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O maior da Ásia

O departamento de Português da Universidade de Macau é considerado o “maior da Ásia”, mas têm surgido notícias aludindo a um possível desinvestimento. 

Enquadrado na Faculdade de Artes e Humanidades, o departamento de Português é considerado o maior da Ásia, sendo composto por perto de 30 docentes e investigadores.

“Hoje, a língua Portuguesa é a quinta mais falada no mundo, contando com aproximadamente 210 milhões de falantes nativos, além de que se está a tornar uma língua internacional”, lê-se na página oficial da Universidade. “É a língua oficial de oito países: Portugal, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Timor-Leste, bem como a segunda língua oficial da RAEM e a terceira língua oficial da Guiné Equatorial. É também a língua oficial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, uma das línguas oficiais da União Europeia, bem como do Mercosul e da União Africana.”

O departamento de Português garante programas de licenciatura e de pós-licenciatura: uma Licenciatura de Artes em Estudos Portugueses e um Minor em Estudos Portugueses, bem como um Mestrado de Artes em Língua e Cultura Portuguesa e Estudos de Tradução, e um Doutoramento em Linguísticas ou Estudos Culturais e Literários. 

Recentemente, o departamento foi notícia por, no semestre que se iniciou em Janeiro, terem fechado 35 cursos de Português na Universidade de Macau — na vertente obrigatória, facultativa e incluída no regime que se chama ‘General Education’ (GE) —, além de terem sido dispensados dois professores em regime de tempo parcial. “No que toca aos cursos opcionais, de fora ficaram 70 alunos que já tinham feito a pré-inscrição e que, com o encerramento de seis turmas, tiveram de escolher outra cadeira”, noticiou em Março o PLATAFORMA MACAU. Na altura, as responsáveis da Universidade de Macau garantiram tratar-se de um decréscimo normal no segundo semestre. 

Segundo os números fornecidos pela própria Universidade de Macau, no primeiro semestre do ano letivo de 2014/2015, havia 120 cursos de Português, enquanto no segundo semestre, esse número desceu para 113. Em 2015/2016, se, na primeira metade do ano letivo, o número ascendia a 137, no semestre subsequente havia um total de 102 — menos 35 do que no semestre anterior e menos 11 do que no período homólogo do ano letivo anterior. 

Recorde-se que tudo começou depois de um comunicado da Universidade de Macau, emitido em Dezembro do ano passado, de que não deveriam continuar a oferecer Português como disciplina opcional para os estudantes de cursos que não integram o departamento. 

A notícia já havia sido divulgada pela Rádio Macau e foi confirmada pelo comunicado da Universidade, que explicava que “infelizmente, a maior parte dos alunos que escolhiam a cadeira” de Língua Portuguesa I – Introdução ao Português, oferecida como cadeira opcional, “normalmente paravam quando atingiam o nível 1”, ou seja, só faziam um semestre. Assim, “para evitar o desperdício de recursos” e “encorajar os alunos a continuarem a estudar português”, a Universidade revelava que iria integrar a cadeira num “programa minor de Estudos Portugueses no ano letivo de 2017/2018”, dentro do qual os alunos terão de completar 18 créditos. 

O novo diretor do departamento de Português, Yao Jingming, em entrevista ao PLATAFORMA Macau, afirmou que a Universidade de Macau não quer reduzir os recursos do ensino da língua, mas antes “otimizá-los”. No atual semestre, abriram 17 turmas de Língua Portuguesa I, duas de Língua Portuguesa II e uma de Português III. “Tendo em conta a situação, há realmente a necessidade de equilibrar os cursos do primeiro nível e os de outros níveis a fim de que os alunos possam ter uma aprendizagem contínua e persistente em vez de passageira”, conclui. Porém, no próximo semestre, prevê que até haja mais turmas na vertente facultativa, uma vez que, até ao momento, o número dos alunos a fazer a pré-inscrição já ultrapassou os 400. 

yao

Em busca da “otimização”

O poeta e tradutor Yao Jingming tem vários planos para “otimizar” o funcionamento do departamento de Português da Universidade de Macau. O novo diretor declara, em entrevista ao PLATAFORMA MACAU, que, além de uniformizar os materiais pedagógicos e de preparar a sua adaptação à realidade local, está a procurar aperfeiçoar os programas e metodologias, implementar um plano de leitura e a preparar a criação de um centro de ensino e formação do chinês e do português. Numa extensa entrevista, afirma ainda que há muitos alunos a chegar às instituições de ensino superior mal preparados no que toca ao português. E avisa que é preciso definir-se uma política de ensino e mudanças ao nível pré-universitário, de forma a que haja mais talentos bilingues.

