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Nações Unidas questionam impunidade

Nações Unidas continuam sem resposta a uma carta dirigida em abril ao Governo moçambicano em que pedem informações sobre agressões a críticos do Executivo e respetiva investigação. 

“Estamos preocupados com as ameaças e agressões sofridas por Ericino de Salema e outros jornalistas, e defensores dos direitos humanos que parecem estar relacionadas com a expressão da opinião política e crítica ao Governo”, referem os responsáveis das Nações Unidas (ONU).

O ataque a Ericino de Salema aconteceu a 27 de março, há quase oito meses, numa das ruas mais movimentadas de Maputo, em pleno dia. A agressão motivou uma carta dos relatores da ONU, a 24 de abril, na qual pediam esclarecimentos do Governo moçambicano no prazo de 60 dias. No documento, os responsáveis pediam detalhes sobre “as investigações em relação ao ataque a Ericino de Salema e a outros jornalistas e defensores dos direitos humanos”. A ONU questionava ainda o Executivo local sobre as medidas que tinham sido tomadas para “garantir a segurança das pessoas envolvidas no debate público sobre questões políticas”, bem como dos “defensores dos direitos humanos” no país.

A carta foi tornada pública, no decorrer da sessão do Conselho de Direitos Humanos de 10 de setembro.Uma base de dados do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas mostra que Moçambique não respondeu. 

Efeito inibidor

Os relatores dizem estar preocupados “com o efeito inibidor mais amplo que as agressões têm sobre o exercício do direito à liberdade de expressão em Moçambique” e pelo facto de a impunidade poder contribuir “para a reincidência destes crimes”. 

Na carta os responsáveis recordam que, em maio de 2016, outro jornalista, José Jaime Macuane, também foi sequestrado e alvejado em ambas as pernas, alegadamente devido a comentários políticos. “Ninguém foi acusado desde então”. 

“Desde 2015, houve 12 ataques e assassinatos por alegados motivos políticos, incluindo o assassinato de Gilles Cistac, professor de Direito na Universidade Eduardo Mondlane, e ninguém foi visado na sequência desses ataques e assassinatos”, realçam no documento. A carta é assinada por David Kaye, relator especial para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão, e Michel Forst, relator especial para a situação dos defensores dos direitos humanos.

Historial violento

Em março de 2015, o advogado constitucionalista franco-moçambicano Gilles Cistac foi morto a tiro junto um café no centro de Maputo. O advogado ficou conhecido por defender teses embaraçosas para a Frelimo, partido no poder. A última dava argumentos jurídicos à Renamo, principal força de oposição, para a criação de províncias autónomas.

Em outubro de 2016, o conselheiro do Estado Jeremias Pondeca foi mortalmente baleado quando fazia ginástica matinal na Avenida Marginal de Maputo.

Em janeiro do mesmo ano, o secretário-geral da Renamo (Resistência Nacional Moçambicana), Manuel Bissopo, também foi baleado, quando viajava de carro no centro da cidade da Beira, província de Sofala. O guarda-costas morreu no ataque.

Em abril desse ano, José Manuel, membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da Renamo e membro da ala militar do principal partido da oposição, foi morto a tiro por desconhecidos à saída do Aeroporto Internacional da Beira.

No mesmo mês, o procurador da Cidade de Maputo, Marcelino Vilakulos, foi assassinado a tiro quando se dirigia de carro para casa, nos arredores da capital.

Em maio de 2016, o comentador político e docente universitário Jaime Macuane foi raptado no centro de Maputo e levado para os arredores da cidade, onde os agressores o abandonam com tiros nos membros inferiores.

A estes somam-se outros assassínios mediáticos: a morte do jornalista Carlos Cardoso, em 2000, do economista Siba Siba Macuacua, em 2001, e do juiz Dinis Silica, em 2014. 

Ameaças ao ciclo eleitoral

O Misa Moçambique, organização de defesa da liberdade de imprensa, diz haver pessoas no poder, em Moçambique, com margem de manobra para ameaçar jornalistas no ciclo eleitoral em curso. “Estamos num país em que ainda há pessoas com cultura autoritária” a tomar decisões “nos centros de poder político, militar e policial”, referiu também em maio o diretor executivo da organização, Ernesto Nhanale, em entrevista à Lusa. 

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Ericino regressou a Maputo

Ericino de Almeida foi sujeito a intervenções cirúrgicas e tratamentos na África do Sul para recuperar das agressões. O jornalista já regressou a Maputo, mas não apareceu ou fez intervenções públicas. Em maio, o primeiro-ministro de Moçambique, Carlos Agostinho do Rosário, afirmou, no parlamento, que o combate aos raptos e assassinatos seriam prioridades para o Governo, mas o silêncio mantém-se.

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Homicídio encoberto por silêncio

Além das agressões a Ericino de Salema, o silêncio e declarações contraditórias das autoridades cobrem também o mais recente homicídio de uma destacada figura política: Mahamudo Amurane. O presidente do município de Nampula, terceira maior cidade do país, capital do norte, também foi assassinado a 4 de outubro de 2017, quando um homem se aproximou e disparou. Tinha 44 anos e estava acompanhado, no rés-do-chão da sua casa, em pleno dia. “Era um jovem alto, tirou a pistola a meio metro do edil e deu-lhe três tiros”, disse na altura, à Lusa, Saide Ali, vereador que estava junto a Amurane no momento do crime.

A polícia referiu no próprio dia ter “indicações claras, dadas pelas testemunhas” que poderiam levar “à detenção do suspeito”. Um mês depois, o ministro da Justiça, Isac Chande, anunciava que já havia seis pessoas constituídas arguidos no processo. Tudo fazia crer que seria fácil resolver o caso. No entanto, no último mês, o Ministério Público moçambicano anunciou o alargamento dos prazos para instrução do processo, alegando “complexidade no caso” . 

Luís Fonseca 16.11.2018

Exclusivo LUSA/Plataforma Macau

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