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Os próximos episódios da telenovela das taxas de juro

Filipe Grilo, Filipe Grilo é professor convidado da Porto Business School e especialista em Economia

Aviso prévio: este artigo contém spoilers! Após o anúncio do Banco Central Europeu (BCE) de manter as taxas de juro inalteradas pela primeira vez em 16 meses de subidas, imagino que esteja a suspirar pelo fim do pesadelo das taxas de juro altas. Tudo aponta para que o início do fim esteja para breve, mas aviso já que a redução das taxas de juro será um episódio quase tão lento como o desenrolar de uma telenovela com dezenas de temporadas.

Começando pelas boas notícias, surgiram recentemente os primeiros sinais que mostram o sucesso demorado da política restritiva do BCE e que podem justificar uma redução das taxas de juro no horizonte. Em primeiro lugar, a inflação tem reduzido a um ritmo encorajador nos últimos dois meses. De acordo com a previsão de Outubro, a inflação da Zona Euro atingiu os 2,9% – um número cada vez mais perto do objetivo dos 2%. Em segundo lugar, a inflação subjacente – a componente mais teimosa da inflação – está nos 4,2% e está a cair consecutivamente há 4 meses. Por fim, os grandes motores europeus (Alemanha, Espanha, França e Itália) registaram inflações abaixo dos 4%, a primeira vez desde o início do pico da inflação. Todos estes sinais sugerem que uma nova subida do juro está a ficar descartada e que a descida poderá vir um pouco mais cedo do que se previa há dois meses.

Ainda assim, antes do leitor começar a respirar de alívio, aviso que o BCE não vai dar passos em falso. Tal como os bombeiros têm uma fase de rescaldo depois do incêndio estar extinto para garantir que não há reacendimentos, o BCE será igualmente conservador para garantir que a inflação não voltará a aumentar violentamente. Para isso, o BCE vai estar atento a todos os riscos de reacendimento e simultaneamente arrefecer o terreno quente para que qualquer faúlha não volte a criar um incêndio com proporções semelhantes.

Relativamente aos riscos de reacendimento, há dois candidatos principais que podem atrasar o processo de redução das taxas de juro. Por um lado, problemas nos mercados energéticos podem reacender a inflação. Um inverno mais rigoroso ou uma escalada do conflito Israelita, com o Irão à mistura, podem aumentar seriamente os custos energéticos, criando um novo choque inflacionista. É, por isso, que o BCE não reduzirá as taxas de juro antes de saber o que vai acontecer durante o Inverno. Por outro lado, a surpreendente saúde da economia americana pode atrapalhar a redução das taxas de juro por parte do BCE. Se o BCE se antecipar no processo de redução dos juros face ao seu homólogo americano, a redução da rentabilidade dos ativos europeus face aos americanos provocaria uma depreciação do euro. Consequentemente, a perda do valor do euro face ao dólar poderia provocar um ressurgimento da inflação via importações de bens transacionados em dólares (como o petróleo).

Por fim, enquanto monitoriza os riscos de reacendimento, o BCE pode proativamente reduzir a temperatura do terreno, através de uma variável-chave: as expectativas de inflação. Por mais faúlhas que estiverem no ar, a inflação só não reacende quando as pessoas acreditarem que, no futuro, a inflação não será superior a 2%. E para domar a mentalidade inflacionária instalada há três anos, ainda são precisos mais uns meses dolorosos. É por isso que a redução das taxas de juro ainda demorará. O BCE estará disposto a manter as taxas de juro num nível alto mesmo se a inflação na Zona Euro estiver abaixo dos 2%. Ele só levantará o pé quando a expectativa de inflação para o ano seguinte estiver perto dos 2%.

Filipe Grilo é professor convidado da Porto Business School e especialista em Economia

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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