Início Opinião Paulo Rego – UM CASO INÉDITO DE AUTONOMIA INTERNACIONAL

Paulo Rego – UM CASO INÉDITO DE AUTONOMIA INTERNACIONAL

 

O referendo que chumbou a independência da Escócia terá surpreendido meio mundo. Afinal, a maioria prefere o “sense of belonging” britânico, com alto grau de autonomia condicionada, ao presente – quem sabe se envenenado – de gerir o destino com as próprias mãos. O maior lamento ter-se-á feito sentir na Catalunha, que via neste processo um farol que iluminaria o sonho quase obsessivo de uma independência que esbarra na defesa incondicional da unidade constitucional espanhola. Mas há realidades diferentes, criativas e pragmáticas a demonstrarem que os regimes não se pintam só a preto ou a branco. Vem do Brasil o exemplo mais intrigante de afirmação internacional por parte de um Estado que menoriza velhos tiques independentistas, adotando uma estratégia de globalização que, sendo inédita, prova ser compatível com os padrões clássicos da diplomacia, respeitando a unidade nacional e o interesse geral da Federação. Em dois anos, a Assessoria para as Relações Externas do Estado de São Paulo selou acordos bilaterais com potências como os Estados Unidos da América, a França ou o Canadá, sem com isso provocar qualquer constrangimento no Palácio do Planalto, em Brasília, uma vez que essas relações diretas são circunscritas aos direitos e obrigações dos governos estaduais, nas áreas específicas das suas competências: educação, saúde, segurança pública, infraestruturas…

No quadro pluriconstitucional chinês, o exemplo de São Paulo pode ser inspirador em contextos particulares como o das regiões administrativas especiais; quiçá mesmo para a Grande Região do Delta do Rio das Pérolas, que conta em Cantão com um centro centenário de competências no quadro da globalização chinesa. Não há no Brasil qualquer necessidade de reformatar o quadro legal, nem se levanta qualquer conflito de natureza constitucional. O que vinga é a leitura flexível segundo a qual há carências e ambições que podem ser cumpridas no contexto local, nacional, regional ou internacional. O que há de melhor para uma cidade pode ser encontrado ao virar da esquina, mas pode também estar do outro lado do Planeta, conforme explica Ricardo Tavares, “ministro das Relações Exteriores do Estado de São Paulo”, em entrevista à Antena 1 que publicamos na página 13.

Por ser no Brasil, por ser criativo e moderno, por merecer o reconhecimento de várias potências mundiais, este exemplo levanta questões interessantes também para Macau. À luz do projeto lusófono chinês, a formalidade da diplomacia clássica no Fórum Macau, ou o apoio tradicional às associações lusófonas, serão as únicas formas de potenciar resultados? Quais são os limites que o quadro legal e o interesse estratégico da China, de facto, querem impor à RAEM? Faria ou não sentido permitir e potenciar acordos bilaterais, concretos e ambiciosos – e não abstratas geminações – com o Estado de São Paulo, com a província angolana do Bié, ou até com países como Portugal ou Moçambique?

Cada nação é o que é, com a sua agenda de interesses, a sua cultura política, a sua interpretação do mundo, o seu enquadramento legal e o seu potencial de afirmação. Mas numa altura em que se vive uma grande transformação política em Macau, está quiçá chegada a hora de também se repensarem os formatos em que melhor poderá ser cumprida a missão de ser uma plataforma entre a China e o Mundo, em particular pela via dos países de língua portuguesa.

São Paulo é uma potência económica de dimensão mundial, com uma experiência de governação e uma ambição planetária que não se compara à de Macau. O que pode estar aqui em equação não será nunca copiar um modelo, fazendo-o migrar para uma realidade diferente. É apenas mais uma oportunidade de se abanarem as consciências, no sentido de todos percebermos, em Macau e na China, que os limites formais nem sempre são o que parecem.

 

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