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Agora quero ser queen

Paulo Rego*

Nunca devia ter existido; não pode acontecer. É um atraso social assistirmos, em silêncio, à discriminação seja de quem for; porque nos atira a todos para um tempo que já lá vai – e não volta mais. Cancelar um espetáculo porque inclui drag queens, homossexuais, transsexuais, ou qualquer outra opção sexual, desrespeita a criação artística, o direito à diferença, o indivíduo… a própria realidade.

Bem sei que se arrasta na China o preconceito oficial contra a homossexualidade; mas os erros não se copiam. Macau não é uma sociedade liberal; aliás, é conservadora, como se viu nos ataques que a comunidade portuguesa desferiu contra o anterior cônsul de Portugal, por ter assumido o marido.

Mas se aceitamos a descriminação sexual, onde está o limite? Aceitamos a de raça e origem? De género? De religião? De estatuto social e económico? De cultura? De ideologia? E quem traça a linha vermelha? O Estado? A Igreja? Grupinhos de pressão?

Ninguém tem obrigação de gostar. As convicções ideológicas, sociais, religiosas… sejam elas liberais ou conservadoras, são um direito de cada um. Não pratiquem, não vejam, não liguem; mas deixem os outros em paz. É isso que dá a todos o mesmo direito; incluindo àqueles que julgam ser mais que os outros, e com isso não se dão ao respeito – porque não o reconhecem.

Há nesta estória macabra mais um nó górdio: um centro internacional de turismo e lazer, um palco de espetáculos, talentos, criatividade… descrimina os criadores, censura o que se pode ver e fazer? Se o ridículo matasse, o Fringe estaria morto.

Se assobiarmos para o lado quando o ridículo nos assalta, morre nesse silêncio uma ideia de civilização, de respeito pela arte – e pela diferença. Não sou gay; por circunstância do corpo e da mente; com o mesmo direito de quem cria o espetáculo que entende – e vê quem quer. É isso que legitima também o direito de quem é atrasado social – se é feliz com isso.

*Diretor-Geral do PLATAFORMA

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