 

Enquanto diretor do departamento de Português da Universidade de Macau, quais são os seus planos?

Yao Jingming- Gostaria, primeiro, de melhorar os programas que estamos a oferecer aos alunos — estamos a uniformizar os manuais e materiais pedagógicos (…). É uma coisa técnica, mas temos de fazer isso para que o ensino seja mais coerente e sistemático.

Os chineses têm características diferentes dos ocidentais — preferem ter uma coisa clara e coerente (…). A Universidade de Macau já ensina há muito tempo, mas nunca tivemos materiais nossos. Sempre usámos materiais ou manuais de outros — agora há muitos materiais, em Portugal ou na China Continental. Também queremos arrancar com uma série de manuais e materiais pedagógicos, próprios para os estudantes locais. Se calhar, podemos introduzir mais conteúdos culturais de Macau, para que os alunos se sintam familiarizados com o conteúdo desses materiais.

Esses novos manuais serão feitos pelo departamento de Português?

Y G-O grupo de professores está a trabalhar para ver o que pode oferecer à Universidade. Temos outro projeto que passa por elaborar materiais de leitura destinados aos alunos — vamos escolher textos com diversas temáticas, para que os alunos fiquem mais sensibilizados para a cultura portuguesa, mas também dos países lusófonos. Esse material vai ser abrangente, de referência à cultura portuguesa, brasileira e também à dos outros países de língua portuguesa. (…) Vai incluir áreas como História, Literatura, Música, Arte. 

Quando os alunos aprendem uma língua, também precisam de uma boa preparação em conhecimentos gerais — às vezes, essa falta de conhecimentos gerais condiciona a aprendizagem da língua. A línuga é que carrega a cultura.

Depois, temos outro plano que queremos pôr em prática — um plano de leitura. Se calhar vamos começar já a partir do próximo semestre. Vamos escolher um número determinado de livros para dividir pelos estudantes. Vão ter diferentes livros para ler. Tem de ser uma coisa obrigatória, ainda estamos a pensar nesse sistema, como é que fazemos a avaliação contínua associada à leitura.

Que autores farão parte desse plano de leitura?

Y G-Já foi criada uma comissão — estão a ver e a escolher as obras; também poderão integrar livros em chinês, bilingues (…). O nosso curso não tem sido bem aproveitado. Escritores como Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco e até autores locais como o Senna Fernandes [Henrique], todos têm obras traduzidas para chinês. Temos de obrigar os alunos a ler mais.

A ler mais em português?

Y G-Em português e em chinês. Para ser tradutor ou para trabalhar como professor e até como empresário, só dominar a língua não é suficiente, tem de se ter uma visão mais alargada. 

Além disso, no seio da Universidade, vamos criar um centro de ensino e formação do chinês e do português, com o objetivo de aperfeiçoar do nosso curso. Se calhar vai definir objetivos e funções de uma forma mais clara (…); vamos introduzir uma metodologia para tentar trazer algumas mudanças ao curso atual. Estamos a recrutar o diretor — exigimos que seja bilingue e que também tenha experiência de administração.

Quanto deverá o centro iniciar funções? 

Y G- Em breve. 

Já tem um diretor em vista?

Y G-Já foi lançado o concurso para essa pessoa. 

Houve muitos candidatos?

Y G-Ainda não sei, mas o processo já começou.

Quanto tempo leva esse processo?

Y G-Entre três e quatro meses.

Esse centro vai ter também como missão formar professores de português, de Macau ou da China Continental. Agora o IPM [Instituto Politécnico de Macau] está a fazer isso, mas queremos fazer de uma forma diferente. A nossa Universidade é única na Ásia — só a nossa Universidade, além do mestrado, tem também doutoramento.

Essa missão de formação de professores é para responder ao apelo do Governo, que vai apostar mais no português e também pretende generalizar o português nas escolas primárias e secundárias. Tem de haver mais professores de português para satisfazer as necessidades.

Há espaço para a Universidade de Macau e o IPM terem a seu cargo a formação dos professores?

Y G-Agora o IPM está vocacionado mais para professores deles (do IPM) e também da China Continental, mas também teremos de formar professores das escolas primárias e secundárias, além de formar professores da China Continental. (…) Esse centro em princípio está vocacionado para a formação de professores locais e da China Continental. 

