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Microplásticos. No encalço da ameaça invisível

Marco Carvalho

Um litro de sedimentos recolhidos na orla costeira de Macau  pode conter mais de sete mil partículas de plástico. Indistinguíveis a olho nu, micro poluentes de componentes como o politereftalato de etileno estão presentes em cosméticos e produtos de beleza, invadiram os oceanos e pontuam cada vez mais na água e nos alimentos que consumimos. A Universidade de São José e a Universidade do Algarve propõem-se perceber melhor de que forma nos chegam ao prato.

A Universidade de São José (USJ) e a Universidade do Algarve juntaram forças para estudar a prevalência dos microplásticos nos organismos e a forma como estas partículas poluentes se transmitem em diferentes níveis da cadeia alimentar (trófica), do mais minúsculo dos organismos até ao peixe e, eventualmente, aos vegetais e à carne que nos chegam à mesa.

O projeto de investigação, que deve arrancar o mais tardar até ao próximo mês de novembro, conta com o apoio do Fundo para o Desenvolvimento das Ciências e da Tecnologia, de Macau, e da Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal e dá continuidade aos estudos feitos, de forma autónoma, por ambas as instituições no campo específico da poluição por micro partículas de plástico. 

Em 2018, investigadores do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA), da Universidade do Algarve, encontraram microplásticos em excesso em mexilhões e outras espécies de bivalves que povoam o litoral algarvio. Em Macau, o estudo que o Instituto de Ciência e Ambiente da USJ se propõe conduzir tem um carácter inédito, mas o organismo liderado pelo biólogo David Gonçalves procurou, nos últimos anos, quantificar a quantidade de microplásticos presentes nas praias e na orla costeira do território e as conclusões a que os investigadores chegaram fizeram soar os alarmes: “Estamos na foz de um dos rios que mais polui o oceano com plástico, de um modo geral. O rio das Pérolas, em conjunto com outros nove rios, transportam mais de 85 por cento do total de plástico que se escoa por via fluvial para os oceanos”, contextualiza o diretor do Instituto de Ciências e Ambiente. “Fizemos um trabalho de monitorização – ou se se preferir, de quantificação – de microplásticos nos sedimentos costeiros aqui em Macau e, de facto, os níveis são alarmantes. Chegamos a ter mais de sete mil partículas de plástico num litro de sedimentos. Se pensarmos no volume de um litro, que é uma coisa relativamente pequena, podemos ali encontrar mais de sete mil partículas pequenas”, ilustra David Gonçalves, em declarações ao PLATAFORMA. 

Em cooperação com a Universidade do Algarve, os investigadores da Universidade de São José vão focar-se mais na forma como os microplásticos afetam diferentes tipos de organismos e procurar perceber como “se transmitem em diferentes níveis da cadeia trófica”. O estudo deverá ajudar a confirmar as conclusões obtidas anteriormente por equipas de investigação da instituição de ensino superior portuguesa, de que estas partículas poluentes, invisíveis a olho nu, já são uma componente indesejada da dieta alimentar dos humanos: “Os microplásticos podem entrar na cadeia alimentar porque são absorvidos ou mesmo engolidos por animais mais pequenos. Já foi demonstrado que algumas espécies os confundem com itens alimentares e acabam por comer os microplásticos. Essas espécies são comidas por outras espécies maiores, depois acabamos nós por consumir essas espécies, o que quer dizer que acabamos por ingerir os microplásticos também. Os microplásticos têm um problema adicional que é a capacidade de absorverem alguns poluentes que existem na água”, alerta o investigador. “Não há trabalhos, que eu saiba, realizados concretamente aqui em Macau que permitam aferir e comparar com os níveis que existem descritos para outros sítios do mundo – se a situação é pior ou é melhor – mas com certeza que quando estamos a consumir algum do pescado local, estamos a consumir microplásticos”, complementa o académico da Universidade de São José. 

Mangais: Um projeto virado para a natureza como solução

O impacto que os micro poluentes de natureza plástica podem ter sobre o organismo e sobre os ecossistemas, reconhece David Gonçalves, é ainda uma questão relativamente nova para a ciência, pelo que alguns dos métodos que os investigadores da USJ estão a testar na resposta a formas mais clássicas de poluição – como o tratamento de águas residuais – podem ter uma eficácia limitada. 

Naquele que é o primeiro projeto de investigação conduzido pelo Instituto de Ciência e Ambiente em parceria com uma entidade privada de Macau (a operadora de jogo Sands China), a Universidade de São José está a procurar perceber de que forma é que os mangais podem ajudar a reabilitar as águas costeiras do território. “Estamos a testar diferentes espécies de mangue para ver como é que eles podem ajudar na captação e na remoção de poluentes nas águas costeiras. Refiro-me a poluentes químicos, como metais pesados e pesticidas, mas também a outros tipos de poluentes que é possível encontrar em ambientes costeiros marinhos”, explica Karen Araño Tagulao, coordenadora deste outro projeto da USJ.

“Estamos a focar a investigação em soluções alicerçadas na natureza, porque quando fazemos uso dela estamos a atingir dois coelhos com uma só cajadada. Em Macau temos uma zona de mangal que pode ajudar a controlar os poluentes, mas há também outros benefícios, como é o caso da biodiversidade. Há muitos serviços ecológicos. Chamamos serviços ecológicos aos benefícios que podemos retirar de um dado ecossistemas. Não se trata apenas de mitigar a poluição. Os mangais oferecem outros benefícios, como filtrar o ar. Os mangais podem filtrar dióxido de carbono em maior quantidade quando comparados com outras plantas.  Captam o dióxido de carbono e armazenam-no nas raízes e nos sedimentos”, complementa a investigadora da USJ responsável pela coordenação do estudo, em declarações ao PLATAFORMA.

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