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Filhos e enteados

Desde 1999, 11 residentes permanentes perderam esse direito. Em resposta ao PLATAFORMA, os Serviços de Identificação explicam que ser residente permanente não é um direito vitalício para todos. O mesmo acontece em Hong Kong, onde a lei é similar.

Não tem sido a regra, mas aconteceu. A lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência – que entrou em vigor em 1999 – prevê que o direito à residência permanente possa ser retirado em alguns casos. Estão excluídos chineses e portugueses, que à partida nunca poderão perder o direito. Mas os restantes indivíduos podem deixar de ser permanentes se não cumprirem alguns requisitos, como refere a legislação. “Os residentes permanentes da RAEM referidos nas alíneas 9) e 10) do n.º 1 do artigo 1.º perdem o direito de residência se deixarem de residir habitualmente em Macau por um período superior a 36 meses consecutivos” (VER CAIXA). “Assim, se os indivíduos referidos deixarem de residir habitualmente em Macau por um período superior a 36 meses consecutivos, perderão o direito de residência nos termos referidos, deixando de reunir condições para ser titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM”, esclarece a Direção dos Serviços de Identificação (DSI) em resposta ao PLATAFORMA. 

Desde a entrada em vigor da legislação, em 1999, 11 pessoas perderam o estatuto de permanentes – três em 2015, uma em 2016, uma em 2017 e seis em 2018.

A DSI sublinha que a essas pessoas lhes é atribuído o Bilhete de Identidade de Residente Não Permanente, mas com mais direitos face ao não permanente comum.“Existe uma diferença entre os residentes não permanentes referidos que perderam o direito de residência e os indivíduos que têm o estatuto de residente não permanente conferido por autorização de residência. No primeiro caso, não se aplicam as restrições de condições da autorização de residência”, acrescenta o organismo do Governo. Segundo o número 3 do artigo 2º – direito de residência – da lei 8/1999, os respetivos residentes mantêm os direitos de entrada e saída livres da RAEM; e de permanência na RAEM sem ser sujeito a qualquer condição. 

A DSI explica ao PLATAFORMA que, como os respetivos indivíduos não ficam sujeitos às condições de permanência e residência na RAEM, podem, por exemplo, trabalhar em Macau. “Embora este tipo de residentes não tenha direito de residência, gozam dos direitos fundamentais dos residentes consagrados no Capítulo III da Lei Básica de Macau e de outros direitos obtidos nos termos da lei, salvo os direitos de que apenas os residentes permanentes da RAEM podem gozar ao abrigo da lei, nomeadamente, o direito de eleger e o direito da candidatura à habitação económica”, esclarece. 

Os Serviços de Identificação fazem no entanto a ressalva: “Quando os indivíduos em causa voltarem a preencher os requisitos constantes na Lei n.º 8/1999 para serem residentes permanentes, poderão ser novamente reconhecidos como residentes permanentes”.

O constitucionalista António Katchi salienta que, “curiosamente”, a norma também não inclui os residentes permanentes de nacionalidade portuguesa, além de não abranger os de nacionalidade chinesa. “Os portugueses acabam, assim, por ficar tão protegidos no seu estatuto de residente permanente como os de nacionalidade chinesa e numa situação de vantagem relativamente aos outros estrangeiros e apátridas, o que não estava previsto, nem na Declaração Conjunta nem na Lei Básica”, acrescenta o professor. Katchi levanta a questão: “Não constituirá isto uma violação do princípio da igualdade, por privilegiar os estrangeiros de nacionalidade portuguesa em relação aos outros estrangeiros e apátridas? À primeira vista, sim. Só não o será, se houver para este favorecimento um fundamento razoável. Nesta hipótese, ele não seria juridicamente havido como um privilégio.”

Jurisprudência

A ideia de permanência como condição para se ter e manter o BIR Permanente é reforçada no artigo 5º – Presunção, da lei 8/1999. “Presume-se que os portadores de Bilhete de Identidade de Residente de Macau, de Bilhete de Identidade de Residente Permanente e de Bilhete de Identidade de Residente da RAEM válidos, residem habitualmente em Macau.” 

“Esta norma significa que, em princípio, os portadores de BIR não precisam de provar que residem habitualmente em Macau: gozam de uma presunção de que assim é. Cabe à Administração, se tiver dúvidas, suscitar a questão, averiguar e, sendo caso disso, provar o contrário”, explica o jurista. 

A questão que se coloca, acrescenta o professor, é a de saber o que significa, para este efeito, “domicílio permanente”. Katchi realça que era necessário que a lei definisse o conceito em termos que conjugassem “o mais razoavelmente possível” as duas exigências consagradas na Lei Básica: a residência efetiva em Macau e a liberdade de deslocação. “Foi no cumprimento desta tarefa que a Lei n.º 8/1999 veio determinar a perda do estatuto de residente permanente a quem deixar de residir habitualmente em Macau durante um período superior a 36 meses”, afirma.