Nos últimos tempos, saíram várias notícias na imprensa que davam conta de uma diminuição do número de cursos opcionais de português. Há um desinvestimento da Universidade de Macau no departamento?

Y G-A Universidade não tem vontade de reduzir os recursos do ensino do português. Pelo contrário, quer otimizar esses recursos. Por exemplo, o português oferecido pelo meu departamento pode ser dado como uma cadeira opcional — essa cadeira está aberta a todos os alunos. Se calhar, no primeiro semestre há um número muito elevado que opta pelo português, mas, depois de ter uma nota mais ou menos boa, chegando ao segundo semestre, já não quer aprender mais [português]. Por isso, queremos possibilitar que  mais optem pelo minor — se quiser, o aluno pode aprender por dois anos, para que de facto possa aprender alguma coisa. 

As notícias davam conta de que havia muitos alunos que queriam entrar neste curso, vertente opcional, mas não podiam, por falta de turmas suficientes.

Y G-No primeiro semestre, há sempre muitos alunos que querem entrar nessa cadeira — 500 ou 600. Não temos assim tantos professores para esta cadeira. Quanto a estes alunos que optam por português no primeiro semestre não me parece que sejam pessoas que querem mesmo aprender. A Universidade quer otimizar. 

 

A ideia não é reduzir o peso do português, mas otimizar os recursos existentes?

Y G-Cada vez tem mais peso o curso de Português da Universidade, sobretudo agora que Pequim está a apelar para dar mais importância à língua portuguesa. A Universidade também quer responder a este apelo, e, por isso, vai criar este centro. 

O departamento de Português está também à procura de mais professores. Conseguiram recrutar mais alguém?

Y G-Este ano temos uma vaga, o concurso ficou concluído — vamos ter mais um professor bilingue. Será chave para esse departamento. No futuro, não sei. Gostava que mais professores bilingues integrassem a Universidade.

É fácil encontrar esses professores bilingues?

Y G-Não é fácil. Aqui é muito difícil. Talvez [possamos encontrar] na China Continental, uma vez que as nossas condições salariais ainda são atraentes. 

Isso também é um problema de Macau — há muitas pessoas que falam português, mas não há muitos tradutores de qualidade. Há [alguns], mas não são suficientes. O IPM e a Universidade de Macau formam muitos estudantes, mas quais são os alunos que conseguem ser tradutores muito competentes? Não faço ideia.

Por que isso acontece?

Y G-Costumamos comparar os alunos de Macau com os alunos da China [Continental], sobretudo de Pequim. Na China, para entrar no curso e aprender a língua portuguesa, os alunos têm de passar um exame nacional — há sempre uma concorrência muito grande, por isso, aqueles que conseguirem entrar já são talentos ou já têm boa preparação.  Precisamos de alunos bem preparados para começar a aprendizagem da língua portuguesa. Caso contrário, é um pouco difícil formar alunos da mesma qualidade dos alunos de Pequim. Por isso é que o Governo aposta no ensino da língua portuguesa — mas devia elaborar uma política muito nítida a longo e médio prazo. Não é uma questão de dinheiro, tem de criar uma política, tem de criar um mecanismo eficaz para promover a qualidade desse ensino. Tem de elaborar manuais e materiais apropriados aos alunos de Macau. (…) Na escola secundária usam materiais de Portugal. A tendência é generalizar o português, mas é realista? Não. Para aprender uma língua, é preciso primeiro ter motivação — é ter uma saída [profissional], um futuro, caso contrário não temos motivação para aprender essa língua. Qual é o futuro para um aluno? Entrar na função pública. Pode seguir direito — ser advogado ou jurista. Mas as empresas não precisam de pessoas que falam português — precisam mais de pessoas que falem inglês do que português. Não vejo que os alunos locais estejam muito motivados para aprender.

Não havendo suficientes saídas profissionais, como é que se cria essa motivação?

Y G-Não se pode generalizar o ensino de português em todas as escolas secundárias e primárias. Devíamos concentrar o ensino nalgumas escolas.

Em que escolas?

Y G-Algumas, não todas — quatro, cinco ou seis. Seriam escolas destinadas ao ensino e aprendizagem da língua portuguesa. Assim, essas escolas abririam portas para aqueles que querem mesmo aprender português, que têm motivação — não seria aprender para ter uma nota ou passar o exame. As nossas universidades continuam a admitir alunos que não estão muito bem preparados.

