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“São bem-vindos os textos de todas as pessoas”

Tong Mui Siu, Eric Chau e Rai Mutsu, três autores de Macau, representam três gerações de editores da revista da Associação de Escritores de Macau – PEN of Macau. A publicação, cujo primeiro número foi lançado em 1989, é uma das iniciativa mais visíveis da associação, que este ano comemora três décadas de histórias, ensaios, poesia e ilustração. Passou por várias fases e formatos – hoje, vai no 60º número, procura mais público e novos autores.

Rai Mutsu acompanha a revista desde o seu número 54, tendo sido responsável pela renovação do grafismo da publicação. Eric Chau está há mais tempo. Assistiu no início dos anos 2000 ao crescimento daquela que era uma pequena revista de um formato A5, vocacionada para as arte e cultura e que se orientava para a publicação de ensaios e poesia clássica, em conformidade com as características do seus contribuidores iniciais – a maior parte, professores de Chinês a leccionar nas secundárias locais e universidades. O primeiro editor, e fundador, foi Ngai Yick Kin. Tong Mui Siu colabora desde o primeiro número.
“Nesse período, a publicação era bastante abrangente. Mas a velha direção acabou por emigrar. A geração mais nova assumiu a revista, em 2001, após o retorno da região à China. A partir de então a revista passou a focar-se em literatura contemporânea e criativa por autores locais. Queríamos garantir que tínhamos um lugar onde os autores locais pudessem publicar os seus trabalhos”, explica a autora.
Tong Mui Siu, hoje reformada, é uma antiga editora dos suplementos culturais do jornal Ou Mun, com o qual o PEN of Macau mantém uma estreita relação – a associação funciona no 11º andar do edifício do jornal e muitos dos seus membros começaram por dar a conhecer o que escreviam nas colunas literárias do diário. Foi o caso de Rai Mutsu, Eric Chau – cujo primeiro romance foi publicado numa série acolhida pelo Ou Mun – e de Tong Mui Siu, também.
“O meu trabalho sempre foi escrever. No início, não tínhamos muitos autores para o suplemento e os editores também tinham que escrever, mas não recebiam dinheiro pelos textos. Durou três a quatro anos quando comecei no jornal Ou Mun”, recorda.
Além das colunas literárias, Tong era também responsável por crónicas associadas à vida familiar e a temas entendidos à época como relevantes para as mulheres de Macau, o que transpunha também para as páginas de ficção. “Tendo a escrever sob uma perspectiva feminina, por vezes sobre questões socais e outras sobre as relações de casamento e o quotidiano”, diz.
A escritora lembra o primeiro conto publicado no número inaugural da revista do PEN of Macau: “Dava a perspectiva feminina sobre o casamento, sobre os conflitos no casamento. A personagem era uma pessoa com educação e alguma sensibilidade. Não queria uma vida familiar limitada, apesar de o marido a tratar bastante bem. Não comunicava bem com ele. Surge outro homem que preenche melhor os seus padrões, mas como mulher ela não consegue reunir a coragem para perseguir o que quer. Acaba por continuar casada”.
“Ainda é um tema corrente. São problemas que nunca se resolvem”, diz Eric Chau sobre os manuscritos que recebe na morada da associação. Chau é o editor principal, mas cada número da revista, de frequência trimestral, fica à responsabilidade de membros diferentes do PEN of Macau. Cada edição é habitualmente sujeita a um tema, e entre editores e respectivos círculos de amigos próximos são encomendados os textos. “Todos nós temos amigos que são autores e que convidamos a contribuir. Depende do tema de cada número. O mais recente foi de poesia, e recebemos poemas de Macau, Hong Kong e Taiwan. Também escolhemos entre os textos que nos mandam”, explica.
Na atual fase, o PEN of Macau pretende alargar o leque de autores que publica, procurando abranger também escritores de outras línguas maternas quando for possível. “São bem-vindos os textos de todas as pessoas, especialmente quando são sobre Macau e quando há uma versão bilingue, para que por exemplo possamos apresentar textos em português e inglês com a tradução em chinês”, diz Rai Mutsu. “Queremos voltar aos tempos antigos. Os fundadores criaram um bom padrão”, junta.

Os primeiros números da revista incluem traduções para chinês de alguns autores portugueses, ou ensaios literários sobre obras de escritores internacionais. Os recursos, nota no entanto Rai Mutsu, são poucos para chegar a todo o lado. “Estamos na maior parte das vezes tão ocupados com as nossas vidas pessoais e profissionais que não temos tempo para encorajar mais pessoas a contribuírem. Há ainda o tempo que passamos a escrever os nossos próprios textos”, diz.

Com o objectivo de chegar a um público maior, as comemorações do 30º aniversário do PEN of Macau, fundado em 1987, vão incluir no terceiro trimestre deste ano algumas sessões de apresentação da associação junto de escolas e organizações locais. Está também a ser realizada uma série de vídeos que apresenta os autores locais e as suas obras. É o caso de uma animação multimédia criada a partir do conto “Sonho da Ilha Verde”, de Pierre Wong, com realização de Emily Chan e música de Joe Lei, partilhada já nas redes sociais. O aniversário do PEN of Macau vai ser ainda marcado pelo lançamento de uma antologia com textos dos membros que nas últimas três décadas têm integrado a associação.

As iniciativas de divulgação pretendem reaproximar a revista dos escritores da cidade de diferentes comunidades. “No início, tínhamos autores bastante bons que nos enviavam as suas obras. Há alguns anos que essa ligação se perdeu. Os autores começaram a mandar os seus manuscritos para outros lugares. Também queremos integrar traduções”, afirma Rai Mutsu.

A Plaza Cultural de Macau e a Seng Kuong são as duas livrarias onde hoje é possível encontrar as obras de autores locais em língua chinesa, depois do encerramento recente da Livraria Pin-to, que funcionava no Largo do Senado. A Associação de Escritores de Macau reconhece que, ao fim de três décadas, continua a ser difícil chegar aos leitores, dentro e fora de Macau. “Não é fácil vender livros”, diz Tong Mui Siu. “Mas, quando se é publicado em jornais como o Ou Mun, chega-se a mais leitores”, junta.

Algumas medidas de apoio estão também a contribuir para que as obras locais cheguem um pouco mais longe. “Inicialmente, não podíamos ter os nossos livros na China Continental, e em Hong Kong não nos conheciam. O nosso mercado é muito estreito. Agora, a situação mudou. Somos convidados para as feiras do livro na China Continental e em Hong Kong. Além disso, a Fundação Macau publica uma série de obras de autores locais, que já tem mais de 50 volumes”, afirma Tong.

O PEN of Macau está também a trabalhar com o Instituto Cultural para garantir pontos de venda de obras locais em Hong Kong. O organismo da Administração vai suportar os custos com a colocação dos livros de autores locais, pagando para tal a três editoras da região vizinha. “Convidaram-nos a recolher os trabalhos de alguns dos escritores que já publicaram connosco. Os editores vão escolher de acordo com os seus critérios e apoiar-nos com promoção em Hong Kong”, explica Tong Mui Siu. Os autores vão receber parte dos resultados das vendas.

Maria Caetano

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