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Políticos em cena, jornalistas em risco

Felisbela Lopes, Professora catedrática da Universidade do Minho

No meio de um turbilhão de mudanças na esfera política, está em curso uma profunda alteração no modo como os políticos se relacionam com os jornalistas. O fenómeno é global, mas tem adquirido bastante virulência no espaço público mediático português, nomeadamente em espaços jornalísticos. E isso é preocupante.

Comecemos por comportamentos que um político deve adotar quando é entrevistado por um jornalista: ouvir a pergunta até ao fim sem interromper o que está a ser dito; respeitar o alinhamento da entrevista e não se sobrepor ao jornalista quando este procura introduzir uma nova questão; não contrariar ostensivamente aquilo que foi perguntado, quando na resposta é incapaz de apresentar argumentos que sustentem a sua tese; responder ao que lhe é solicitado; não olhar para o lado contrário àquele onde está o seu interlocutor, principalmente quando este está a interpelá-lo; não dizer frases do tipo “não leve a mal”, porque estas são interpretadas como interjeições que desvalorizam qualquer entrevistador; não gesticular acintosamente com a cabeça ou não fazer trejeitos faciais quando ouve as perguntas; não levantar a voz… Estas serão, decerto, aprendizagens que os nossos filhos desenvolvem em tenra idade para promoverem uma sã convivialidade social, mas, tendo em conta as entrevistas jornalísticas das últimas semanas, seria avisado que essas orientações integrassem uma espécie de manual de primeiros socorros de qualquer assessor político. Porque tudo isto anda muito longe daquilo que têm sido as práticas que testemunhamos em vários ecrãs noticiosos.

Fazendo uma extensão das práticas das redes sociais para os contextos noticiosos, vários políticos relacionam-se com os jornalistas como se estes fossem meros pés de microfone. Está errado. Um jornalista é um profissional de quem esperamos uma escrupulosa monitorização daquilo que está a acontecer. É no campo jornalístico que um político aceita submeter-se a perguntas centradas no interesse público daquilo que importa saber e que muitas vezes não coincide com aquilo que o entrevistado quer dizer.

Teoricamente, o modo como os políticos interagem com os jornalistas deve espelhar o respeito pelas regras democráticas e pela transparência intrínseca à esfera pública. Na prática, o crescente desrespeito por estes princípios, apoiado na espetacularização do poder em cena e na crescente influência das redes sociais, compromete a qualidade do debate público e enfraquece o papel do jornalismo enquanto pilar da democracia. É urgente reverter essa tendência, procurando que a relação entre políticos e jornalistas assente na seriedade, no rigor e no compromisso com a verdade.

*Artigo originalmente publicado no Jornal de Notícias

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