A medicina tradicional chinesa tem vindo a ser utilizada por alguns especialistas em Portugal como método de tratamento e recuperação de atletas de alta competição, entre os quais alguns futebolistas com ligações ao FC Porto, como Pepe, Hulk ou Alex Sandro. Mas há outros fora do futebol que cada vez mais têm recorrido a estas técnicas.
Ainda vista como uma opção alternativa por muitos atletas, o uso da medicina tradicional chinesa (MTC) para tratamento de lesões desportivas tem crescido graças aos esforços de alguns terapeutas com larga experiência em Portugal.
Paulo Araújo, talvez o terapeuta de MTC com o currículo mais extenso na área do desporto no país, conta como pacientes não só inúmeros jogadores de futebol, mas também profissionais do atletismo, hóquei em patins ou voleibol.
Ao PLATAFORMA, Araújo conta como o “bicho da medicina chinesa” apareceu com a prática de artes marciais chinesas, que iniciou em tenra idade em Portugal.
Nos anos 80 viria a viajar para Macau onde começou a praticar os estilos Nan Chuan e Chang Chuan na Associação Desportiva de Macau Lo Leong do mestre Pun Chong Kuan.
“O pai dele [Pun Su Sam] já era um reconhecido perito de medicina tradicional chinesa de Macau, era muito solicitado. Ele aconselhou me a ir para Pequim e partir daí entrei nessa dinâmica”, diz.
Araújo viria a voltar para Portugal e completar uma formação na Associação Portuguesa de Acupunctura e Disciplinas Associadas (APADA) presidida pelo conhecido médico de MTC, Pedro Choy.
No que toca ao seu interesse pelo tratamento de lesões desportivas, Araújo relembra que no campeonato do mundo de artes marciais em Taiwan, em 1992, foi “mais médico do que propriamente atleta ou treinador”.
“As lesões eram tantas e não havia mãos a medir, já aí foi engraçado perceber que já havia muita eficácia no que fazia”, conta.
“Penso que a MTC oferece uma recuperação mais fácil e rápida que a medicina ocidental. Há já muitos jogadores de futebol, voleibol, andebol e de outras em Portugal a recorrer a MTC”
Wu Qi
O especialista começou a focar-se em atletas de alto rendimento, principalmente jogadores de futebol, que têm uma necessidade de recuperação mais rápida e segura.
“Tanto uso acupuntura, ventosas, fitoterapia, mas principalmente, unguentos com base em plantas que eu próprio desenvolvi, que cozinho e misturo de forma a poder acelerar o processo de recuperação de uma lesão, caso seja uma rotura de músculos ou ligamento”, conta.
“Depois de terem provado a eficácia dos meus tratamentos, a mensagem passa de boca em boca e posso dizer que já recuperei mais de 300 jogadores de futebol”.
Com uma ligação especial ao FC Porto, Araújo conta como clientes alguns dos maiores nomes que passaram pelo clube nortenho, incluindo Hulk, Alex Sandro, e o atual capitão Pepe.
“No ano passado integrei o departamento médico do FCP, tinha um departamento próprio dentro do Olival e depois em estágio também tinha um espaço próprio a que os jogadores recorriam. Posso dizer que na época passada em estágio fiz 1,153 tratamentos. E chegámos ao fim do campeonato com recorde de pontos e vitórias, foi uma época de grande sucesso”, salienta.
No entanto, a ligação extravasa para atletas de outros clubes, que muitas vezes pedem ao terapeuta que os acompanhe nos vários clubes onde continuam a carreira depois de darem o salto para outra liga.
“Dependendo da situação e da urgência, desloco-me onde eles estão, algumas vezes em conformidade com os clubes, outras vezes não”, conta.
Durante a última edição da Liga dos Campeões, por exemplo, Araújo foi chamado por Rafael Leão, a Milão, numa tentativa de recuperar o jogador português antes da decisiva segunda mão das meias-finais contra o Inter de Milão.
Depois de falhar a primeira mão por lesão, Leão viria a conseguir tjogar na segunda, apesar do curto tempo disponível para recuperação
Em 2017 Araújo foi também convidado a fazer parte da equipa médica do treinador André Vilas Boas, então nos chineses do Shangai SPG.
Dessa experiência o terapeuta retirou que os clubes de futebol na própria China não tiram tanto partido da MTC como poderiam.
“Ainda há muita pouca especialização na MTC no que toca a alto rendimento. Eu acho que podem melhorar mais nisso. Eu dediquei me de alma e coração à recuperação de alto rendimento e hoje consigo tirar e ser benéfico para os jogadores ou atletas,” destaca.
