de subconcessões porquê? Há que fazer um ajustamento legal; há que rever a lei do jogo. O contrato permite estender por mais cinco anos as concessões. Dê-se tempo ao Governo para pensar. Não se crie um ambiente de perturbação na receita. É preciso ter calma e realismo e não interromper a “cash cow” da administração. Não vejo com grande preocupação 2022. Vamos pensar até 2027. Temos tempo para pensar na solução. Porque é que tem de ser por concessões? Por que não processos de licenciamento à semelhança do que existe em jurisdições como Las Vegas? Semelhante ao que nós temos em Macau com o sistema bancário. Talvez se pensarmos até 2027 possamos chegar a modelos diferentes.

– Nestas duas décadas de RAEM, um dos principais iniciativas foi a criação do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Que impacto tem tido este projeto?

A. C. S. – A China encontrou um papel internacional para Macau, na relação com os países de língua portuguesa. Macau não tinha um papel internacional após o 25 de Abril e a China encontrou uma forma de dar esse papel após a transferência de 1999. Dentro da sua política africana foi dado a Macau o papel de prestador de serviços ao nível da formação de quadros dos novos países africanos. Durante muito tempo o Fórum organizou workshops, ações de formação, vieram técnicos e funcionários para Macau e China. Passou-se depois para o incremento das ligações económicas. E aí põe-se a questão de se saber o que Macau tem para oferecer, em condições competitivas, a esses países e que condições Macau dá aos seus empresários para que estes possam realizar transações comerciais com aqueles países. As empresas chinesas eram e são financiadas pelo estado chinês, já as de Macau estão à espera desse financiamento que apesar de anunciado nunca chegou e em relação ao qual o Fórum não tem nenhum papel. Em tempos, falou-se muito na questão do seguro de crédito como forma de garantir o pagamento aos empresários locais, mas também nessa matéria pouco se fez uma vez o Fórum está afastado de todo esse processo.

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