A China é hoje a maior financiadora de projetos de energia em países em desenvolvimento, com dois terços do capital a patrocinar centrais a carvão. Os riscos são cada vez maiores, alerta um estudo da Universidade de Boston.
Os bancos chineses de fomento são hoje os principais financiadores em crédito ao desenvolvimento de projetos energéticos, mas os portefólios de instituições como o Banco Chinês de Desenvolvimento e o Banco de Exportações e Importações da China estão cada vez mais expostos ao risco dos países devedores e de fontes que contrariam os objectivos de combate às alterações climáticas e que poderão ficar obsoletas à luz de nova regulamentação.
A conclusão é de um estudo da Global Economic Governance Initiative (GEGI), da Universidade de Boston, que recomenda diversificação e aposta em renováveis, numa altura em que o capital de origem chinesa ganha cada vez maior relevo na construção de infraestruturas em todo o mundo, seja em iniciativas bilaterais ou ao abrigo de instâncias multilaterais como o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas (BAII).
O estudo, publicado este mês, foi conduzido por Kevin P. Gallagher e Rohini Kamal, associados à Universidade de Boston, e por Yongzhong Wang, do Instituto para a Economia e Política Mundiais da Academia Chinesa de Ciências Sociais. Os investigadores produziram os primeiros dados de natureza exaustiva sobre o crédito concedido pela China a projetos energéticos, concluindo que o país lidera hoje o financiamento deste setor em países em desenvolvimento – muito à frente de instituições como o Banco Mundial ou de bancos de fomento regional no quadro das suas operações na Ásia, África ou América Latina.
“Com a emergência de uma nova família de fundos e bancos multilaterais cofinanciados pela China [BAII e Novo Banco de Desenvolvimento], a China prepara-se para ser a maior credora no desenvolvimento do mundo, num momento em que os bancos multilaterais de desenvolvimento suportados pelo Ocidente aparecem estagnados na sua capacidade de aumento das bases de capital”, afirmam os autores.
No total, Banco Chinês de Desenvolvimento (BCD) e Banco de Exportações e Importações da China (Exim Bank China) concentram ativos internacionais na ordem dos dois biliões de dólares norte-americanos – mais do dobro do que tem o conjunto das instituições multilaterais de matriz ocidental. Mais de um terço dos ativos chineses, 684 mil milhões de dólares, reflete crédito a países terceiros, onde o financiamento de projetos energéticos – em grande parte centrais a carvão, refinarias e barragens – ocupa uma parte considerável.
Segundo o estudo, entre os anos de 2005 e 2014, os dois bancos de fomento chineses concederam 128 mil milhões de dólares para infraestruturas de produção e distribuição de energia, equiparando-se este volume ao total de financiamento por bancos multilaterais de desenvolvimento de matriz ocidental como o Banco Mundial – 118,9 mil milhões de dólares. Isolado, o Banco Mundial, a maior instituição multilateral de crédito ao desenvolvimento, concedeu apenas 72,2 mil milhões de dólares no mesmo período.
A maioria do financiamento chinês, 80 por cento, visa projetos de geração de eletricidade, seguindo-se infraestruturas de transmissão e distribuição de energia (13 por cento), e projetos de extração e refinaria de combustíveis (7 por cento). Do volume total de crédito, 93 por cento serviu a construção de centrais termoelétricas a carvão e barragens, com projetos de gás natural (2 por cento) e petróleo (5 por cento) a obterem reduzido financiamento. Assim como o setor da energia eólica (1 por cento).
Na última década, a China apoiou projetos de geração de energia a partir do vento no Equador e Etiópia, e outro de energia solar no Sudão. A concentração do financiamento em energias renováveis tem uma expressão de 28 por cento, mas apenas porque a construção de barragens envolveu 27 por cento do crédito disponibilizado. Em contrapartida, dois terços do total investido em energia foi canalizado para centrais a carvão em todo o mundo – 45 até ao ano passado, com 28 mil milhões de dólares em empréstimos.
Trata-se, para os autores do estudo, de um problema – e por vários motivos. Segundo estes, as carteiras de ativos do BCD e Exim Bank China concentram cada vez mais riscos: relativos aos países destinatários do financiamento, macroeconómicos, sociais e de caráter ambiental.
“Os bancos de fomento chineses estão envolvidos em países com rating de risco de país mais negativo e em empréstimos garantidos por matérias-primas em risco de stress dada a queda dos preços das matérias-primas e crises macroeconómicas que lhe estão associadas no mundo em desenvolvimento”, diz o estudo.
Por um lado, a China tem sido garantia de financiamento a vários países onde não operam instituições como o Banco Mundial e onde a notação de risco de país é elevada, como é o caso do Paquistão, Venezuela, Argentina, Etiópia, Níger, Sudão e Bósnia e Herzegovina, aos quais a OCDE atribui o rating 7, indicador de maior nível de risco numa escala de zero a dez.
Por outro lado, o país tem desenvolvido em relação a vários destes devedores esquema de financiamento em que o crédito é garantido contra receitas de vendas de produtos primários, como os combustíveis – nalguns casos, também cobre, diamantes e cacau). É o caso em metade do volume de crédito concedido ao exterior. A queda dos preços das matérias-primas – 19 por cento desde Agosto de 2005, nos dados do Fundo Monetário Internacional – vem pôr em causa a capacidade de pagamento.
Atualmente, o Banco Mundial limita já o financiamento de centrais a carvão a casos onde não exista qualquer alternativa energética viável e, nos mercados financeiros, agências de rating e investidores estão a reavaliar os riscos do setor. Um estudo recente da Universidade de Oxford estima que centrais com uma capacidade total de 290 Gigawatts venham a ser encerradas frente a nova legislação ambiental a ser implementada até 2020.
Os custos sociais da geração de energia a partir do carvão em projetos financiados pela China são estimados em 29,7 mil milhões de dólares anuais, com emissões de dióxido de carbono calculadas em 594 milhões de toneladas métricas por ano.
Maria Caetano