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Brasil evangélico

O crescimento vertiginoso do número de evangélicos, uma corrente protestante do cristianismo, nas últimas décadas está a mudar a forma de fazer política no Brasil. Ao andar pelo Congresso do país não é raro ver orações, celebrações religiosas e evocações a “Deus” nos discursos de parlamentares, que segundo as leis do país deveriam separar a sua fé dos temas de interesse do Estado. 

Este fenómeno não é essencialmente local, embora ganhe caraterísticas próprias na nação sul-americana. Nas democracias modernas é comum perceber referências a símbolos religiosos em discursos e rituais solenes. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Presidente eleito faz um juramento sobre a Bíblia na cerimónia de posse.

 No Brasil, o apelo à religião está presente no cerimonial, mas é também apresentado como um elemento moralizante dentro de um conturbado cenário político e social, corroído por inúmeros escândalos de corrupção.

Um exemplo disto aconteceu este ano, quando dezenas de parlamentares citaram “Deus” para justificar seu voto em favor do afastamento a ex-chefe de Estado Dilma Rousseff, cujo partido está intrinsicamente envolvido em escândalos de desvios de dinheiro público, mas que foi acusada e condenada por ter cometido crimes fiscais.

A maioria destas evocações a “Deus” nas votações, que foram transmitidas ao vivo em rede nacional e chamaram a atenção graças ao moralismo e até mesmo pelo facto de que muitos oradores que evocaram a religião e a luta contra a corrupção depois acabaram envolvidos em escândalos, foram feitas por membros da Frente Parlamentar Evangélica.

Este grupo é composto por integrantes de diversos partidos que, segundo o seu líder, o deputado federal João Campos do Partido Republicano Brasileiro (PRB), hoje possui 93 adeptos, 87 deputados federais e seis senadores.

“Criamos a Frente Parlamentar Evangélica para defender assuntos relacionados com a nossa fé e atuar de forma organizada. Não vemos nenhuma dificuldade em sermos religiosos e atuarmos politicamente porque a nossa fé acompanha-nos no dia a dia, em qualquer atividade que fazemos”, explicou João Campos.

Membro da Igreja Assembleia de Deus, que tem pelo menos 12,3 milhões de fiéis e é considerada a maior organização evangélica do Brasil, conforme o último levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), João Campos tem sido um ferrenho defensor de valores cristãos que considera maioritários entre a população brasileira.

 “Achamos que somos conservadores, a nossa formação cristã nos dá isto. Lutamos para preservar os valores do cristianismo. O Brasil é um país religioso e cristão historicamente. O povo é religioso, não dá para separar o povo do Estado”, defendeu.

O professor Ricardo Mariano, do Departamento de Sociologia e Política da Universidade de São Paulo (USP), lembrou que a expansão da atividade política dos pentecostais (vertente evangélica que acredita no caminho da salvação e no apocalipse), que hoje é maioria na bancada evangélica no Congresso brasileiro, tornou-se mais relevante da década de 1980.

“Por muitos anos, a política foi considerada uma prática maléfica até mesmo associada ao demónio pelos evangélicos. Esta visão foi mudando ao longo do tempo. Eles decidiram atuar com mais força na esfera política na década de 1980, principalmente porque acreditavam que a Igreja Católica poderia obter privilégios junto do Estado”, apontou.

Para o professor, os evangélicos pentecostais ganharam força política ao inaugurar o que denominou de discurso de pós-verdade, baseado principalmente em teorias da conspiração que defendem que o Brasil é uma ditadura gay, por exemplo, para mobilizar eleitores.

“Eles lançaram o slogan ´irmão vota em irmão´ para ter representatividade. Também adotam a teologia da prosperidade como um projeto de dominação que procura evangelizar a tudo e todos. Claro que este grupo não quer deitar abaixo a democracia no Brasil, mas sim impedir que temas antibíblicos e antimorais sejam protegidos pela lei”, ponderou.

As propostas aprestadas pelos evangélicos no Congresso podem causam impacto negativo no Estado brasileiro já que algumas apoiam-se na discriminação, como é o caso do Estatuto da família, que só reconheceria a união de casais heterossexuais, na visão do especialista da USP.

João Campos, por outro lado, defendeu que os ideais do grupo que representa não são discriminatórios nem contra as mudanças que aconteceram na sociedade, mas apenas defende os preceitos da Bíblia.

O deputado contou que age principalmente em defesa da família natural (composta por um homem, uma mulher e seus descendentes), a favor de leis que impeçam o aborto, pela liberdade religiosa e pela aprovação de normas contra o ensino de doutrinas de esquerda nas escolas.

Antes de se dedicar à liderança da frente evangélica, este político tornou-se conhecido por ser autor de um projeto que pretendia regulamentar o tratamento psicológico voltado para atender homossexuais que quisessem tornar-se heterossexuais, prática vedada pelo Conselho Nacional de Psicologia do Brasil, que ficou conhecido como “cura gay”.

A procura por cargos nos quais possam defender a moral cristã não se dá apenas no Congresso. Evangélicos já se candidataram diversas vezes o cargo de Presidente do Brasil.

A tentativa melhor sucedida aconteceu em 2002, quando o ex-governador do Rio de Janeiro Antony Garotinho ficou em terceiro lugar nas presidenciais.

Em 2014, dois candidatos disputaram a eleição, Marina Silva, da Rede Sustentabilidade, e o pastor Everaldo, do Partido Social Cristão (PSC). Embora tenha ficado também em terceiro lugar, Marina Silva descola-se desta corrente por ter declarado que não milita a favor das bandeiras religiosas.

Nas eleições para prefeito de Câmara realizadas em todos os municípios do Brasil este ano, Marcelo Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, conseguiu ser eleito e dirigirá a cidade do Rio de Janeiro, segunda maior do país, a partir de 2017.

Maria Carolina de Ré – Exclusivo Lusa/Plataforma

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