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“Poderíamos ambicionar um dia estar em Guangzhou. É um desejo”

O presidente-executivo do Banco Nacional Ultramarino (BNU) antecipa um ano com desafios decorrentes do abrandamento da economia, mas acredita que Macau tem amortecedores para lidar com uma recessão.
Carlos Cid Álvares prevê para este ano lucros de cerca de 650 milhões de patacas e um crescimento do volume de negócios na ordem de 4 a 5 por cento em 2020, ano em que deverá ser renovado o estatuto de banco emissor. A crise em Hong Kong não o assusta. Constitui não apenas um desafio, mas também oportunidades. O futuro, acredita, mora aqui ao lado, na região da Grande Baía, onde gostaria de abrir uma representação, em Guangzhou.

– Encontra-se em funções há cerca de um ano e meio. Em que ponto é que estamos face aos planos que gizou para o Banco Nacional Ultramarino?

Carlos Cid Álvares – Tinha estado em Macau há 20 anos, em férias, e realmente Macau mudou radicalmente. Como não vivia cá acho que mudou para muito melhor, mas admito que haja pessoas que tenham saudades do passado e de algumas vivências. Aquilo que vi aqui é que não existe  a palavra crise; praticamente não há desemprego. O crescimento económico regista taxas bastante interessantes ainda que a indústria do jogo tenha uma percentagem importante da economia, havendo contudo serviços financeiros, turismo, propriedade. 

Aquela lógica de transformar Macau num centro internacional de turismo e lazer e numa plataforma entre a China e os Países de Língua Portuguesa pode dar aqui um toque especial para o crescimento e diversificação de Macau. 

– No início do mandato um dos vetores estratégicos dizia respeito a serviços destinados a pequenas e médias empresas (PME). O que já foi alcançado?

C. C. A. – O Banco tem uma operação excelente. Tem indicadores únicos comparando com o que se passa na Europa. Ganha cerca de 600  milhões de patacas por ano. É uma parte importante do grupo Caixa Geral de Depósitos – cerca de por cento dos lucros – tem uma relação com as autoridades, sendo banco emissor, abre cerca de mil contas por mês, tem 240 mil clientes.

O que precisa de fazer melhor? Ter uma maior proximidade com a juventude. Temos quotas de mercado muito fortes nos cidadãos maiores de 35 anos, mas não nos segmentos mais novos. E um outro aspeto diz respeito às PME. Estamos a crescer no crédito a PME, mas não ainda como gostaríamos. Há um modelo de avaliação de crédito em Macau que é muito baseado nas contragarantias, nas hipotecas. Os modelos de risco de crédito europeus são muito baseados na capacidade de reembolso.  Em conversações com a  Autoridade Monetária e com o nosso acionista entendemos que seria  muito interessante construirmos um modelo comportamental para as PME. 

 – O BNU tem competidores de peso aqui, sobretudo os bancos da China continental. Como é que tem sido competir com estes gigantes? 

C. C. A. – O BNU é neste momento o quinto banco em Macau e portanto eu diria que não é um “market maker”; é um “price taker”. Mas tem espaço ara crescer. No crédito à habitação chegamos a ter dois dígitos (10 por cento) de quota de mercado na nova produção e gostávamos de voltar a ter. Se bem que o que se sente é que o crédito a habitação tem vindo a cair. O mercado não está tão fácil. Mas acredito que fruto do que temos em termos de aterros acredito que haverá mais oferta para promover com mais dinamismo o crédito à habitação.

– Seria importante que o regulador aliviasse as restrições ao nível hipotecário? 

C. C. A. – Julgo que a política seguida pelo Governo (Autoridade Monetária) tem sido bastante conservadora, prudente, de modo a evitar um sobreaquecimento.

– Mas os preços da habitação continuam muito elevados.  

C. C. A. – Continuam elevados, mas noto que em algumas zonas de Macau pararam de subir, noutros atingem preços que eu admitiria que não seriam possíveis. Admito que se o Governo assim o entender, com a evolução dos dados de transações, é possível relaxar alguns indicadores. Obviamente que também temos interesse que sejam operações sãs.