Um acórdão do Tribunal de Última Instância (TUI) – 21/2014 – sobre a decisão do diretor dos Serviços de Identificação ter negado o estatuto de residente permanente a um indivíduo irlandês – referia: “O certo é que a lei não esclarece o que entende por domicílio permanente ou definitivo em Macau”. Sobre o assunto, a Justiça realça que “domicílio permanente, (..), é um conceito indeterminado, sendo que na parte em que se refere ao centro da vida doméstica do residente, não confere à Administração qualquer margem de livre apreciação; já na parte em que se trata de apurar se o interessado tem intenção de permanecer definitivamente em Macau, há uma intenção de conferir à Administração uma margem de livre apreciação”. 

Outro acórdão, neste caso do Tribunal de Segunda Instância – sobre o processo 907/2016 – sublinha “Nos termos da lei, a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau”. 

E um outro acórdão do TUI – 106/2019 – refere que “para efeitos de se saber se alguém tem ou não residência habitual em Macau, é um conceito indeterminado plenamente sindicável pelos tribunais, dado que não envolve nenhum juízo de prognose”. A mais alta Instância da Justiça local acrescenta: “A ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau, como prevê o n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 8/1999, impondo-se que a Administração verifique se, apesar da ausência, o interessado mantém residência habitual em Macau”. 

Hong Kong

A lei na região vizinha é muito similar à de Macau. A Permanent Residents of the Hong Kong Special Administrative Region também prevê que alguns residentes permanentes possam perder o direito. O artigo 7º – Loss of the status as a permanent resident – define que um grupo de permanentes pode perder o direito se se ausentar da região por um período de 36 meses. Estão incluídos todos os residentes permanentes não chineses. Ao contrário da lei local em relação aos portugueses, a legislação de Hong Kong não atribui um estatuto especial aos britânicos que, como os portugueses em Macau, administraram a região até à transferência de soberania para a China, em 1997.

 

Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência

Artigo 1.º

Residentes permanentes

São residentes permanentes:

1) Os cidadãos chineses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;

2) Os cidadãos chineses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM;

3) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 1) e 2), de nacionalidade chinesa e nascidos fora de Macau, se à data do seu nascimento o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos nas alíneas 1) ou 2);

4) Os indivíduos nascidos em Macau antes ou depois do estabelecimento da RAEM, de ascendência chinesa e portuguesa, que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;

5) Os indivíduos de ascendência chinesa e portuguesa, que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;

6) Os filhos dos residentes permanentes referidos nas alíneas 4) e 5), de nacionalidade chinesa ou que ainda não tenham feito opção de nacionalidade, nascidos fora de Macau e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se o pai ou a mãe, à data do seu nascimento, satisfazia os critérios previstos nas alíneas 4) ou 5);

7) Os portugueses nascidos em Macau, antes ou depois do estabelecimento da RAEM e que aqui tenham o seu domicílio permanente, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe já residia legalmente ou tinha adquirido o direito de residência em Macau;

8) Os portugueses que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;

9) As demais pessoas que tenham residido habitualmente em Macau pelo menos sete anos consecutivos, antes ou depois do estabelecimento da RAEM, e aqui tenham o seu domicílio permanente;

10) Os filhos dos residentes permanentes referidos na alínea 9), nascidos em Macau, de idade inferior a dezoito anos, se à data do seu nascimento, o pai ou a mãe satisfazia os critérios previstos na alínea 9).

São estes dois últimos grupos que podem perder o BIR permanente

Artigo 2.º

Direito de residência

2. Os residentes permanentes da RAEM referidos nas alíneas 9) e 10) do n.º 1 do artigo 1.º perdem o direito de residência se deixarem de residir habitualmente em Macau por um período superior a 36 meses consecutivos.

3. Os residentes referidos no número anterior que perderam o direito de residência, mantêm os seguintes direitos:

1) Entrada e saída livres da RAEM;

2) Permanência na RAEM sem ser sujeito a qualquer condição, considerando-se nulas as condições impostas.

Artigo 4.º

Residência habitual

3. Para os efeitos do estatuto de residente permanente referido nas alíneas 2), 5), 8) e 9) do n.º 1 do artigo 1.º e da perda do direito de residência referida no n.º 2 do artigo 2.º, a ausência temporária de Macau não determina que se tenha deixado de residir habitualmente em Macau.

Artigo 5.º

Presunção

1.Presume-se que os portadores de Bilhete de Identidade de Residente de Macau, abreviadamente designado por BIR, de Bilhete de Identidade de Residente Permanente da RAEM e de Bilhete de Identidade de Residente da RAEM válidos, residem habitualmente em Macau.

‭ ‬‭ ‬Catarina Brites Soares 07.02.2020

 

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