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Ataque de Biden a Xi mina diálogo aberto em Pequim

O Presidente dos EUA, Joe Biden, teceu comentários provocadores ao Presidente chinês, Xi Jinping, dias depois da visita de Blinken à China, que tinha como objetivo o desescalar das tensões entre as superpotências. Politólogos analisam a postura adotada em Pequim e as consequências que as palavras de Biden podem ter

O secretário de Estado norte-americano chegou a Pequim no dia 18, onde se reuniu com altos dignatários da República Popular da China e, um dia depois, com o Presidente chinês, Xi Jinping.

Nos encontros vaticinou-se, ainda que timidamente, um reaproximar das duas nações.

Contudo, esta terça-feira (20), o Presidente dos Estados Unidos da América veio de alguma forma ‘fragilizar’ os avanços obtidos por Blinken em Pequim.

Durante um evento na Califórnia, Biden voltou a falar sobre o episódio dos supostos balões de espionagem chineses abatidos por Washington. “É muito embaraçoso para os ditadores quando eles não sabem o que aconteceu.” O Presidente norte-americano não ficou por aí, acrescentando: “Prometo-vos, não se preocupem com a China (…). A China tem problemas económicos reais”, disse o democrata de 80 anos, que está em campanha para ser reeleito.

Ainda a propósito de Xi Jinping, Joe Biden afirmou que o homólogo chinês “quer reestabelecer uma relação”. Porém, e mesmo depois de considerar o “bom trabalho” de Blinken em Pequim, explicou que “vai levar tempo” até resolver a tensa relação entre os dois países.

Palavras que já mereceram resposta por parte da China, que entendeu parte do discurso como uma provocação. “Esta observação da parte americana é realmente absurda, muito irresponsável e não reflete a realidade”, declarou aos jornalistas a porta-voz da diplomacia chinesa, Mao Ning, em Pequim.

Os comentários de Biden provavelmente vão deixar as relações mais tensas e dificultar a procura por um terreno comum entre os dois países

Alexandre Ramos Coelho, secretário do Comité de Estudos Asiáticos e do Pacífico da
Associação de Ciência Política Internacional

Consequências?

Alexandre Ramos Coelho, secretário do Comité de Estudos Asiáticos e do Pacífico da Associação Internacional de Ciência Política, diz ser “muito cedo para avaliar as consequências” e as “razões que levaram o Presidente dos EUA a fazer os comentários num momento tão delicado das relações”, contudo, afirma que estes “podem prejudicar seriamente esse esforço de desescalada”.

“Chamar Xi Jinping de ‘ditador’ pode colocar em risco a relação China-EUA. Os dois países têm estado em desacordo numa série de questões, incluindo comércio, direitos humanos e Taiwan. Os comentários de Biden provavelmente vão deixar as relações mais tensas e dificultar a procura por um terreno comum entre os dois países”, defende, acrescentando que esse “é um desenvolvimento preocupante”, já que estas “são as duas maiores economias do mundo”. “Se a relação continuar a se deteriorar, isso poderá ter um impacto significativo na economia global”.

O analista político indica ainda que os comentários, além de poderem levar a um escalar das tensões, podem também dificultar a cooperação em questões como as mudanças climáticas, proliferação nuclear e outros objetivos comuns a nível mundial.

Progresso em Pequim

Dias antes, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, foi a Pequim com o objetivo de reaproximar as duas potências mundiais, numa altura em que as relações estavam num dos pontos mais baixos dos últimos anos.

Antony Blinken chegou a Pequim no dia 18 de junho. Foi o primeiro secretário de Estado norte-americano a visitar a China em cinco anos e, por sinal, o primeiro desde que Biden assumiu a presidência dos EUA. À sua espera não havia altos funcionários chineses e o formato da reunião com Xi demonstrou que ainda havia muito por ultrapassar a nível de relações.

Numa reunião de cinco horas com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Qin Gang, reiterou que os EUA não apoiam a independência de Taiwan, mas garantiu que manterão o compromisso de defender o território de qualquer ameaça por parte da China. “Continuamos a opor-nos a qualquer mudança unilateral do status quo por qualquer uma das partes. E continuamos a desejar a resolução pacífica das nossas diferenças”, disse o chefe da diplomacia dos EUA, após os encontros com membros do regime chinês.

Contudo, acrescentou que os Estados Unidos continuam comprometidos com as suas responsabilidades ao abrigo da Lei de Relações com Taiwan, entre as quais destacou o dever de garantir que a ilha “tenha a capacidade de se defender”.

Por sua vez, a diplomacia chinesa tinha apontado que a questão de Taiwan constitui “a maior ameaça” ao bom relacionamento entre as duas potências.

Embora as diferenças [entre a China e os EUA] relativamente a Taiwan sejam irreconciliáveis, irreconciliáveis não significa que sejam ingeríveis

Graham Allison, cientista político norte-americano

“A questão de Taiwan é a questão fundamental dos interesses superiores da China, a questão mais importante nas relações entre a China e os EUA e o maior perigo”, disse Qin Gang.

O chefe da diplomacia chinesa também admitiu que as relações entre os dois países “estão no seu ponto mais baixo desde o estabelecimento das relações diplomáticas”, reconhecendo que a situação não responde aos “interesses fundamentais dos dois povos”.

Desde o estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e os Estados Unidos, as duas partes têm aderido ao princípio de “Uma só China”. Pequim sublinha que existe apenas uma China no mundo, que Taiwan faz parte da China e que o Governo da República Popular da China é o único com legitimidade para representar a China.