– E quanto ao crédito ao consumo, que margem há de crescimento? 

C. C. A. – No ano passado fizemos uma campanha que levou a uma subida de 40 por cento. Este ano voltámos a fazê-lo, mas não obtivemos esse sucesso. Admito que há margem para crescer. Os índices de crédito malparado são baixíssimos. 

– E quanto a serviços denominados em renminbi?

C. C. A. – Foi bastante interessante a emissão de obrigações em renminbi lançadas recentemente pelo estado. O BNU colaborou na distribuição dessa emissão. Mas a clientela do BNU não tem estado muito virada para produtos em RMB, porque há um risco cambial, embora goze de taxas de juro mais favoráveis. A clientela do BNU está mais virada para a pataca e dólar de Hong Kong. Todos os bancos do grupo Caixa Geral de Depósitos abriram contas em renminbi  no BNU por forma a que as transações das empresas nos países de língua portuguesa possam usar a moeda chinesa nas trocas comerciais com a  China.

– Poderá o renminbi substituir o dólar norte-americano nas trocas comerciais entre a China e os países de língua portuguesa?

C. C. A. – No final são os clientes a decidir em que moeda as transações são efetuadas. Admito que para as empresas que são simultaneamente importadoras e exportadoras faça sentido fazerem as transações em renminbis porque assim têm uma cobertura natural dos riscos. Admito que à medida que o peso da economia chinesa aumente, naturalmente o volume das transações também suba. 

– Tem-se falado na criação de novos serviços financeiros em Macau, denominados em renminbi, inclusive de uma bolsa de valores. Como encara isso?  

C. C. A. – Acho que tudo é possível desde que haja vontade, dinheiro, querer. Admito que em Macau não haja muitas empresas por enquanto para serem listadas. Mas há que começar por algum lado. Investidores existirão; teremos que procurar emissores. Há talvez 10, 20, 30 empresas aqui com essas características. Acredito que empresas da China continental poderão estar em condições para encontrar investidores. 

– Neste processo, Hengqin deverá desempenhar um papel completar face a Macau. O BNU já tem um pé na ilha vizinha com uma agência. 

C. C. A. – Abrimos uma agência há três anos e estamos contentes. Fundamentalmente, a agência nasceu para apoiar os empresários locais que investiram na ilha de Hengqin. Sempre com operações pequenas para não darmos passadas muito grandes. Mas sem índices de malparado e com crescimento de  dois dígitos. Prevemos que a operação esteja no verde no final do ano. Ainda há arestas para limar, porque há questões jurídicas, fiscais. Há três ambientes regulatórios, mas há vontade para que sejam dados passos para que tudo seja mais ágil. Admito que vamos dar mais passos. Seria interessantíssimo se o BNU e a Caixa dessem saltos maiores na Grande Baía. 

– Que saltos seriam esses? Abrir agências noutras cidades da Grande Baía?  

C. C. A. – Poderíamos ambicionar um dia estar em Guangzhou. É um desejo. A Caixa Geral de Depósitos passou por um período difícil, em que teve de fazer um aumento de capital, em que pediu aos contribuintes portugueses cerca de cinco mil milhões de euros. Houve um conjunto de medidas que implicaram a redução da presença da CGD em alguns mercados. Não é portanto o momento de se propor ao acionista o investimento em mais zonas. Este projeto a Grande Baía congrega cerca de 70  milhões de habitantes que ocupa cerca de metade da área de Portugal, tem um terço das exportações da China, representa 11 por cento do PIB, que é atualmente 1.4 biliões de dólares e que se estima que daqui a 10 anos possa ser 4 biliões,  é uma oportunidade que o Grupo CGD e o BNU não podem deixar de olhar. 

– Em Portugal há noção desta dimensão?

C. C. A. – Tenho pena que não seja do conhecimento das empresas portuguesas como deveria ser. Acho que as empresas portuguesas quando têm planos de internacionalização deviam olhar não para a China como um todo mas para esta Grande Baía. Esta realidade pode servir os interesses das empresas dos países de língua portuguesa, nomeadamente de Portugal.

Fazer negócios na China não é fácil. Implica ter visão, músculo, de poder porventura perder dinheiro durante três, quatro anos, mas não tenho dúvida que as coisas podem acontecer. 

