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O que diz Deng

Terá passado algo despercebido, mas não deixa de ter relevância. 

Deng Pufang, filho mais velho de Deng Xiaoping, dirigia-se à Federação de Pessoas com Deficiência da China, entidade da qual é presidente honorário. Deng é aliás uma figura com particular simbolismo não apenas pela ascendência familiar, mas também porque passou a ter de utilizar cadeira de rodas desde 1968 quando ficou seriamente ferido ao fugir de uma multidão em fúria nos tempos conturbados da Revolução Cultural.

No mês passado lembrou aspetos essenciais do legado do pai, num discurso que só agora veio a lume. Desde logo, argumentou, o processo de reformas e abertura iniciado há 40 anos é irreversível. Por outro, enfatizou máximas de Deng Xiaoping como a necessidade de “procurar a verdade através dos factos” e manter a mente sóbria. Numa altura em que Pequim tem adotado uma abordagem muito mais assertiva na afirmação como potência global – o que tem tido como consequência uma maior perceção da China como ameaça em vários países – Deng Pufang também quis salientar que há que manter firme o caminho da paz e desenvolvimento, num contexto externo marcado por incertezas, sendo mais importante resolver os problemas internos. Era novamente a voz do pai a ecoar em dissonância com o que tem prevalecido nos últimos cinco anos em Zhongnanhai. Começa a ser claro, aos olhos de muitos, dentro e fora da China, que esta forma de projeção de poder tem efeitos contraproducentes que carecem de ser corrigidos. Nas vésperas do 40o aniversário do início do processo que transformou o país e o mundo, vale a pena revisitar os conselhos do arquiteto das reformas. Não apenas da boca para fora, como por vezes, parece fazer a atual liderança que, de forma precipitada, se começou a desviar desse caminho. 

Tudo se torna mais difícil num mundo marcado pela polarização insana protagonizada por líderes como Trump, Duterte e agora Bolsonaro que ameaçam os pilares do multilateralismo e, consequentemente, a paz e o desenvolvimento. Mas em Pequim, há que resistir à húbris, manter o bom senso e equilíbrio e, em tempos incertos e perigosos, regressar ao caminho corretamente trilhado por Deng Xiaoping. A reaproximação sino-nipónica, ilustrada na visita do primeiro-ministro, Shinzo Abe, a Pequim na semana passada (a primeira de um chefe de governo japonês em sete anos) é um sinal positivo. Precisamos de mais.  

José Carlos Matias 02.11.2018

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