A política de “Uma só China” defendida pelo Governo dos EUA baseia-se nos três comunicados conjuntos EUA-China, na Lei de Relações com Taiwan e nas Seis Garantias a Taiwan, que reconhecem o Governo da República Popular da China como o governo legítimo da China, por um lado, e tratam Taiwan como uma entidade política separada da China continental, por outro.

Blinken também se reuniu com Wang Yi, diretor do Escritório da Comissão de Relações Exteriores do Comité Central do Partido Comunista da China. Numa reunião que durou três horas, Wang disse que a visita de Blinken a Pequim ocorre num momento crítico para as relações entre os EUA e a China, em que “é necessário fazer uma escolha entre o diálogo e o confronto, a cooperação e o conflito”.

Ambas as partes precisam de “inverter a espiral descendente das relações EUA-China”, acrescentou Wang.

O formato diplomático da reunião com Xi, por sua vez, foi marcadamente diferente das anteriores. Quando o Presidente chinês se encontrou com Mike Pompeo em 2018, Tillerson em 2017 e Hillary em 2012, os assentos estavam dispostos num padrão circular, com o líder chinês e o secretário de Estado dos EUA sentados juntos nos dois sofás do meio. Desta vez, o cenário foi diferente.

Reunidos no Salão do Povo, o líder chinês disse que ambos os países têm de atuar com responsabilidade pela História, as pessoas e o mundo. “O futuro e o destino da humanidade dependem da capacidade de os dois países encontrarem o caminho certo para se entenderem”, disse o Presidente chinês a Blinken.

Por outro lado, comunicou que o acontecimento mais importante dos últimos 50 anos foi a retoma das relações China-EUA e que, para os próximos 50 anos, o evento mais importante no capítulo das relações internacionais seria, mais uma vez, que a China e os EUA conseguissem encontrar uma forma de se entenderem.

“Os chineses, tal como os americanos, são pessoas dignas, confiantes e auto-suficientes. Ambos têm o direito de procurar uma vida melhor”, afirmou.

“A China respeita os interesses dos EUA e não procura desafiá-los ou deslocá-los. Na mesma linha, os Estados Unidos têm de respeitar a China e não devem prejudicar os seus direitos e interesses legítimos”, insistiu Xi.

Por sua vez, Blinken disse que os EUA estavam comprometidos em regressar à agenda acordada pelas duas nações em Bali, no ano passado.

O encontro entre Xi Jinping e Blinken durou cerca de 35 minutos. “As duas partes também fizeram progressos em algumas questões específicas e chegaram a um consenso, o que é bom”, disse Xi.

O secretário de Estado concluiu a sua viagem com uma conferência de imprensa na Embaixada dos EUA na China. “O contacto direto e a comunicação permanente a alto nível são a melhor forma de gerir responsavelmente as diferenças entre os Estados Unidos e a China e de garantir que a concorrência não se transforme em conflito”, sublinhou.

Blinken disse ter ouvido o mesmo do seu homólogo chinês e que ambas as partes concordavam com a necessidade de estabilizar as relações entre os EUA e a China.

Questões “irreconciliáveis” não podem ser “ingeríveis”

Blinken disse durante a visita a Pequim que não iam resolver de imediato “todos os problemas ou divergências” existentes.

No entanto, indicou que ambos os lados concordaram ser “fundamental gerir bem o nosso relacionamento”. Ao PLATAFORMA, o cientista político norte-americano Graham Allison diz que o encontro entre Xi Jinping e Blinken foi uma mensagem para o mundo, especialmente para a Europa. “A Europa está cada vez mais próxima da China, e vice-versa, e os Estados Unidos entendem isso, especialmente em termos de comércio”, entende.

Graham Allison considera que as relações se deterioraram, mas o primeiro passo para estabilizar as relações é reativar o diálogo de alto nível estabelecido entre o Presidente Biden e o Presidente chinês Xi Jinping na cimeira do G20 em Bali, em novembro passado. O politólogo acredita que os EUA e a China podem e devem trabalhar juntos. “As duas superpotências têm de encontrar formas de limitar a sua concorrência, de chegar a compromissos e até de cooperar”.

“Nessa reunião, os dois líderes enumeraram as ações que poderiam empreender em conjunto – em áreas como as alterações climáticas, a saúde pública, a agricultura e a segurança alimentar – para inverter esta tendência descendente.”

Os Estados Unidos e a China continuam em desacordo relativamente a disputas comerciais e de propriedade intelectual, direitos humanos, Taiwan, guerra na Ucrânia e ao controlo americano de tecnologias e equipamentos avançados.

Graham Allison sublinhou que Biden e Xi reconhecem que uma guerra entre as duas nações seria suicídio. O analista identifica Taiwan como ponto de infamação mais perigoso entre as duas superpotências. Contudo, diz que “embora as diferenças relativamente a Taiwan sejam irreconciliáveis, irreconciliáveis não significa que sejam ingeríveis”.

“O Presidente do Parlamento Europeu salientou que ambas as partes deveriam reiterar os princípios já acordados nos três comunicados conjuntos EUA-China, que permitiram aos cidadãos de ambos os lados do Estreito de Taiwan registar um maior aumento dos seus rendimentos, saúde e bem-estar do que em qualquer período equivalente das suas longas histórias”, acrescenta.

“Tal como os Estados Unidos e a União Soviética, os Estados Unidos e a China estão condenados a competir e a cooperar”, conclui Allison.

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