Início » PAISAGISTAS SEM VOZ

PAISAGISTAS SEM VOZ

 

Arquiteto defende maior presença de paisagistas no planeamento urbano

 

Cidade doente, cinzenta e cercada. Falta a Macau um planeamento urbano mais verde e centralizado, onde os vários departamentos governamentais comuniquem e pensem na cidade como um todo. Francisco Vizeu Pinheiro, arquiteto, chama a atenção: “Enquanto estiver cada um a pensar no seu umbigo, em vez de pensar na cidade como um todo, numa discussão que inclua cidadãos e o mundo académico, então é muito difícil curar o doente”.

Os paisagistas também têm de fazer parte deste debate, alerta o também professor de Políticas Ambientais e Planeamento Urbano da Universidade de São José. “Não têm tido quase nenhum papel” na conceção urbana de Macau, nota.

PLATAFORMA MACAU Qual é a importância dos espaços verdes urbanos e que relação é que estes têm com o bem estar da população?

FRANCISCO VIZEU PINHEIRO – Os espaços verdes urbanos – sobretudo as árvores – são o coração da cidade verde. Todos os outros meios mecânicos de captação das fontes de energia, de redução de consumo são de alguma maneira secundários à função principal, que é converter as partes tóxicas, o dióxido de carbono e outros elementos em ar puro.

Sem essas zonas verdes, então o ambiente torna-se tóxico. Não é possível o planeamento de uma cidade verde, moderna ou sustentável sem dar prioridade às zonas verdes – tanto a uma escala maior, como parques ou jardins ou a uma escala menor, como pequenos pátios ou zonas com árvores nas ruas. Sem esse planeamento, então não vivemos numa cidade verde, mas cinzenta.

 

P.M. É o caso de Macau?

F.V.P. – Não podemos generalizar, mas penso que a maior parte das pessoas vive numa zona cinzenta. Por exemplo, cada cidadão pode responder a essa pergunta se, ao olhar para a janela da sua rua, conseguir ver ou não árvores. Se não existirem árvores, então está numa zona tóxica da cidade.

 

P.M. Há cada vez menos espaços verdes?

F.V.P. – Sim. Esta é também uma questão de planeamento. Infelizmente, em Macau, há muito poucos paisagistas e no planeamento urbano que se tem feito, estes profissionais não têm tido quase nenhum papel. A função e orientação académica e técnica dos arquitetos ou engenheiros é a construção, não é trazer esses elementos verdes e essa natureza à cidade.

 

P.M. Perante uma cidade que se ergueu sem um planeamento urbano verde, é possível ainda fazer a sua integração?

F.V.P. – Sim, é sempre possível. Podemos olhar para cidades de alta densidade, como Tóquio, onde surgiram os muros verdes em certas zonas e nos tapumes de construção.

Tudo o que seja adicionar áreas verdes à cidade é sempre uma melhoria.

Em Macau, podem aumentar-se as zonas verdes nos telhados ou nos terraços, nas fachadas dos edifícios, nos passeios.

Existem estudos científicos, que explicam qual o tipo de árvores e vegetação que se pode adaptar em Macau e que contribuem para essa desintoxicação da cidade. Quando há mais paisagem, a cidade torna-se mais humana.

Outro aspeto importante é ter plantas apropriadas e que purificam o ar em zonas interiores. A informação da população sobre a poluição em casa ou nos escritórios também é muito importante.

 

P.M. Mencionou zonas verdes em telhados. Já se vê um ou outro em Macau. 

F.V.P. – Há dois tipos de telhados verdes, alguns podem ter vegetação pesada, como árvores, outros vegetação ligeira. Muitos desses terraços, como em Singapura, são pequenas hortas.

Lembro-me da altura do Estado Novo em Portugal, as casas familiares tinham uma horta nas traseiras para plantar couves. Aliás, os chineses também o faziam e as couves contribuíam para a alimentação e para a economia da casa. Isso também faz parte da cidade verde e de ter uma alimentação mais saudável.

 

P.M. Quando um arquiteto começa um novo projeto, que cuidados deve ter para que seja um edifício amigo do ambiente?

F.V.P. – O primeiro cuidado é a atitude que o arquiteto tem. A humildade é a atitude principal. Não devemos projetar sozinhos, porque não sabemos tudo. Devemos ter na nossa equipa engenheiros e paisagistas. Penso que é muito importante esse trabalho de equipa. Temos de trabalhar com técnicos de ar condicionado, por exemplo, porque muitos gastos e consumo dos edifícios tem a ver com ar condicionado. Se fizer uma fachada de vidro neste clima vai gastar muito mais do que com outro tipo de fachada e, atualmente, há muitos estudos em explicam qual tipo de design de projeto pode ser mais eficiente em termos energéticos e de conforto ou até mesmo de higiene ambiental.

 

P.M. Nota por parte dos seus alunos sensibilidade e consciencialização ambiental quando ingressam no curso de Arquitetura?