Por outro lado, não há um conhecimento grande ainda do que é a realidade portuguesa. Há muito a ideia que Portugal é vinho, mas Portugal tem campeões nacionais em diferentes sectores. Lembro-me do tomate, azeite, cortiça, moldes, têxteis. Há um desconhecimento da parte das autoridades chinesas relativamente à existência de empresas portuguesa que competem a nível mundial com outras grandes multinacionais. 

– No próximo ano, em outubro, expira o acordo com a Autoridade Monetária para que o BNU seja banco emissor. Já há negociações para a renovação do acordo? 

C. C. A. – Já tem havido trabalhos de carácter administrativo entre áreas operativas do BNU, Banco da China e Autoridade Monetária, mas admito que a decisão política formal venha a ser tomada  apenas pelo próximo Executivo. Nos primeiros meses do próximo ano será o momento ideal para se começar a trabalhar na renovação deste contrato que tem sido feito por dez anos e que admito que tudo levará a ter uma situação semelhante.

Uma situação que nos enche de orgulho, que interesse ao BNU, ao Grupo Caixa, ao estado português  e a comunidade local. 

– Como olha para a perspetiva de resultados para este ano? 

C. C. A. – Acima dos 600 milhões de patacas, na casa dos 650 milhões. Mas também temos que olhar para o facto da economia não estar a crescer. Macau, em todo o caso, tem sido resiliente. A economia de Macau tem amortecedores. As receitas do jogo estão a cair, mas fundamentalmente nos grandes apostadores. As receitas fiscais continuam a crescer, portanto não acredito que o impacto seja notório. Macau não tem dívida, tem um fundo de 60 mil milhões de euros.

– Projetando 2020, o que antecipa? Um cenário conservador? 

C. C. A. – Sim, é conservador. Estimamos crescer entre os 4 e 5 por cento em volume de negócios e em resultados um pouco mais que isso. 

– O quão preocupando está com o impacto da chamada “guerra comercial” China-Estados Unidos? 

C. C. A. – Não acredito sinceramente que esta guerra comercial se prolongue por muito mais tempo, porque todos os atores percebem que isto tem um efeito nível mundial. Há aqui jogos de quotas de mercado e outros jogos e interesses, mas no final para defesa dos interesses das populações vai-se chegar com certeza a um acordo, que se calhar não será um acordo ideal, mas será faseado 

– A crise em Hong Kong é o grande tema. De que forma o preocupa a situação?

C. C. A. – A situação em Hong Kong faz-nos confusão. A sociedade está dividida. Admito que vai ter uma resolução. Há quem esteja a esfregar as mãos, por outro lado. Deve ter havido uma fuga de capitais para outras zonas. Acredito que Macau por ventura pode ser beneficiado, após ser prejudicado num primeiro momento.

– Já se faz sentir no BNU o impacto da crise em Hong Kong? 

C. C. A. – Há um aumento  da procura de informação sobre vistos Gold. O BNU tem apoiado residentes de Macau na compra de habitações em Portugal e notamos nos residentes de Hong Kong um interesse maior sobre o regime fiscal para residentes não-habituais, estrangeiros. Tudo o que são programas para acolhimento de investidores estrangeiros. 

– Hong Kong já entrou em recessão. Há o receio de  um prolongamento da situação. Preocupa-o o potencial enfraquecimento de Hong Kong como centro financeiro? 

C. C. A. – O BNU olha para isso como um desafio e uma oportunidade, porque terá impacto em Shenzhen, Guangzhou e Macau. Se houver situações extremas outras regiões podem beneficiar. Macau tem passado  incólume nas guerras na região e mundiais. Acho que até poderá sair beneficiada no final. 

– Que expectativas tem face ao novo ciclo em Macau? 

C. C. A. – Por parte do futuro Chefe do Executivo há uma grande experiência política e empresarial. E isso é uma mais-valia. Ter as duas componentes é algo de forte. Escolhendo bem a  sua equipa podemos ter aqui um papel interessantíssimo. 

‭ ‬José Carlos Matias 29.11.2019

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