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Os Hospitais KIWI

Henrique MartinsHenrique Martins*

Os hospitais são, para a maioria das pessoas, o lado mais visível, histórico, futurístico, dramático e esperançoso da saúde. Desde grandes estruturas, com vários departamentos, profissionais e tecnologia avançada, até aos mais locais e pequenos.

As casas, hóteis e hospitais partilham uma raíz comum: trazem para junto do coração paz, energia, revitalização e saúde. No entanto, a maioria dos hospitais são alvos de crítica por serem demasiado complexos na sua navegação, arriscados para idosos, pessoas frágeis (face às infeções nosocomiais) e por terem uma alta taxa de erro médico, que é intolerável. Para além disso são considerados desumanos, frios e aterradores, demasiado técnicos e de difícil acesso devido aos labírintos, tanto financeiros como pela complexidade dos sistemas de saúde e forma de referenciação hospitalar.

Há vários bons exemplos de grandes e pequenas instituições pelo mundo fora que estão a dar passos significativos para eliminar os problemas que dão aso a todo este leque de críticas. Desde o método rigoroso de trabalho de Patch Adams, às iniciativas de “Governância clínica” no Reino Unido. Da Kaiser Permanente nos Estado Unidos altamente digital ou projetos de IA (Inteligência Artificial) para futuros hospitais financiados pela Comissão Europeia, ao Hospital Geral Ng Teng Fong em Singapura um modelo incrível de eficiência pela implementação do Sistema de Produção da Toyota.

Todos este esforços focam-se nas diferentes áreas de desenvolvimento para o futuro dos hospitais. Porém, as várias iniciativas tornam difícil de prever qual o caminho que as estruturas de saúde vão seguir. Não a aparência física, ou especialidades, mas sim a cultura de organização, de estratégias para lidar com os Recursos Humanos, Sistemas de Informação, equipamentos, processos de enfermagem e doutores. Se desse para compilar este “espírito essencial” numa palavra, a diferença entre os “hospícios” dos mosteiros da antiguidade e os “hospitais” atuais, seria: Ciência. Igualmente, comparando as instituições hospitalares de hoje (pese embora a sua heterogeneidade) e os hospitais do futuro, sugiro que seja: Inteligência Híbrida e Sabedoria.

É irrefutável que os hospitais são ou deviam ser algo parecido com as “organizações de conhecimento” desenvolvidas por Nonaka, pois são espaços de recursos humanos onde tudo o que acontece depende maioritariamente de profissionais altamente qualificados. Mas poucos estão estruturados para dar ao paciente o melhor tratamento possível.

Os hospitais oferecem uma variedade de serviços, desde operações às cataratas à terapia de eletro-implante cerebral.

Tem de haver foco na qualidade e no evitar do erro, para melhorar e voltar a ter a confiança dos cidadãos. Embora isto fosse verdade há 20 anos, ainda é uma meta a atingir para algumas organizações. Contudo, o futuro traz novos desafios: Desenvolvimento científico e personalização da medicina define um novo conceito de “conhecer os pacientes” e “saber o que fazer com/para eles”. A inteligência deixou de ser uma exclusividade humana, pois nós embarcámos numa viagem na criação de Sistemas e Agentes de Inteligência Artificial.

A sabedoria deixou de ser apenas humana e tem de se encontrar um balanço entre as incríveis possibilidades tecnológicas que contornam os limites éticos, humanidade e dignidade. A versatilidade de sistemas de informação e a necessidade de conectar e interconectar organizações e processos lembram os hospitais de que não são uma multitude de departamentos  “pequenos e várias vezes dividos”, mas sim um ecossistema regional, nacional e agora, mais do que nunca, global. De maneira a responder da melhor maneira às aspirações e desafios que temos hoje, os futuros hospitais KIWI (Knowledgeable, Intelligent, Wise, Interoperable) são os que combinais os quatro elementos cruciais para fazer o equilíbrio certo. Precisam de ter Conhecimento, Inteligência, Sabedoria e Interoperabilidade. Estes elementos têm de estar presentes em todos os processos.

Superficialmente, apresento um resumo:

Conhecimento – Cada vez mais é necessário profissionais altamente qualificados na ciência e tecnologia, combinando com o conhecimento prático, que ainda é necessário. O uso de ferramentas de Apoio à Decisão Clínica, bem como a estruturação de serviços clínicos abrangentes, será fundamental. Esses elementos constituem a capacidade de conhecimento.