Concentrando o ensino do português nalgumas escolas, não se lhe está a retirar alguma importância?

Y G-Não. As outras escolas podem continuar a ter o português — segundo a DSEJ [Direção dos Serviços de Educação e Juventude], o português é a segunda língua. Continuaria, mas nestas escolas, se calhar, haveria um peso mais forte do português — ou, se calhar, nos primeiros dois ou três anos, o curso seria ministrado em português e chinês, mas, mais tarde, poderia ser só em português. 

Não é já o que acontece em Macau, em escolas como a Escola Portuguesa?

Y G-A Escola Portuguesa é totalmente em português, mas não tem muito peso em chinês. Não são bilingues. Isso é um problema. A aprendizagem não é equilibrada. Se calhar, na Escola Portuguesa — é uma escola privada — se o chinês fosse uma cadeira obrigatória, seria muito positivo para os alunos. Então, os alunos poderiam dominar o português na escola secundária, mas tinham também o inglês e o chinês.

Com o centro e através da criação de manuais adaptados a Macau, haverá mais alunos de português na Universidade de Macau?

Y G-Acho difícil, mas porque não temos mais professores para oferecer mais cursos. Prefiro que com esta equipa o curso se aperfeiçoe.

Falou de mudanças nos cursos de português — além das metodologias, haverá mudanças também nas cadeiras?

Y G-Cadeiras também. E estamos a aperfeiçoar o nosso programa de intercâmbio. Os alunos vão ao Brasil ou Portugal fazer estágio por um semestre, mas agora queremos que esse sistema seja mais exigente, para que eles possam aprender alguma coisa. 

É uma forma de garantir que os programas de intercâmbio cumprem os seus objetivos?

Y G-Sim. E também temos outra ideia — dar-lhes mais oportunidades de prática, (…) fazer mais contactos com a língua e com as pessoas que falam esta língua. (…)

O Yao não é nativo de língua portuguesa. Isso é relevante para exercer este cargo?

Y G-Não é. Sou a pessoa há mais tempo na casa — entrei na Universidade de Macau em 1994. (…) 

Os colegas que vêm de Portugal poderão olhar para si com algum descrédito, por não ser falante nativo da língua?

Y G-Isso é Macau. Se calhar, não falo tão bem como os nativos, mas, para dirigir este departamento, não é uma questão de língua — interessa se tens ideias, se tens planos. Se calhar, falas muito bem, mas não tens ideias, não sabes como dirigir. (…) Ser um diretor português ou chinês não é uma questão — o mais importante é que a pessoa tenha ideias e vontade de trabalhar. (…)

Resumindo, para que tenhamos um bom aluno de português, ao nível universitário, o que é necessário?

Y G-O ensino devia ser muito coerente e tem de começar logo na escola primária e secundária. Assim, os alunos podem ficar bem preparados e a Universidade pode admiti-los, com mais qualidade e bem preparados. 

Os alunos chegam à Universidade mal preparados?

Y G-Alguns sabem alguma coisa, mas os bons e os maus estão misturados. 

Como implementar o português desde o ensino primário?

Y G-Primeiro, há que avançar com uma política de língua portuguesa, a médio e longo prazo. Tem também de se incentivar os alunos a aprender a língua — se eles não tiverem uma motivação muito forte, aprendem uma cadeira opcional, mas não aprendem muito bem.

Os alunos da China Continental já sabem o que querem quando entram na Universidade. (…) O primeiro-ministro da Républica Popular da China esteve de visita e frisou que Macau tem de se tornar uma base de formação de bilingues. Mas falamos sempre do ensino de português, da formação de talentos, só vocacionado para Macau, (…) mas tem de se abrir portas ao mercado da China Continental. Macau também está a fazer isso — a minha Universidade tem alunos bilingues da China Continental, mas que não podem permanecer [no território] depois de acabar o curso. Não há uma política de talentos. (…)

Havendo poucas saídas profissionais, faz sentido que haja quatro ou cinco instituições de ensino superior a lecionar português?

Y G-São universidades privadas, têm autonomia. Não interessa muito ter muitos cursos, o que interessa é formar talentos de qualidade e qualificados. Macau não tem muitos bilingues muito competentes. O número não interessa — a qualidade interessa mais. (…)   

Luciana Leitão

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