Início Opinião Victor Igreja – OURO, DEMOCRACIAS E VIOLÊNCIA POLÍTICA

Victor Igreja – OURO, DEMOCRACIAS E VIOLÊNCIA POLÍTICA

 

Varias décadas após a descolonização portuguesa, a maioria dos países de expressão portuguesa em África, bem como Timor-Leste, na Ásia-Pacifico continua à espera dos frutos das independências. Embora se saiba que países como Angola, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor Leste são ricos em recursos minerais, do ouro ao petróleo, bauxite e gás, o uso desses recursos para o combate à pobreza e promoção do desenvolvimento não é ainda eficaz.

As elites dirigentes nestes países limitam-se a pedir sacrifícios e paciência aos seus povos, ao mesmo tempo que eles e suas familias enriquecem rapidamente. Os relatórios de organizações internacionais, como a Transparência Internacional ou o Departamento de Estado dos Estados Unidos da America, têm consistentemente reportado sobre o enriquecimento ilícito de vários dirigentes políticos em países de expressão portuguesa.

O crescente empobrecimento dos povos em países de expressão portuguesa e a falta aparentemente crónica de lideranças políticas sérias contribuem para a fragilidade das instituições democráticas e para o ressurgimento cíclico de conflitos internos armados.

Neste sentido, Moçambique é um dos exemplos mais gritantes do fracasso das lideranças politicas em estabelecerem bases éticas e institucionais credíveis para a consolidação da democracia e o combate efetivo à pobreza no país. Recorde-se que na década de 1990, a Organização das Nações Unidas considerou Moçambique como um exemplo de transição de uma guerra civil prolongada para a paz e democracia multipartidária. A Frelimo e a Renamo, antigos inimigos na guerra civil pós-colonial, conseguiram manter uma convivência um tanto ou quanto pacífica durante duas décadas e realizarem eleições multipartidárias mais ou menos aceitáveis. Mas após isso, o país mergulhou uma vez mais no conflito, opondo novamente a Frelimo e a Renamo. Isso resulta da incapacidade dos dois principais partidos políticos em transitarem dos aspetos formais da democracia para o estabelecimento de práticas de deliberação, construção e gestão de consensos políticos.

 Mas, o mais grave é que esta incapacidade de deliberar, construir e gerir consensos e desacordos políticos afecta a totalidade dos países de expressão portuguesa em África, incluindo Timor-Leste. Os partidos políticos vencedores consideram as vitórias eleitorais como um mandato absoluto para governar, o que significa governar sem consultas nem diálogos, e os partidos políticos na oposição são considerados, não como parceiros de governação, mas como um impedimento as pretensões absolutistas das elites no controlo das instituições do Estado. Os exemplos do MPLA, em Angola, sob a liderança há mais de duas décadas, do Presidente José Eduardo dos Santos; da Guiné-Bissau, que, depois de cerca de três décadas sob liderança do partido PAIGC e do falecido Presidente Nino Vieira, ensaiou um processo democrático falhado e hoje encontra-se nas mãos das Nações Unidas; de Timor-Leste, independente só há cerca de 10 anos; e de Moçambique, já referenciado – todos estes países experimentam profundas dificuldades similares de transformação dos princípios formais de democracia liberal em práticas democráticas no exercício diário do poder politico.

Como resultado da falta de diálogo e negociação permanentes entre as várias forças políticas, estes países vivem num clima constante de instabilidade politica e o recurso à violência política tem sido um instrumento fundamental na manutenção de certas elites dirigentes no controlo das instituições do Estado. A sociedade civil, por intermédio de varias organizações formais, que ainda poderia jogar um papel importante no reforço das práticas democráticas nestes países, infelizmente, na maioria dos casos, continua incipiente ou as organizações têm sido cooptadas pelos partidos políticos no controlo do Estado. Nestas condições, podemos afirmar que a democracia, o combate efetivo à pobreza e a promoção do desenvolvimento constituem apenas um projeto cujos resultados se advinham imprevisíveis na totalidade dos países de expressão portuguesa em África, e Timor-Leste.

Contudo, em certos círculos políticos nestes países existe uma esperança, real ou fictícia, de que a entrada de novos e gigantes parceiros económicos como a China e o Japão, poderão contribuir para ultrapassar algumas das dificuldades financeiras e humanas na exploração sustentável dos recursos minerais. O alcance desta esperança só o tempo o dirá.

 

Victor Igreja

Antropólogo moçambicano, professor na Universidade de Queensland, Austrália

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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