Inteligente – Uso da Inteligência Artificial (IA) em procedimentos de medicina básica (Robô DaVinci; Imagiologia ou Genética, por exemplo), mas também na chamada Gestão Hospitalar Inteligente.

Sabedoria – Só as pessoas podem ser sábias. A sabedoria ainda é uma prerrogativa humana, mas a confiança e a ética são necessárias nos “níveis mais profundos e transversais” da organização. As estruturas e processos de reforço da confiança e da ética digital precisam de se tornar as competências essenciais, já que o potencial técnico e científico para causar danos está a aumentar bastante.

Interoperável – Um termo frequentemente associado à tecnologia da informação (TI). Embora a interoperabilidade de TI e o uso de standards bem como os chamados “Data Spaces” ou uso do Big Data para explorar o valor do uso de dados secundários e terciários continuem a ser um desafio difícil mas necessário. As equipas interprofissionais e os Centros de Competência Virtuais interorganizacionais (C2Vi) serão os principais recursos dos hospitais KIWI na sua luta para interoperar os cuidados de saúde de dentro para fora.

Finalmente, o que é que os hospitais KIWI significam para aqueles que neles nascem, sofrem e morrem, para aqueles que trabalham, administram, estudam e, por último, para todos nós? Inclusive, saber que um dia também podemos precisar da sua excelência para sobreviver ou melhorar nossas vidas.

O conceito KIWI pode ser imediatamente aplicado aos profissionais de saúde. Tem de haver foco no Conhecimento, como profissionais de conhecimento. A medicina e a prática de saúde são altamente dependentes do conhecimento e da ciência. Por conhecimento não excluo a medicina não convencional, por aceitar os medicamentos tradicionais e outras formas de cura. Inteligência Artificial e inteligência aprimorada, bem como profissionais híbridos, dividindo as tarefas entre humanos e robôs. Estas componentes formarão uma nova força de trabalho hospitalar, enquanto a sabedoria, a mais rara de todas as mercadorias, precisará de ser procurada coletivamente. Finalmente, os profissionais de saúde têm de ser interoperáveis, tal como as diferentes tomadas elétricas e tensões funcionam através de regras e adaptadores. As diferentes profissões precisam de encontrar pontes humanas interpessoais e interprofissionais, já que a maioria dos problemas atuais de baixo desempenho e erros em medicina são em ultima análise relacionados com problemas de comunicação e multiprofissionalismo.

Pacientes e cidadãos esperam melhores cuidados, mas talvez ainda mais importante, devem aprender sobre a sua saúde e os seus direitos à autodeterminação, desde a forma como os seus dados são usados, até aos tratamentos, uso e reutilização de tecidos e células, exposição à tomada de decisão baseada em Inteligência Artificial ou terapia robótica. Não vai bastar “resolver” o problema de saúde, pois os cidadãos querem “conhecê-lo”, exercer algum arbítrio sobre ele e esperar as decisões mais acertadas, que, na área da saúde, não podem existir sem a sua inclusão.

Os gestores precisam de ser mais capazes de financiar os investimentos certos para chegar a hospitais KIWI. Não apenas camas e remédios, salários e material cirúrgico. Ativos intangíveis como o desenvolvimento da cultura, processos de reflexão, excelência e sistemas de avaliação de desempenho (apenas para citar alguns), serão essenciais para atingir o nível de maturidade KIWI que os próprios concordam que seria ideal para os hospitais no futuro.

Novas maneiras de ensinar medicina e outras profissões de saúde, agendas mais amplas de investigação, envolvendo ciências sociais e empresariais e o conceito de “hospital- como-universidade” remodelariam muito o ethos e práticas atuais dos grandes centros académicos de saúde.

Novos serviços de saúde e educação devem resultar do funcionamento de hospitais KIWI maduros. Todos os envolvidos são chamados para esta transformação. Uma estrutura simples, mas ambiciosa, é necessária para comunicar essa visão.

Finalmente, a organização que a maioria dos académicos concorda em ser a mais complexa do mundo permanecerá relevante, vibrante, aberta e transformadora. Talvez mais importante, se esse processo for feito de mãos dadas com cidadãos e pacientes, os hospitais perderão a sua imagem “branca, legal e de alguma forma mística”, para serem espaços e lugares de felicidade, mesmo nas mais difíceis situações humanas.

*Médico e professor universitário

Contactos: [email protected]
www.henriquemartins.eu

                                                                                         Alcainça, 28 de setembro, 2020

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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