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OS LIMITES DA PROPAGANDA

 

Neste momento em que nos aproximamos das eleições gerais de 15 de Outubro, surge uma excelente oportunidade para que os órgãos públicos da comunicação social voltem a gozar da confiança do público, agindo como verdadeiros agentes de informação credível e não contaminada pelos interesses de alguns indivíduos ligados ao poder.

Eles podem aproveitar esta oportunidade para, obedecendo à legislação e aos princípios profissionais que os obrigam a dar tratamento igual e equilibrado a todos os partidos e candidatos concorrentes às eleições, irem se afastando da atual tendência de se transformarem em simples instrumentos de propaganda de um poder que, quando confrontado com os desafios de ter que gerir uma sociedade pluralista, encosta-se na defensiva, esperando que ninguém tenha a ousadia de o censurar quando tal se afigura necessário.

Este é o momento para fechar o ciclo da propaganda e iniciar uma nova era de informação credível, debate profícuo e abrangente, em que a todos os setores da sociedade é dada uma oportunidade de se pronunciarem sobre a vida e o futuro do seu próprio país. A história já provou que a propaganda tem limitações muito graves. Primeiro, só os próprios propagandistas é que acreditam na sua própria propaganda; a sociedade, mesmo os menos esclarecidos, tem lentes suficientes para ver que o propagandista está apenas a tentar esconder a verdade. E não há pior coisa que alguém acreditar que está a aldrabar a uma pessoa que sabe que está a ser aldrabada.

Nos tempos do apartheid, o regime sul-africano investiu muito dinheiro na propaganda. O jornal Citizen, que hoje conhecemos naquele país, é produto desse esforço inglório de pretender mostrar ao mundo as virtudes de um sistema assente na segregação das pessoas em função da cor da sua pele. O escândalo de Muldergate foi tão sofisticado e envolveu tanto dinheiro que, quando foi despoletado, os militares aproveitaram-se dele para afastar do poder o então primeiro-ministro John Vorster. Não porque acreditassem que ele tivesse cometido algum crime, ao usar fundos do Estado para criar um jornal supostamente privado para servir de instrumento de propaganda, mas porque no seu entendimento, Vorster e o seu ministro da Informação, Connie Mulder, teriam sido demasiado incompetentes  na montagem do plano. Mas com tanto dinheiro gasto em propaganda para proteger o regime do apartheid, este não resistiu à pressão interna e externa que conjugou esforços para derrubar um sistema que já se havia tornado um crime contra a humanidade.

Obviamente que as situações são bem distintas, e a analogia talvez não se ajuste perfeitamente. Mas é simplesmente um exemplo para ilustrar que a propaganda não funciona mais do que apenas uma estratégia de curto prazo para adiar a solução de um problema que mais tarde terá que ser resolvido. A propaganda não conseguiu impedir que a racionalidade se apoderasse dos protagonistas do atual conflito político-militar em Moçambique, um conflito a que as partes envolvidas não encontraram outro meio para o seu fim, senão a via negocial. Na barragem de propaganda que caraterizou parte deste conflito, a imprensa pública saiu com a sua imagem bastante comprometida. Desconfiada, e por vezes até odiada pelo público. Conflitos internos não faltaram, à medida que profissionais de gabarito e inteligentes se sentiram revoltados em terem que acatar decisões tomadas fora das suas redações, reduzindo-os ao papel de meros papagaios. A oportunidade que as eleições de 15 de Outubro oferecem para se redimirem desse passado inglório é única. Se ela não for aproveitada, talvez outra não haverá. E o país todo só terá muito a perder.

Savana, editorial/Moçambique

 

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