Uma opção rápida
Com estudos na Universidade de Medicina de Pequim, o Dr. Wu Qi encontra-se há quase 20 anos em Portugal, período em que realizou tratamentos a vários atletas, com recurso a acupuntura ou fitoterapia.
“Penso que a MTC oferece uma recuperação mais fácil e rápida que a medicina ocidental. Há já muitos jogadores de futebol, voleibol, andebol e de outras em Portugal a recorrer a MTC,” diz ao PLATAFORMA.
“Em Portugal tanto a acupuntura como a fitoterapia têm vindo a tornar-se mais populares. A acupuntura por exemplo é muito eficaz para entorses”.
“Depois de terem provado a eficácia dos meus tratamentos, a mensagem passa de boca em boca e posso dizer que já recuperei mais de 300 jogadores de futebol”.
Paulo Araújo
Há 18 anos a residir em Portugal, o chileno Larry Ibarra começou a trabalhar profissionalmente em 1998 em hospitais e centros de saúde do ministério de saúde no Chile, como clínico e formador de medicina chinesa.
“A minha especialidade é difícil de definir, como tento praticar os diferentes ramos da medicina chinesa clássica (fitoterapia, acupuntura, etc) nos diferentes departamentos clínicos de MC (medicina interna, externa, pediatria, ginecologia, etc),” conta.
Ibarra já realizou tratamentos em atletas de diferentes modalidades, e destaca como vantagens do tratamento um melhor controlo da ansiedade-stress natural no período pré-competição.
Outras vantagens incluem uma melhor recuperação após treinos mais intensos, lidando mais eficientemente com contraturas ou acidose; e uma recuperação mais rápida no caso de lesões desportivas.
Legalização recente
Foi já em 2013 que as autoridades portuguesas regulamentaram o exercício profissional das atividades de aplicação de terapêuticas não convencionais, incluindo acupuntura, fitoterapia, homeopatia, medicina tradicional chinesa; naturopatia; osteopatia, e quiropráxia.
Desde então a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) em Portugal tem vindo a autorizar a criação de licenciaturas em terapias não convencionais, tornando o país um dos poucos na Europa com uma licenciatura de MTC.
De acordo com a Direção-Geral de Ensino Superior, as profissões de terapêuticas não convencionais que se encontram regulamentadas incluem as profissões de acupuntor, fitoterapeuta, homeopata, especialista de Medicina Tradicional Chinesa, naturopata, osteopata e quiroprático.
No entanto, desde que a nova legislação entrou em vigor, ainda só foram criados alguns ciclos de estudos para Osteopatia e Acupuntura.
A licenciatura em Osteopatia entrou em funcionamento no ano letivo de 2016-2017, e a licenciatura em Acupuntura entrou em funcionamento no ano letivo de 2017-2018.
Em 2018 foram regulados por portarias os requisitos gerais que devem ser satisfeitos pelas licenciaturas no Ensino Superior Politécnico em seis das sete categorias, tendo ficado de fora a homeopatia.
Passo a Passo
Quando questionados sobre a atitude em Portugal para com tratamentos de medicina chinesa na área do desporto, Ibarra e Araújo oferecem visões opostas.
Ibarra destaca uma grande abertura e procura em relação à medicina chinesa de parte de todos os grupos profissionais e etários no país, algo que justifica pela “eficácia desta disciplina”.
Já para Araújo, a questão da aceitação da MTC no tratamento desportivo está principalmente relacionado não tanto com o desconhecimento mas com o “receio de partilhar o sucesso da recuperação”.
“Há aqui uma luta, em que se refere a ciência e a falta de investigação na área. Naturalmente que [não existe tanta investigação em MTC], mas a maior parte do dinheiro para investigação está do outro lado. Vender agulhas não é o que dá mais dinheiro,” destaca.
Para o terapeuta a decisão fica sempre nas mãos do paciente, que se vê que consegue resultados satisfatórios depois de recorrer a um certo método, naturalmente continuará a procurar esse método.
“Felizmente já existe uma lei e estamos licenciados, a investigação é que ainda é um pouco diminuta. Há uma dúvida no que toca às competências em certas áreas mas há tanta gente que recorre à MTC. Isto tem que ser como o bambu, flexível, crescer sempre a direito, mas consolidado cada passo. Tem que ser devagar, não podemos quero mudar mentalidades de um dia para o outro.”
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