F.V.P. – Sim, mas depende muito do professor, do interesse e da personalidade do aluno. Mas claro, o professor tem uma grande influência. Estou a falar dos estabelecimentos de ensino superior em geral

Na Universidade de São José procuramos dar uma componente muito forte no aspeto da sustentabilidade e da ecologia. Aliás, dois dos nossos professores andam com frequência de bicicleta, o  que é uma maneira de mostrar aos alunos como tornar a cidade mais verde.

 

P.M. Coloane vai conseguir aguentar-se como o pulmão da cidade?

F.V.P. – Coloane é um pulmão mas tem um cancro que está a avançar pela montanha no antigo Bairro da Esperança, que eram antigas habitações baixas para a reabilitação de drogados e depois foi um centro para a luta contra a SARS (síndrome respiratória aguda grave). Está lá agora uma torre enorme, sei que vão construir outra torre e, por isso, Coloane está cercada.

Penso que se pode reduzir a intensidade e densidade de construção em Coloane e em Macau e criar mais espaços verdes. A solução não é difícil, basta ter dois olhos para ver que existe a Ilha da Montanha e [a construção nesta área] é a recomendação de vários urbanistas, tanto a nível nacional, de Pequim, de Cantão, como de outras cidades que veem que Macau não tem espaço suficiente.

Não vale a pena começar a construir em zonas como o Porto Interior, que também não tem árvores, não tem vias que possam escoar esse trânsito. Quando se constroem torres de habitação como as que estão agora ali perto do Templo de A-Má, cada torre traz mais 50 ou 100 automóveis. Os espaços livres, muito deles, deviam ser convertidos em pequenos pátios, pequenos jardins, como aconteceu em Sevilha, em que a câmara municipal converteu casas abandonadas em pátios. Essas micro intervenções podem contribuir.

É preciso ter, por um lado, um planeamento centralizado. Depois, também é muito importante o input dos cidadãos de Macau. Portanto, há um input que é académico, que é técnico, depois há um input dos cidadãos.

 

P.M. Voltando a Coloane, qual seria o impacto em termos ambientais, do ar que respiramos, da qualidade de vida da população, se a ilha desaparecesse?

F.V.P. – Não tem apenas a ver com o fato de haver menos árvores ou zonas verdes, mas é também o equilíbrio psíquico do ser humano – de ter uma uma praia onde possamos nadar, onde aliás já não podemos porque está poluída.

Esse aspeto de ter zonas onde relaxar é muito importante. E, claro, o verde e o mar são importantes.

 

P.M. A Organização Mundial de Saúde diz que cada cidade deve ter no mínimo 9m2 de espaços verdes por habitante e idealmente entre 10 a 15m2. Como está Macau?

F.V.P. – Macau tem à volta de 7 m2 de espaços verdes por habitante, segundo alguns estudos, mas há diferentes medições. Às vezes contabilizam-se os espaços verdes que separam as vias de circulação de carros e, claro, isso não conta.

No entanto, as construções avançam e o território é o mesmo. Mas depois também existem os níveis de poluição. Por exemplo, Macau com autocarros elétricos e a diesel teria um ambiente completamente diferente, mesmo que existissem poucas zonas verdes. Há vários elementos que contribuem para o ambiente e muitas das cidades da China têm sido mais ativas, mais dinâmicas e mais criativas em proporcionar um ambiente verde do que Macau em que me parece que há uma grande preguiça, um bocado a doença de que é melhor não mexer para não fazer erros.

P.M. Que dicas daria ao cidadão para uma vida mais saudável? 

F.V.P. – Em Macau, as pessoas têm um estilo de vida que não é nada saudável. Em vez de andarem 15 minutos a pé pegam no carro. O facto de não andarem a a pé faz também com que ganhem mais peso. Seria também mais importante haver mais zonas onde as pessoas pudessem fazer exercício, andar de bicicleta e ter ruas só para peões. Não é difícil, isso faz-se em cidades como Nova Iorque, em cidades com grande densidade populacional.

 

P.M. Vê alguma relação entre a densidade populacional e a ausência de políticas para espaços verdes?

F.V.P. – Não, tem a ver com a criatividade, o cérebro, a tecnologia daqueles que estão a gerir o projeto e para isso é fundamental que o projeto de uma cidade tão pequena como Macau seja feito de uma maneira centralizada. Neste momento, o departamento do trânsito não faz o projeto da cidade com o departamento das Obras Públicas, com o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais ou o Instituto Cultural. Enquanto estiver cada um a pensar no seu umbigo, em vez de pensar na cidade como um todo, numa discussão que inclua cidadãos e o mundo académico, então é muito difícil curar o doente.

A cidade verde é uma cidade que convinha pensar já, porque vai afetar a reforma dos habitantes atuais. A Ásia, sobretudo a China, Japão e Coreia são sociedades que estão a envelhecer muito rápido. A China está à espera de ter 300 milhões de idosos acima dos 65 anos em 2050. Macau vai ter um nível semelhante e, portanto, a única forma de ter menos problemas de pulmões, de coração é ter menos poluição e ser um espaço mais verde. Convém já pensar no nosso futuro e no mundo que queremos deixar aos nossos filhos e netos. O verde é urgente, não é uma opção, precisamos mesmo de desintoxicar a cidade para ter um melhor ambiente.

 

Catarina Domingues

 

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!