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O Dia Mundial da Poesia

João MeloJoão Melo*

Ontem foi o Dia Mundial da Poesia. Geralmente o primeiro dia da primavera é a 21 de Março, celebrando-se também o Dia Mundial da Árvore, e foi igualmente nesse dia em 1991, fez ontem 30 anos, que eu, os actores João Didelet e Renato Solnado fizemos no Chapitô o primeiro espectáculo de um grupo de teatro, música e humor a que chamámos Fúria do Açúcar. Mais tarde tornar-se-ia num projecto quase exclusivamente musical, e se hoje estou aqui a escrever, isso deve-se à visibilidade que o grupo me proporcionou em várias áreas do espectáculo. 

Não sou poeta, quem me dera, compor palavras-com-música é uma arte difícil para quem não nasceu munido do dom. Nem todos têm capacidade para criar poesia, no entanto qualquer pessoa pode apreciá-la. As palavras são um instrumento tal como um piano, um violino, uma voz; para fazer música com elas é necessário talento e prática. Não possuindo nada disso tentarei abarcar as efemérides supra citadas, tocando-as neste instrumento de ricos timbres. Tenham em atenção que a execução se assemelha a um recital infantil, não me crucifiquem se a composição não prestar ou der umas notas ao lado.

Soneto da Primavera

Cantam cláxons na doce aurora,
Por entre prédios o sol prospera.
Sinais dispersos p’la cidade fora
Do primeiro dia de primavera.

Juntando os filhos, o casal urbano
Para o campo partiu em passeio; 
Uma variante ao seu quotidiano
Com lição de vida pelo meio.

Possui a natureza sábia harmonia:
Se além voa a alegre cotovia,
Aqui pousa a diligente abelha.

Vale a pena o passeio? Oh, vale tanto
Ouvir crianças dizer que o campo
Cheira a sabonete de velha.

O segredo da vida

Sobre o Antigo Egipto reinava Ramsés II
Faraó, deus, mito, o mais poderoso do mundo.
Debaixo do seu jugo, milhões sobreviviam,
Para glória do verdugo grandes obras erigiam.

Mas acima de tudo ele era só humano,
E receando morrer, mais ano, menos ano
Mandou construir imponente mausoléu,
Diz-se que para o levar da Terra até ao céu.

O medo de perder, de facto confirmou-se:
No topo, isolado, um dia finou-se,
Talvez sem nunca ter chegado a perceber
Que oprimir é temer, temer é morrer.

Na mesma altura, em terras distantes
Mais concretamente na região de Abrantes
Uma simples semente caía no chão,
Originando a oliveira do Mouchão.

Vararam celtas, romanos, árabes até
E ao fim de 3350 anos, lá continua viva, de pé.
A sua única obra resume-se ao verbo dar
Azeitona, oxigénio ou sombra a quem queira desfrutar. 

Cabe aos humanos tirar ilacções,
Designar propósitos, planos, intenções.
Não consta que à oliveira tal tenha interessado,
Apenas ofertou sem pedir trocado.

A sua idade provecta é fácil de quantificar;
Sua sabedoria discreta difícil de determinar,
E por ser tão simples nos custa tanto a ver
Que dar é amar, amar é viver

Hosana à insanidade 

Antes do pôr do sol, ao terceiro dia das bodas de Hadassah, 
Um grupo de camafeus, tribo de cultura escassa, 
Irrompeu p’la casa de Abel exigindo-lhe sob ameaça 
Que ao secular enigma desse solução: 
“O que é mais doce que o mel e mais forte que o leão?” 
Eczema, vizinho de Abel e filho de Zebedão 
Não desejando que ele o revelasse a gente gentia, teve então uma epifania: 
De supetão e espada em punho, a matar avança decidido 
Mas por desgraça pisa um ancinho, recebe o pau no focinho, 
Solta um gemido grunho, entorna uma ânfora de vinho, 
E no chão cai estatelado, ao som de um osso fendido; 
De voz sumida p’la pressão no pescoço, sob o pé do camafeu Hamed Fakul
Ainda titubeou de fininho: “- Red Bull?…” 
Logo em ombros p’la multidão foi levado até ao portão azul do gueto 
Onde foi sacrificado no espeto, com salsa na boca e um nabo no rabo, 
Acompanhado de dois prisioneiros, três vitelos, e quatro carneiros,
Todos previamente imolados a fio de cutelos. 
Pois que assim escreveu Ibístolas 
Nas suas epístolas sobre a incúria, ao Emir de Angkor: 
“Não se pode confundir o senhor da Fúria, com a fúria do Senhor”.

*Músico e embaixador do Plataforma

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