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Uma caixa de Pandora que ainda não terminou

Os escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Lato, uma investigação policial brasileira que já dura há quase três anos e já descobriu desvios de milhões de dólares na petroleira estatal Petrobras, foram determinantes para a queda da ex-Presidente Dilma Rousseff, e agora ameaçam abalar as estruturas do novo Governo liderado pelo Presidente Michel Temer.

A iminente divulgação dos depoimentos prestados por 77 executivos da empreiteira Odebrecht, que assinaram acordos judiciais de delação premiada (colaboração com a Justiça em troca da redução da pena), mantém o clima de incerteza no país porque são esperadas novas provas e testemunhos sobre crimes praticados também por membros do grupo político que está no poder. 

O Presidente, apoiado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), e alguns dos seus principais aliados já foram citados nestes escândalos de corrupção. Especialistas consultados acreditam que a imagem de Michel Temer será abalada, mas não esperam novidades suficientes para justificar uma nova troca de Governo no Brasil quando a caixa de Pandora das delações premiadas – que revelará a quem a Odebrecht e outras construtoras pagaram subornos – for definitivamente aberta pelos investigadores da Lava Jato.

“Acho que existem instrumentos jurídicos para preservar Michel Temer até ao final do mandato (…). Politicamente o Governo de [Michel] Temer tem muita força, ele controla cerca de 80 por cento do Congresso, mesmo sendo um Governo muito impopular junto da população”, explicou António Flavio Testa, cientista social e professor da Universidade de Brasília (UnB). 

Já Rafael Araújo, cientista social e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), indicou que as menções que foram feitas até agora contra o chefe de Estado e seus aliados não são suficientes para transformá-los em réus. 

“São pessoas que tem uma blindagem, que jogam com o sistema e sabem trabalhar com as brechas da lei (…) Michel Temer foi colocado no poder para implantar uma nova agenda neoliberal que o Brasil está assumindo agora. Retirá-lo do cargo criaria uma zona de incertezas que vai contra o grupo [de empresários] que apoia esta agenda neoliberal e o colocou no cargo apoiando a destituição de Dilma Rousseff”, declarou.

No ano passado, o Presidente brasileiro foi citado pelo ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht Cláudio Melo Filho 43 vezes num depoimento aos investigadores da Lava Jato, divulgado com antecipação pela imprensa local. 

O acusado disse que Michel Temer teria pedido doações, não declaradas à justiça eleitoral, da empresa para o seu partido no valor de 10 milhões de reais (3,18 milhões de dólares na cotação atual) em 2014.

Temer também apareceu nas revelações feitas por Sérgio Machado, um ex-presidente de uma empresa subsidiária da Petrobras chamada Transpetro, que declarou à Justiça que o Presidente teria pedido que obtivesse dinheiro para a campanha à prefeitura de São Paulo em 2012 de um político aliado chamado Gabriel Chalita. 

Sérgio Machado recordou um encontro que teve com o então vice-Presidente no qual eles teriam acertado uma doação não declarada à Justiça eleitoral no valor de 1,5 milhões de reais (477 mil dólares), dada pela construtora Queiroz Galvão, também envolvida nos esquemas de corrupção do país.

Entre os homens fortes do Governo ameaçados pelas revelações dos escândalos de corrupção estão o atual ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco.  Eliseu Padilha, segundo o depoimento do ex-executivo da Odebrecht Cláudio Melo Filho, teria recebido quatro milhões de reais (1,27 milhões de dólares) do total supostamente solicitado por Michel Temer à empreiteira em 2014. 

O ministro Moreira Franco recebeu, também segundo Claudio Melo Filho, o valor de três milhões de reais (955 mil dólares) em subornos para impedir a realização do projeto de um aeroporto em São Paulo, que desagradava os interesses da Odebrecht. 

Aliados fiéis que defendem Michel Temer e presidentes das duas casas que formam o Congresso do país, Eunício Oliveira, da câmara alta, e Rodrigo Maia, da câmara baixa, também foram nomeados por delatores como participantes em esquemas criminosos. Todos os envolvidos negam publicamente que tenham praticado qualquer irregularidade.

Embora poucas averiguações estejam oficialmente em curso, o Procurador Geral da República (PGR), Rodrigo Janot, está a usar os depoimentos dos delatores e provas apresentadas para criar uma lista de políticos sujeitos a investigações formais, que relaciona aliados do Governo e ministros brasileiros. 

Estes nomes serão enviados pelo procurador-geral em março ao Supremo Tribunal Federal (STF), único órgão que pode autorizar inquéritos contra parlamentares e membros do poder executivo no Brasil.

A última lista com pedidos de abertura de inquérito enviada por Rodrigo Janot ao STF, em março de 2015, teve repercussão bombástica e acabou impulsionando movimentos sociais e grandes protestos que apoiaram a saída da ex-Presidente Dilma Rousseff, destituída em agosto de 2016.

No caso do Presidente brasileiro e seus aliados, porém, a expectativa dos especialistas é de que as denúncias não tenham o mesmo efeito. Eu não acho que esta segunda lista do [Rodrigo] Janot vá ter o mesmo impacto que teve a anterior. Na época, a fragilidade da relação da Dilma Rousseff com a Câmara dos Deputados [câmara baixa parlamentar] e com o PMDB foi decisiva para instaurar uma crise no Governo. Vão aparecer muitas denúncias, mas estes processos serão alongados até o fim do mandato [de Michel Temer]”, avaliou Antônio Flavio Testa.

Rafael Araújo concorda que a divulgação de crimes e suspeitas de corrupção até podem incentivar protestos, mas estes atos não terão a mesma força do passado, quando milhares de brasileiros foram às ruas pedir a saída de Dilma Rousseff e do Partido dos Trabalhadores, também indicados por delatores.

“Isto não se deve repetir. Quem estava por detrás dos protestos no Brasil eram empresas que têm interesse na manutenção do Governo que aí está (…) Houve um nível de organização altíssimo dos movimentos em prol do impeachment [destituição de Dilma Rousseff], com escritórios, drones, bonecos infláveis, adesivos. Muito dinheiro foi colocado por empresas nestes movimentos para fazer os protestos já que havia interesse em alimentar a crise no país”, afirmou o especialista.

António Flávio Testa, da UnB, também admite que a possibilidade de se repetirem protestos em massa seja pequena mesmo num cenário de muitas denúncias de corrupção envolvendo o Governo de Michel Temer. “A classe média quando foi para as ruas foi por indignação, mas eu sinceramente acho que o comportamento dos brasileiros neste momento indica que eles não vão se mobilizar”, concluiu.  

Carolina de Ré-Exclusivo Lusa/Plataforma

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