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Miopia portuguesa

Bernardo Mendia, Secretário-geral na Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa

As relações bilaterais entre Portugal e a China foram formalmente reconhecidas em 1979. Após 40 anos, a “saúde de ferro” caracterizava a conversa contínua sobre investimento e mútuos interesses. Portugal, com a sua longa tradição diplomática e comercial, reconheceu na China uma potência emergente com a qual valia a pena construir pontes; a China viu em Portugal uma porta para a Europa e um parceiro estratégico na sua ascensão global. Será esta ponte entre o Oriente e o Ocidente sustentável num mundo cada vez mais polarizado?

Por um lado, há quem encare a China com receio; por outro, há quem veja a oportunidade. Portugal, integrado na União Europeia e na NATO, tem sentido pressão para alinhar com as posições mais críticas, arriscando comprometer uma relação vantajosa para ambos os países. A deliberação da Comissão de Avaliação de Segurança, que no ano passado abriu a porta à exclusão de fornecedores chineses – como Huawei e ZTE – das redes 5G, é exemplo paradigmático desta mudança de postura. A decisão, no contexto de pressões externas e sem justificação técnica convincente, coloca Portugal numa posição de subserviência, ignorando benefícios económicos e tecnológicos de uma relação equilibrada com a China. É como se, receoso de afirmar a sua autonomia estratégica, preferisse a segurança da retaguarda, renunciando oportunidades de crescimento e desenvolvimento.

Um estudo da consultora EY quantificou não só o impacto económico da Huawei em Portugal, como o custo potencial para o país, lançando sérias dúvidas sobre a sensatez da decisão. O estudo mostra que o ecossistema da Huawei, parceiros e fornecedores, entre outros, contribui significativamente para a economia portuguesa, impactando milhares de empregos e mais de 718 milhões de euros anuais em atividade económica. A exclusão de uma empresa com este perfil não só colocaria em risco importantes benefícios económicos, como também atrasaria a implementação das mais inovadoras tecnologias de informação, prejudicando a competitividade do país e a vida dos cidadãos, estimando-se ainda um potencial aumento de 7 por cento da tarifa média das telecomunicações para os consumidores.

A preocupação – e incompreensão – cresce quando outros países europeus, como a Espanha ou a Alemanha, tomam decisões em nada comparáveis com a hostilidade portuguesa relativamente aos fabricantes chineses. Em contrapartida, a China aprovou o término de vistos para cidadãos portugueses, para estadias até 15 dias. Em contraste com a frieza demonstrada por Portugal, evidenciando a miopia estratégica que parece ter tomado conta das esferas de decisão nacionais. Enquanto a China abre as portas ao turismo e ao investimento português, Portugal fecha-se ao diálogo e à cooperação com uma das principais economias globais.

Afinal, que Portugal queremos ser? Aberto ao investimento, à inovação e ao diálogo; ou um mero peão no xadrez geopolítico, abdicando da autonomia em nome de interesses alheios? Queremos decidir com base em factos e dados concretos, ou deixa-nos levar por receios infundados e pressões externas? A imposição de restrições à participação de empresas chinesas em setores estratégicos, frequentemente justificada com a segurança nacional, constitui um sinal negativo para os investidores internacionais e coloca em causa a credibilidade de Portugal como um país aberto e competitivo. Este género de decisões, tomadas sem debate transparente, baseado em factos, levantam sérias dúvidas sobre a defesa dos interesses de Portugal num mundo cada vez mais complexo e multipolar.

É urgente que Portugal retome o diálogo com a China de forma pragmática e mutuamente vantajosa. O desinvestimento nesta relação centenária, baseado em meras conjeturas e pressões externas, é um erro estratégico que terá consequências nefastas para o futuro tecnológico e económico do país. É tempo de Portugal reafirmar a autonomia e defender os reais interesses nacionais, sem ceder a chantagens ou preconceitos infundados. A História ensina-nos que os países que mais prosperam são os que sabem construir pontes, e não obstáculos. As relações constroem-se com esforços de ambos os lados, como sempre aconteceu na História destes dois países. Acreditar que a China mantenha, de forma inesgotável e vitalícia, a solidão dos seus esforços apesar da inércia portuguesa, é pura ilusão.

*Edição PLATAFORMA

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